Fausto Macedo e Felipe Recondo, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO/ BRASÍLIA - Quarenta e quatro anos depois que o
regime de exceção o capturou e ele foi obrigado a deixar o País, José
Dirceu de Oliveira e Silva está na iminência de ser condenado e corre o
risco de voltar à prisão, agora na vigência de democracia, onde
instituições como o Supremo Tribunal Federal funcionam sem a tutela do
governo.
Dida Sampaio/AE
Um dos principais réus do mensalão, Dirceu defende que é inocente
Aos 66 anos, Dirceu está no banco dos réus. Não é mais Carlos Henrique Gouveia de Mello, nome que adotou na clandestinidade, e a articulação que lhe atribuem agora é outra, a de mentor do mensalão, maior escândalo do governo Lula.
Nos autos da ação penal 470, é acusado de formação de quadrilha e corrupção ativa. Seu julgamento deve ter início na quarta-feira, com o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa.
Entrevistas o ex-ministro não tem dado. Vez ou outra tem uma conversa informal com jornalistas. Experimenta noites de angústia o mineiro de Passa Quatro, onde estudou em colégio de padres franceses nos anos 1950, e que, em 2003, se tornou o ministro mais poderoso do governo petista, no comando da Casa Civil.
Ministros. Com interlocutores de Dirceu é possível constatar que certeza ele tem da condenação - até já ligou para o ex-presidente e trataram do julgamento. Reservadamente, tem comentado sobre o ministro Dias Toffoli, que advogou para o PT e não se deu por impedido. "É questão da consciência dele."
Melancólico, mantém o mesmo perfil contestador. "Não há precedentes no Supremo (da suspeição). Senão, o Gilmar Mendes tinha que se declarar impedido em uns dez casos graves que ele votou no governo Fernando Henrique. Nenhum juiz no STF se declarou impedido por qualquer tipo de relação que teve."
Dez ministros da Corte máxima examinam os termos da denúncia da Procuradoria-Geral da República. "Está suficientemente demonstrado que José Dirceu seria o mentor, o chefe incontestável do grupo, a pessoa a quem todos os demais prestavam deferência", cravou Barbosa, na ocasião em que votou pelo recebimento da denúncia.
Após quase 30 sessões, o Supremo já condenou muitos mensaleiros, até o delator da trama, Roberto Jefferson, deputado cassado, como Dirceu. Agora, chegou a vez do ex-ministro - e de José Genoino e Delúbio Soares que exerciam a presidência e a tesouraria do PT.
A expectativa é que seja condenado por corrupção ativa - a pena de reclusão vai de 2 a 12 anos, acrescida de um terço "se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional".
Mas os votos das ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber abrem uma brecha para que ele seja absolvido do crime de quadrilha - pena de um a três anos.
Difícil saber se ele será condenado a mais de oito anos, o que implicaria regime fechado. O relator tem dito que alguns ministros começam a fazer cálculos para que as penas sejam mais baixas.
O advogado José Luís Oliveira Lima, defensor de Dirceu, entregou memoriais e fez sustentação oral. Categórico, o criminalista de tanto prestígio rechaça o libelo do procurador. "Não há uma só prova de que José Dirceu participou de compra de votos."
Do Supremo ele fala com deferência. Por aí, ora no condomínio fechado de Vinhedo, interior paulista, ora na companhia de antigos militantes, pondera. "Os jornais têm todo o direito de ter posição sobre o processo e pedir até condenação, mas eu tenho o direito também de falar que eles (jornais) estão fazendo isso. Não me queixo da imprensa, se quisesse dava entrevista toda semana."
Acredita que não está isolado. Outro dia, gabou-se. "Eu tenho apoio. Desde o dia que eu fui cassado nunca fui a um Estado sem ser recebido por governador, inclusive da oposição, prefeito, Assembleia. Porque mensalão não é visto como Zé Dirceu."
A quem o aborda sobre a compra de votos no Congresso, mantém a toada. "Não houve mensalão. Eu fui acusado de chefiar uma organização criminosa, o que não é verdade. Eu nunca conversei com Delúbio Soares, com Genoino, com Silvio Pereira, com Marcos Valério sobre isso. Eu nunca conversei sobre finanças. Eu fui ser ministro, eu saí dia 23 de novembro e deixei a presidência do PT."
Enquanto aguarda sua hora, a rotina de Dirceu tem sido protestar contra a acusação que o desconforta. "Não tem ninguém que fala ‘Zé Dirceu me telefonou.’" Em desabafo recente, a indignação: "Eu tive sigilo bancário, telefônico e fiscal quebrado. Passei dois anos sob devassa da Receita. Recebi atestado de idoneidade da Receita. Eu vivi de salário a vida toda. Passou dois meses o Ministério Público entrou com uma ação contra mim por enriquecimento ilícito, agora arquivada no STJ. Como é que pode um País assim, gente? Tem que provar que eu era chefe de quadrilha, provar que eu fiz corrupção, que eu autorizei, eu dei dinheiro. Isso não existe, nem fiz, nem está nos autos."
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