A cerca de 1.200 metros do chão de Resende, no sul fluminense, Gabrielle Catibe da Silva, 22 anos, faz o sinal da cruz, enquanto Lailla Grazielle Bernardo Surcin, 24, ora em silêncio no banco traseiro de uma aeronave amarela com capacidade para seis passageiros. O ritual se completa quando as duas dão as mãos e abrem a roda para Sabrina de Jesus almeida, 25, encolhida ao lado do piloto. Em ritmo de coreografia, as três enfermeiras do Exército conferem se os brincos estão escondidos atrás das toucas, fecham os capacetes e desejam, umas às outras, um bom salto.
Elas pulam do avião em sequência, com o mesmo objetivo: chegar ao solo e atingir “a mosca”, o equivalente a uma moeda de cinco centavos localizada no centro de um grande colchão de ar. É verdade que ainda falta um bocado para as PQDs acertarem o alvo, mas a cada dia de esforço – e reza forte – elas aterrissam mais perto. O sonho (alto...) é que em julho, quando acontecem os Jogos Mundiais Militares no Rio, a primeira seleção feminina brasileira de paraquedismo não faça figuração. Elas querem lutar por uma medalha nessa prova de precisão e também na de formação em queda livre. Um bronze já é bem-vindo.
Assim também espera o vice-almirante Bernardo Gambôa, presidente da Comissão Desportivo Militar do Brasil. Quando o Rio ganhou o direito de sediar o evento – visto como uma espécie de ensaio para a Copa e as Olimpíadas, já que a cidade receberá cerca de seis mil atletas de 110 países –, o oficial determinou que as 20 modalidades incluídas na competição deveriam ter times masculinos e femininos. Ordem quase cumprida: só no basquete e no boxe não há mulheres em jogo.
- O Conselho Internacional de Esporte Militar tem dado muita ênfase à participação da mulher – explica Gambôa, lembrando que nos Jogos de 2007, na Índia, elas representaram o Brasil apenas no tiro e na natação – Temos esperança de medalhas, inclusive com as dedicadas meninas do paraquedismo.
As sete paraquedistas da seleçâo militar têm uma baita fome de saltar. Numa quinta-feira de sol no Aeroporto Municipal de Resende, principal área de treinamento da equipe e um dos locais de competição, no fim do expediente que começou às 8h, as incansáveis reservas Gabrielle, Lailla e Sabrina fizeram de tudo para convencer o major Luiz Eduardo Affonso, chefe da equipe, a pegar o avião pela nona vez no dia. Conseguiram. Satisfeitas, anotaram mais um salto no caderninho e ganharam um tantinho extra de esperança de entrar para o elenco principal.
— Ser paraquedista era um sonho, só não imaginava que se transformaria em profissão — conta Sabrina, que, em seu décimo salto, passou certo aperto ao ter que abrir o paraquedas reserva.
— Tenho medo, mas ele sempre vai ter que existir. Sem medo, perde-se a cautela e põe-se a vida em risco.
Sabrina é mãe de uma menina de 9 anos, Milena, que fica na casa dos pais da paraquedista, em Nova Friburgo, quando ela está em missão, ou seja, mais de 20 dias por mês. Este é o tempo médio que as meninas passam fora, em treinamento, seja em Resende, em Goiânia (onde há um túnel de vento) ou no deserto do Arizona, nos EUA.
Em esquema familiar parecido vivem Esther Varjão, 24, e Beatriz Figueiredo Ohno, 38, duas das titulares da equipe que também têm filhos. Os seus descendentes, aliás, veem nas mães verdadeiras super-heroínas.
— Meu guri, Gabriel Bernardo, tem 8 anos e vai a todas as competições. No dia seguinte, ele leva as medalhas para a escola e conta como a mamãe voou — orgulha-se Esther, enfermeira do Exército que, em 2008, formou-se na Escola de Saúde com Gabrielle, Lailla e Juliana Rodrigues, outra titular.
Beatriz não fica atrás na corujice com os seus: Alexandre, 15, e Helena, 9.
— O Alexandre acabou de se formar paraquedista, quase morri do coração. Com o filho dos outros é lindo, mas com o seu... — teme.
Ela foi a única que entrou na equipe como reforço “civil”. Formanda em Educação Física, começou a saltar em 2004. A boa fama que conquistou em Boituva, reduto de paraquedistas no interior de São Paulo, chamou a atenção do major Affonso. Para vestir a farda e os lendários coturnos marrons, porém, precisou ingressar no Exército — e fez três semanas de curso intensivo ao lado de outros atletas, como a nadadora Joana Maranhão e o judoca Flávio Canto, que também estarão em equipes dos Jogos.
— Abrimos prova seletiva em julho de 2009, após recebermos a incumbência de criar o time feminino. Testamos, então, mulheres de Exército, Aeronáutica, Marinha, Policia Militar e Corpo de Bombeiros, e ainda faltava uma para completar a equipe — lembra Affonso. — Convocar jogadoras de vôlei é fácil, mas paraquedistas... Onde encontrar peças de reposição caso alguém sofra uma contusão? Há pouquíssimas mulheres praticantes profissionais no Brasil.
Os números não deixam mentir. Segundo o perfil do paraquedista traçado ano passado em pesquisa com os 2.694 atletas cadastrados na Confederação Brasileira de Paraquedismo, apenas 8,5% são do sexo feminino. Diante da falta de instrutoras de nível avançado por aqui, a chefia não poupou esforços, nem dinheiro, e convidou a americana Eliana Rodriguez, da equipe Arizona Airspeed, para orientar as pequedês. Em novembro passado, ela passou duas semanas hospedada no alojamento da Academia Militar das Agulhas Negras em Resende. E gostou do que viu.
— Elas têm uma preparação física e mental fora do comum — atesta.
A força psicológica do time, à prova a cada dia, anda surpreendendo André Ferraz, o técnico oficial:
— É a primeira vez que trabalho com militares e estou impressionado com o comprometimento. A resposta a uma nova situação ou técnica é sempre positiva. A preparação mental leva a um resultado fora da média no âmbito esportivo — analisa o paraquedista, especializado em psicologia do esporte.
Um ano depois de treinar a equipe, e conferir sua evolução, o suboficial da Marinha Noel Carlos, que desempenha o estratégico papel de cameraman na chamada Formação em Queda Livre (FQL), acha graça ao lembrar que, quan¬do chegou, teve de ensinar o bê-á-bá às então calouras. Afinal, de que adiantaria a disciplina militar sem a técnica?
— Elas nem sabiam o que era salto livre — conta Noel, instrutor de paraquedismo de civis nos fins de semana.
— Como é a primeira vez que trabalho só com mulheres, estou vivendo um mundo novo: tudo é diferente, a cabeça, as ideias. O mais grave é descobrir que a TPM de todas surge ao mesmo tempo. E preciso muito amor ao paraquedismo.
Piadinhas à parte, ele precisa de con¬centração em sua função. Com a câmera ligada no capacete, Noel é o primeiro a saltar do avião, a três mil metros de altura, instantes antes de as quatro titulares da modalidade FQL entrarem em ação. No ar, o “marinheiro”, como é carinhosamente chamado por elas, registra o desempenho das paraquedistas que precisam fazer, em 35 segundos, séries da combinação de quatro figuras preestabelecidas. A gravação é um ritual importante e indispensável: em dias de competição, é através do vídeo que o juiz avalia a performance de uma equipe.
— Nossa média está em 16 pontos. Até o início dos Jogos, vamos saltar, saltar e saltar para chegar a 20 pontos, já que a média da equipe da França, top de linha, é de 25 pontos — contabiliza Noel.
“Saltar, saltar, saltar” soa como música aos ouvidos da quarta titular do FQL, Cássia Bahiense Neves, 27. O treinamento frenético lhe rendeu um recorde: 500 saltos completados em dezembro, dias antes de o time entrar em recesso de fim de ano. Carioca do Flamengo, Cássia é a única da equipe a usar uma aliança na mão esquerda.
— Meu marido era oficial da Marinha e agora trabalha na Agência Nacional do Petróleo, ou seja, também passa dias fora de casa. Por isso, nunca brigamos — comemora ela. — Mas quando estou em casa é aquela coisa: tem que lavar, passar, fazer comida...
O papo matrimonial leva a outro. Lailla diz que está “recém-casada com o paraquedismo”. A enfermeira era noiva de um vizinho de Sulacape há um ano, depois de seis de namoro. Tudo leva a crer que ele não aguentou a pressão militar.
— Como viajamos muito, o relacionamento começou a entrar em conflito. Dá para entender. O efetivo maior é masculino, treinamos lado a lado com os meninos do paraquedismo e é natural rolar ciúme. O lado bom é que fico mais focada na missão — pondera a moça, que entre as reservas é a que tem mais chances de ser a quinta titular da equipe do salto de precisão (o da moedinha).
E LailIa parece mesmo determinada. Técnica em enfermagem formada no Hospital Adventista Silvestre, ela foi a única mulher em meio a 200 homens no curso básico oferecido pela Brigada de Infantaria Paraquedista:
— Fiz flexões, abdominais, cangurus... Uma mulher em meio a 200 homens está sempre no foco, paga por tudo. Foi bem árduo. Quando eu era adolescente, não tinha ideia da função da mulher no Exército, muito menos que podíamos ser paraquedistas combatentes,
A presença feminina começou a fazer parte da realidade das Forças Armadas em 1980. A iniciativa foi do então pre¬sidente, João Figueiredo, que sancionou uma lei criando o Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha. Ao longo da década, Aeronáutica e Exército foram abrindo as portas a elas. As primeiras militares brasileiras da Marinha, vale ressaltar, usavam fardas brancas elegantíssimas, desenhadas pelo estilista Guilherme Guimarães.
Trinta anos depois, não há tanto glamour. Na Vila Militar de Deodoro, onde a equipe feminina de paraquedismo dá expediente quando não está em missão, elas usam uniformes camuflados e botas. Na festa de abertura dos Jogos Mundiais Militares, no Engenhão, vestirão os mesmos macacões azuis e tênis pretos dos treinos. Nas competições, no entanto, ninguém deve reparar muito nos figurinos: todas as atenções prometem estar voltadas para os paraquedas com tecnologia de ponta, encomendados do Arizona — por R$ 20 mil, cada —, nas cores da bandeira nacional,
— Investimos muito na Seleção — empolga-se o major Affonso. — Com a experiência que temos de mais de 30 anos de paraquedismo, sabemos que, para formar um atleta de ponta, são necessários ao menos cinco anos de treino. Com elas, estamos conseguindo praticamente um milagre: cinco anos em um
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PÁTRIA
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Muito Bom Trabalho!
ResponderExcluirjá era em tempo termos uma representação.
MEU ALVO em 2011 é realizar meu primeiro salto, infelizmente, ainda sou civil...
Mas pau na carcaça pra arrancar medalhas meninas!!!!!
pow quero me tornar um pqd
ResponderExcluirmais tenhoo um poblema de saude sera que eu passo no teste fisico