Deputados e ex-parlamentares condenados pelo
STF transferem imóveis e empresas a parentes e amigos para tentar
driblar a Justiça e não ter que devolver o dinheiro público desviado no
esquema do mensalão
Izabelle Torres
Os ministros do Supremo Tribunal Federal já concluíram que sete
políticos cometeram crime de lavagem de dinheiro para se beneficiar de
recursos que circularam no esquema do mensalão. Numa tentativa inusual
de tentar reaver o dinheiro, a Corte decidiu incluir o ressarcimento dos
cofres públicos entre as penas imputadas aos 21condenados por esse
delito na ação penal 470. Dessa forma, quem lucrou com o esquema terá de
devolver à União as quantias milionárias desviadas. Os condenados
poderão inclusive perder seus bens. No entanto, recuperar esse dinheiro
não será fácil. Pesquisa realizada pela reportagem de ISTOÉ mostra que,
enquanto as investigações sobre o mensalão avançavam, acusados do crime
de lavagem trataram de camuflar o próprio patrimônio. O aparente
“empobrecimento” é uma tentativa de livrar os bens de bloqueios
judiciais e dos confiscos. Para reconstituir as manobras usadas pelos
deputados mensaleiros para proteger imóveis e empresas, ISTOÉ cruzou
dados das declarações de Imposto de Renda dos acusados desse
crime, pesquisou informações de cartórios e obteve escrituras e
certidões que compõem a íntegra da ação em análise pela Corte. Os
documentos mostram que, nos últimos sete anos, pelo menos quatro dos
condenados doaram imóveis a familiares ou transferiram propriedades e
cotas de empresas para terceiros.
A estratégia de transferir a propriedade de bens para impedir que
sejam usados para ressarcir o dinheiro desviado segue o modelo de
conduta do empresário Marcos Valério, condenado a 40 anos de prisão e
multa de R$ 2 milhões. Mesmo com o patrimônio bloqueado pela Justiça,
ele continuou comprando carros e imóveis em nome da filha de 21 anos
para driblar a lei. O Ministério Público Federal chamou a atenção do
Supremo sobre os riscos de ele movimentar recursos, mas não deu a devida
atenção aos parlamentares envolvidos na denúncia. De acordo com um dos
ministros, as transferências de propriedades feitas por alguns dos
condenados poderiam ter sido evitadas com bloqueios preventivos. Para o
especialista em lavagem de dinheiro e professor da PUC-RJ Breno
Melaragno, apesar da possibilidade de rastrear o patrimônio transferido
para familiares, essas manobras dificultam o processo de ressarcimento,
uma vez que torna mais difícil comprovar que o dinheiro “lavado” foi
usado para aumentar o patrimônio do condenado. “A pena prevê a
comprovação de que os valores transferidos eram fruto dos recursos
originários do crime. É isso que torna difícil a execução de penalidades
que incluam o confisco de bens. Em casos em que o condenado fez
transferências de propriedades no curso das investigações, esse
rastreamento fica ainda mais complexo e lento”, avalia.
Essa dificuldade ajuda mensaleiros dispostos a movimentar milhões
para proteger suas fortunas da Justiça. O deputado Valdemar Costa Neto
(PR-SP), por exemplo, reduziu o patrimônio de forma considerável. A
declaração de bens apresentada à Receita antes das investigações em nada
lembra a lista patrimonial do parlamentar este ano. Valdemar era dono
de duas mineradoras, cinco imóveis e outros bens que somavam
oficialmente R$ 5 milhões. O deputado, que recebeu R$ 8,8 milhões das
empresas de Marcos Valério, se desfez da maioria das propriedades. Em
dezembro de 2008, transferiu um apartamento para a ex-mulher e doou o
imóvel onde mora para os filhos, fazendo uma ressalva de usufruto
vitalício em seu nome. O parlamentar também deixou a participação em
empresas e colocou gente de confiança em seu lugar. Quando o STF
concluir o julgamento e determinar as penas do deputado, encontrará em
seu nome apenas uma casa, um túmulo no cemitério e um sítio. Em sua
defesa, Costa Neto afirma que seus bens não são produto dos crimes pelos
quais foi condenado. A maioria dos ministros considerou que o ex-líder
do PL (atual PR) na Câmara cometeu os crimes de lavagem de dinheiro,
corrupção passiva ou formação de quadrilha.
Longe da política desde 2010, quando foi derrotado na eleição a
deputado estadual em Minas Gerais, o ex-integrante do PTB na Câmara
Romeu Queiroz também tem reduzido ano a ano o milionário patrimônio que
detinha quando o mensalão foi denunciado. Na época, Queiroz tinha oito
fazendas, um haras, pelo menos quatro apartamentos em Belo Horizonte, um
flat em Brasília e outros bens que somavam R$ 3 milhões. Em 2003, abriu
duas empresas de locação de automóveis para prestar serviços a
prefeituras mineiras e, dois anos depois, se tornou consultor. Ao longo
das investigações do processo, passou parte das fazendas para os três
filhos e reduziu as suas cotas nas empresas em benefício da esposa. Com
patrimônio equivalente à metade do que tinha quando o escândalo
estourou, Queiroz não é dono sequer do apartamento onde mora, no bairro
de Lourdes, na capital mineira.
O patrimônio em nome do ex-presidente do PP Pedro Corrêa também foi
dissolvido no decorrer das investigações do mensalão. Em 2004, ele era
proprietário de 18 apartamentos, duas casas, dois flats e duas fazendas.
Atualmente, o pernambucano mantém em seu nome apenas um prédio, cujo
usufruto registrado no cartório do 1º oficio do Recife pertence ao filho
e à nora. Corrêa deixou a política, mas conseguiu eleger a filha Aline
Corrêa deputada federal. No Estado, mantém domínio sobre o PP estadual e
é considerado rico e influente.
A dificuldade para mapear os bens que servirão para ressarcir os
cofres públicos será ainda maior quando chegar a vez de o ex-deputado
Carlos Alberto Rodrigues, o Bispo Rodrigues, prestar contas à Justiça.
Antes detentor de patrimônio cujo valor ultrapassava R$ 19 milhões, o
bispo mantém atualmente apenas 50% de participação acionária na Rádio
Jornal da Cidade e na Divisa Serviços. As ações em outras empresas
desapareceram. Após deixar a Igreja Universal, ele teve de entregar uma
casa luxuosa onde vivia no bairro do Lago Sul, área nobre de Brasília,
para outro pastor. Em seu nome, não há imóveis e o patrimônio declarado
atualmente não ultrapassa R$ 2 milhões. De acordo com a maioria dos
integrantes do STF, o bispo cometeu crimes de lavagem de dinheiro e
corrupção passiva.
O Supremo Tribunal Federal ainda não definiu qual será a quantia a
ser paga pelos condenados que se beneficiaram de recursos do Fundo
Visanet e de empréstimos fraudulentos do Banco Rural. Mas especialistas
destacam a importância da execução das penas impostas para o
fortalecimento da nova Lei de Lavagem de Dinheiro. Segundo o presidente
do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio
Gustavo Rodrigues, as mudanças na legislação ampliaram as ocorrências do
crime e aumentaram as penalidades. “Nosso papel é detectar operações
suspeitas e notificar os órgãos competentes. Foi isso que fizemos nesses
casos. Acho que vale ressaltar que a simples transferência de um bem
não livra ninguém de ter de ressarcir o erário. Cabe à Justiça trabalhar
para fazer valer a lei”, ressalta.
Colaborou Pedro Marcondes de Moura
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