No momento em que as pressões de partidos de
governo e oposição voltam a conturbar o ambiente político, o relator do
mensalão, Joaquim Barbosa, garante à ISTOÉ que fatores externos não
irão interferir no julgamento
Izabelle Torres
BLINDAGEM
O ministro Joaquim Barbosa diz que o
relevante está nos autos do processo
Na semana em que o Supremo Tribunal Federal começou a decidir o
destino do núcleo político do mensalão, a proximidade das condenações
levou réus do processo a orquestrar reações que atiçaram tanto partidos
da base do governo como da oposição. O ambiente político conturbado, no
entanto, não deve mudar um centímetro os rumos do julgamento, garantiu à
ISTOÉ o ministro-relator, Joaquim Barbosa. O ministro diz que os
movimentos não surpreendem e que o cenário de pressões não preocupa.
“Nada vai interferir. O que é relevante para nós está nos autos do
processo”, afirmou Joaquim na quarta-feira 19. Como consequência da
atmosfera pesada dos últimos dias, o próprio Barbosa, que fora
ovacionado e aclamado como herói num restaurante japonês em Brasília,
virou alvo de simpatizantes do PT nas redes sociais. Embora não se sinta
confortável com a possibilidade de se tornar personagem de discursos
inflamados em palanques eleitorais durante a campanha, o ministro se diz
inabalável. A disposição é confirmada pelos votos contundentes que ele
proferiu na semana passada.
A blindagem do processo pregada por Barbosa se faz necessária num
momento de maior pressão política desde o início do julgamento em
agosto. Nos últimos dias, o ex-presidente Lula voltou com força total à
cena política. Liberado pelos médicos para participar das campanhas
eleitorais, Lula decidiu comandar a reação às investidas da oposição
para envolvê-lo no processo do mensalão. Inicialmente, ele anunciou que
permaneceria em silêncio e garantiu não dar prioridade alguma às sessões
do Supremo que decidem o destino dos acusados. Mudou de ideia. A
condenação do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) e os recados
emitidos por réus do processo o fizeram adotar uma nova postura. “Ele
até pensou em ficar de fora dessa polêmica. Mas quem aguenta? A gente
insistiu que ele tem sim de ir às ruas e mobilizar as pessoas. Isso é o
que o ex-presidente melhor sabe fazer na vida”, resume o petista Devanir
Ribeiro (SP), compadre de Lula. A primeira providência do ex-presidente
depois que decidiu reagir foi cobrar do PT e de aliados respostas aos
discursos de integrantes da oposição de que ele teve ligações com o
esquema operado pelo publicitário Marcos Valério.
As respostas cobradas vieram rapidamente. Na Câmara, o presidente Marco
Maia (PT-RS) deixou de lado a discrição típica de seu posto. Fez duras
críticas ao ministro Joaquim Barbosa e aos votos a favor da condenação
já proferidos. “Há uma tentativa de afirmar uma coisa que não condiz com
a verdade”, disse. Minutos depois, uma fila de petistas se formava no
plenário para criticar o Supremo e insinuar que o julgamento estava
“combinado” com a imprensa. “É um atentado à democracia”, acusou André
Vargas (PT-PR), secretário de comunicação do partido. Também atendendo
Lula, a direção nacional do PT divulgou um documento oficial chamando os
petistas para se mobilizar. No dia seguinte, outra nota assinada por
cinco partidos aliados seguiu o mesmo discurso. No texto, os partidos
governistas alegam que a oposição tenta golpear o ex-presidente Lula
como aconteceu com Getúlio Vargas e João Goulart, sem levar em conta que
a comparação é prejudicada pelo fato de que Lula não está mais no
governo. “O que querem agora é barrar e reverter o processo de mudanças
iniciado por Lula, que colocou o Brasil na rota do desenvolvimento com
distribuição de renda”, diz a nota assinada pelos presidentes do PT,
PDT, PMDB, PCdoB, PSB e PRB.
As suspeições não alteraram o comportamento de Joaquim Barbosa. Nos
seus votos da última semana, o ministro-relator deixou claro que a
lógica do julgamento não mudará, independentemente das pressões
externas. Barbosa confirmou que houve compra de votos pelo governo Lula e
atestou a culpa dos políticos acusados de receber propina em troca de
apoio no Congresso. O relator concluiu seu voto com a condenação de 12
réus por terem se beneficiado do esquema. Barbosa declarou que líderes
de quatro partidos – PP, PR, PTB e PMDB – venderam a lealdade ao governo
Lula por milhões de reais. Em sua avaliação, o governo montou sua base
de apoio no Congresso à custa do valerioduto. O próprio revisor,
ministro Ricardo Lewandowski, também condenou o ex-deputado Pedro
Corrêa, do PP, por corrupção passiva, apesar de tê-lo absolvido do crime
de lavagem de dinheiro.
O desgaste que essas decisões do STF vêm causando na campanha eleitoral
em curso também explica o tom ácido dos partidos da base aliada.
Candidatos petistas em várias capitais passaram a revelar um desempenho
pior nas pesquisas de intenção de voto, o que muitos interpretaram como
decorrência da exposição de líderes partidários no julgamento do
mensalão. Mesmo assim, o plano de reação do PT aposta no efeito positivo
que tem sobre o jogo de poder a disseminação da ideia de que Lula ainda
pode ser candidato ao Planalto em 2014. A estratégia foi discutida em
reuniões da cúpula petista ao longo da semana. Agora, o combinado é
dizer que Lula pode, sim, participar novamente da disputa presidencial.
Mais do que a vontade do próprio Lula, o discurso em torno de uma
possível candidatura expressa uma tentativa de fortalecer a liderança do
ex-presidente e inibir o crescimento de outras candidaturas na base
aliada ao governo, como a do governador de Pernambuco, Eduardo Campos
(PSB). Um dirigente nacional do PT avalia que a estratégia pode “salvar”
o partido de um fiasco nas urnas, no mês que vem.
A estratégia petista também insistirá em caracterizar as condenações
do STF como resultado de um julgamento político, destinado a atingir o
ex-presidente. “Lula tem uma liderança incomparável e ele sabe disso.
Nenhum partido tem líder com o poder de mobilização que ele mantém. Isso
faz toda a diferença”, avalia o deputado federal petista Paulo Teixeira
(SP). A estratégia de espalhar a tese de um retorno ao poder ficou
evidente no início do mês, durante o comício de apoio a Patrus Ananias,
que disputa a Prefeitura de Belo Horizonte. Antes de subir ao palanque, o
ex-presidente disse aos aliados que estava de volta à política. E
sorriu diversas vezes quando o chamavam de futuro presidente. Lula tenta
refazer o clima de sua campanha de reeleição, em 2005, quando, posto em
xeque pelo escândalo do mensalão, fez discursos duros e o uso do poder
de mobilização das massas. Minutos antes de embarcar para o México na
quinta-feira 20, o ex-presidente pediu aos assessores que acompanhassem
todo esse processo atenciosamente, numa referência ao julgamento do
mensalão transmitido ao vivo pela tevê. Seu interesse é mais uma prova
de que está disposto a atacar os obstáculos no seu caminho e no do PT.
No partido, o consenso é de que Joaquim Barbosa é o maior desses
obstáculos.
Fotos: Victor R. Caivano/AP Photo; José Cruz/ABr; Adriano Machado/AG. ISTOÉ
Foto: Fellipe Sampaio/sco/stf
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