Porto Príncipe, Haiti - O slogan dos militares brasileiros que atuam no Haiti é: “Nós provemos segurança para a reconstrução”. Com efeito, a presença maciça de tropas em Porto Príncipe a tornou uma das capitais mais pacatas da América Latina. Por outro lado, a instabilidade política impede que a sonhada estabilidade se concretize, e, como consequência, atravanca a reconstrução. Hoje mesmo são esperadas novas manifestações contrárias ao resultado da recontagem de votos da eleição presidencial no país, como ocorreu em dezembro após o primeiro turno. O comandante das tropas militares da missão de pacificação da Organização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), general Luiz Guilherme Paul Cruz, falou sobre isso com a Gazeta do Povo, em seu escritório em Porto Príncipe.
Que providências foram tomadas para evitar mais violência relacionada às eleições?
Somos encarregados de manter a estabilidade e a segurança no país. É claro que temos um planejamento e providências para toda ordem de manifestações, mas temos completo discernimento sobre o que é uma manifestação política e o que é um ato de violência que poderá trazer consequências indesejáveis. Por exemplo: você pode até queimar um pneu na rua, mas não pode explodir um posto de gasolina. É preciso ter uma perspectiva correta do que é um ato de maior violência contra as Nações Unidas, ou contra o próprio país, e o que são manifestações de desagrado com o processo político.
O senhor citou a hostilidade que as tropas enfrentam. Os militares brasileiros têm maior facilidade de atuar, dada a paixão dos haitianos pelo Brasil?
Sim. O Brasil é muito querido aqui, e isso facilita, e muito, o trabalho das tropas brasileiras quando saem pelas ruas. Não se pode esperar que alguém goste de uma tropa estrangeira em seu país. Mas as instruções que são dadas a nossos soldados, a forma como eles têm se portado, a contribuição que têm dado ao país tem sido muito grande, e as pessoas entendem que milhares foram salvos. Milhões de quilos de alimentos, barracas, medicamentos... e não estou errado em dizer milhões: foram mais de 10 toneladas de material que o Brasil mandou para cá para o atendimento à crise do terremoto, e nossos soldados participaram da distribuição, foram às ruas entregar. Isso traz uma aceitação. Além disso, todo soldado é treinado para dialogar com as pessoas, entender quais são os problemas... não há a intenção de se chegar impondo tudo. Há muita troca de conhecimento entre a tropa e a população.
Em que estágio está o treinamento da polícia haitiana pelas tropas da ONU?
Tem melhorado muito. A polícia nacional do Haiti tem apenas 15 anos, é muito recente. E foi reconstruída a partir de 2004. A polícia da ONU veio junto com a missão e uma de suas atribuições é treinar os haitianos. Tem melhorado muito a qualidade da polícia, e, como consequência, o respeito da população com a polícia. É claro que ainda há muito a fazer. O efetivo está em 8.500 pessoas, e deve chegar a 14 mil.
O contingente militar brasileiro deve mudar neste ano?
Trabalhamos com o desencadeamento dos eventos. Temos ainda o segundo turno da eleição, a passagem do poder para o governo legítimo... Quando ele assumir, teremos uma avaliação se as tropas devem ou não diminuir. É natural que, se você tem um governo legítimo aceito pela população, com projetos em estágio avançado de implantação, há que se esperar mais estabilidade, e pode-se propor a diminuição das tropas, que seria o natural, a partir do fim de 2011. Mas, se não houver melhoria das condições, seguiremos o que for decidido na renovação do mandato da Minustah, em outubro, pelo Conselho de Segurança da ONU.
Com a maior estabilidade e muita necessidade por reconstrução, existe a previsão de se ampliar as tropas de engenharia do Exército?
Não. Mas, se houver redução de tropa, será reduzida primeiro a infantaria, e não a engenharia, que ajuda em diversos trabalhos de reconstrução do Haiti. Aqui aconteceu de tudo. Furacões, terremotos, enchentes, doenças, e estávamos presentes em todos. E eu posso afirmar pessoalmente para todas as famílias auxiliadas: “Foram nossos soldados que salvaram a sua filha, a sua mãe”. As pessoas humildes sabem disso. Agora, existe todo tipo de complicadores. As pessoas criticam a lenta retirada dos escombros, mas enfrentamos barreiras relacionadas até mesmo à propriedade do material. Você começa a recolher e alguém chega dizendo: “Ei! Esse ferro é meu”. É complicado.
Eleição
Segundo turno é adiado
O segundo turno das eleições presidencial e legislativa, previsto para ontem no Haiti foi adiado, informou o Conselho Eleitoral Provisório (CEP). “O dia 16 de janeiro constava do planejamento do calendário eleitoral. No entanto, como os resultados definitivos do primeiro turno ainda não foram proclamados, a data não será respeitada.”, declarou o diretor-geral do CEP, Pierre-Louis Opont. O anúncio, em dezembro, dos resultados preliminares do primeiro turno foi motivo de violentas manifestações dos partidários do candidato Michel Martelly, que denunciaram fraude em massa em favor do candidato governista Jude Célestin, que terminou em segundo lugar. A ex-primeira-dama Mirlande Manigat ficou em primeiro, com 31% dos votos. Martelly foi o terceiro colocado, com 7 mil votos a menos do que Célestin.
Um grupo de 12 candidatos à Presidência exigiu a anulação do pleito de 28 de novembro. Para tentar acalmar os ânimos, o atual presidente do país, René Préval, chegou a convocar a missão da Organização de Estados Americanos (OEA) para avaliar o questionado processo eleitoral, mas o governo ainda não divulgou o resultado dessa análise.
A missão da OEA, segundo foi apurado, teria recomendado em seu diagnóstico que o candidato do governo, Jude Célestin, que ficou em segundo lugar, de acordo com a apuração oficial, se retire da disputa em benefício do cantor Michel Martelly.
“Baby Doc”
O ex-presidente haitiano Jean-Claude Duvalier (1971-1986), derrubado do poder por uma revolta popular, viajou ontem para o Haiti. Com 59 anos, o ex-ditador, cujo apelido é “Baby Doc”, vive em exílio na França há 25 anos.
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