Na contramão dos protestos, o ex-presidente
contraria a própria trajetória e troca os palanques pelos gabinetes. Mas
ele já tem data para voltar às ruas
Josie Jeronimo
Pela primeira vez desde as greves dos
metalúrgicos em 1979 em São Bernardo do Campo, o Brasil assistiu às
manifestações de massas sem a presença ostensiva do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Principal líder das lutas sociais do País nas
últimas três décadas, Lula trocou os comícios pelas conversas ao pé do
ouvido com empresários e políticos. Na semana passada, quando Dilma
Rousseff enfrentava o prolongamento da pior crise desde que assumiu o
governo, Lula evitou manifestações públicas e, na sexta-feira 28, estava
de malas prontas para uma nova viagem à África, onde será a estrela
principal de encontro organizado por seu instituto e a Organização das
Nações Unidas (ONU) para a fome. Antes de confirmar a partida, num
diálogo com Dilma, Lula se colocou à disposição para ajudar. Deixou
claro que seria capaz de cancelar a viagem, se a presidenta achasse
melhor. Acabou viajando.
JUNHO DE 2013
Em seu instituto, Lula fala com o vice-presidente
Michel Temer sobre as manifestações
Longe das ruas, mas de olho no que se passa no país inteiro, Lula
tem-se esforçado para combinar a biografia com a responsabilidade de ser
um dos mais populares políticos brasileiros, patrono e fiador da
presidenta que era chamada de poste quando entrou na campanha. A rotina
de Lula durante os dias em que os brasileiros retomaram as ruas
praticamente não se alterou. O circuito casa-Instituto dominou sua
agenda. O que mudou foi a intensidade das articulações, inclusive com
membros do governo e de partidos da base aliada, como o vice-presidente
Michel Temer. Nas manifestações de junho, Lula foi puro bastidor. Fugiu
de ser protagonista. Isso porque, segundo ele revelou a interlocutores
nos últimos dias, assiste-se, a sua volta, a uma combinação de dois
movimentos delicados. Cada desgaste de Dilma Rousseff corresponde a um
renascimento da memória de Lula entre dirigentes do PT, antigos
ministros e mesmo entre eleitores. A expressão “volta Lula” já era um
refrão de insatisfeitos antes mesmo do MPL (Movimento Passe Livre)
entrar em cena, animado por petistas de várias correntes. Agora,
tornou-se um coro ainda mais forte, quando muitos se perguntam se a
presidenta poderá agüentar o tranco, superar os problemas e pavimentar o
caminho da reeleição. Em função disso, nos últimos dias o ex-presidente
tem procurado ser o que nunca foi: um personagem discreto, quase
apagado, para evitar solavancos que possam criar novas incertezas em
torno de Dilma. “O PT nasceu para ser diferente e não pode ficar contra
o que fez em sua história. Não é porque virou governo que pode amarrar
os movimentos sociais”, explicou Lula na sexta-feira, 21, na ressaca
daquela passeata de São Paulo que degenerou em pancadaria entre
militantes do PT e de outras siglas de esquerda, contra ativistas que
queriam expulsar partidos políticos das manifestações. Lula deu a
declaração para uma platéia pequena e atordoada em uma reunião fechada
na sede do PT em São Paulo. Lá se encontravam parlamentares, dirigentes
do partido, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo e também o prefeito de
São Paulo, Fernando Haddad, que poucos dias antes ainda se recusava a
suspender um aumento de R$ 0,20 nas passagens.
Durante o encontro reservado, ciente de que protestos de caráter
insurrecional se transformam, cedo ou tarde, numa fonte de desgaste para
todos os políticos e partidos que ocupam as funções de governo, por
melhor que fosse sua avaliação popular na fase anterior, Lula definiu as
reivindicações como “legítimas”. Também avaliou que boa parte das
reivindicações estão distorcidas, na medida em que os protestos reúnem
movimentos sociais e cidadãos que se organizam a partir da internet, que
gera um tipo de mobilização que passa longe dos grandes contingentes
das classes C e D, onde se encontra grande parte do eleitorado petista.
MAIO DE 1979
Lula se junta às massas e discursa para metalúrgicos em São Bernardo
Lembrando que muitos protestos vieram acompanhados por cenas de
baderna e violência, um assessor do ex-presidente que esteve com ele nos
últimos dias esclarece que Lula “tem ciência de que elas podem
contribuir até para o desgaste internacional do país.” Em outra reunião
da semana, numa formulação construída em companhia de auxiliares mais
fieis, sempre que teve oportunidade Lula lembrou que era preciso
comparar o que se passa na Europa, onde a aflição da população envolve a
perda de empregos, à destruição de conquistas e o desmanche econômico,
enquanto no Brasil a população foi à rua em busca de novos direitos e
melhorias.
Na semana passada, depois que Dilma anunciou a disposição de debater
um plebiscito que poderia convocar uma Constituinte, o ex-ministro da
Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannucchi, foi um dos poucos a
estar com o ex-presidente. Na conversa, questionou Lula sobre a
delicadeza da situação. Vannucchi lembrou que uma constituinte poderia
abrir muitos flancos para o governo numa situação de fragilidade do
sistema político. Lula manteve-se firme na proposta, durante as 24 horas
em que Dilma Rousseff se mostrou favorável a ideia.
PRÓXIMOS PASSOS
Com Luiz Gonzaga Belluzzo, na sede do PT-SP,
Lula combinou a volta às ruas
A exemplo do que fez Fernando Henrique Cardoso em 1999, Lula foi um
advogado da convocação de uma Constituinte exclusiva para fazer uma
reforma política em 2006, quando se reelegeu presidente após o tumulo do
mensalão. Mas Lula havia abandonado a ideia e nas últimas semanas
preparava-se para tornar-se a estrela principal de uma campanha do
próprio PT para coletar 1,5 milhão de assinaturas pela reforma política,
movimento que pretendia incrementar fazendo caravanas pelas regiões
mais pobres, mas o processo foi atropelado pelo terremoto dos protestos.
Assim que o Congresso formatar o plebiscito da reforma partidária,
Lula pretende voltar às ruas para apoiar a proposta, num movimento que,
se tudo seguir conforme o planejado, pode servir como o ponto de partida
para a campanha presidencial de 2014. “O papel do Lula é ser líder. Ele
é um grande eleitor, e um grande articulador. Ele é o único líder do
país a falar para as classes D e E e o papel dele no país é levar essa
mensagem da reforma política. Primeiro, ele vai montar o palanque e
percorrer o país para mobilizar as classes D e E”, explica o líder do PT
na Câmara, José Guimarães (CE).
Fotos: Heinrich Aikawa / Instituto Lula; Folhapress; Leonardo Wen/Folhapress
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