O governo da presidenta Dilma Rousseff é aprovado nas urnas e dá a ela cacife para comandar a maior renovação do partido
Claudio Dantas Sequeira, Izabelle Torres e Josie Jeronimo
APROVAÇÃO
Pela primeira vez, o governo Dilma foi submetido ao escrutínio
público - e o resultado, para ela, não poderia ter sido melhor
O Partido dos Trabalhadores não é mais o mesmo. Uma revolução
silenciosa, cujo signo é o sentimento da mudança, faz nascer novas
lideranças, oblitera velhos caciques e desencadeia a maior transformação
da história da legenda. Basta olhar os resultados das eleições
municipais para entender a dimensão desse processo. Eleito prefeito em
São Paulo, Fernando Haddad, 49 anos, é um dos símbolos da transformação.
Em seu discurso da vitória, Haddad falou em autocrítica, na
reconstrução do partido e agradeceu efusivamente à presidenta Dilma
Rousseff e ao ex-presidente Lula, os principais fiadores de sua
candidatura. No texto, escrito de véspera, fez ainda um chamamento à
intelectualidade, às forças produtivas e aos movimentos sociais, num
claro resgate das raízes partidárias do PT da década de 1980. O teor do
discurso de Haddad resume a diretriz que Dilma estabeleceu em seu
governo: a opção por políticos de perfil técnico, dedicados à boa gestão
e sem os ranços do tradicional fisiologismo partidário.
Nas primeiras tratativas para a montagem de seu gabinete, Haddad
seguiu a cartilha da presidenta e avisou que não se renderá ao “toma lá
dá cá”. A referência ao modo de governar de Dilma ganha cada vez mais
espaço dentro do PT, serviu de slogan para centenas de candidaturas e
passou pelo primeiro grande teste nas urnas. O resultado foi a maior
votação de um partido em eleições municipais, com mais de 17,2 milhões
de votos em todo o País. Foram 635 prefeitos eleitos, o que significou
um crescimento de 14% no número de municípios nas mãos do PT. Dilma foi
uma das grandes vitoriosas da eleição. Seu governo, pela primeira vez,
foi submetido ao escrutínio público – e os resultados, para ela, não
poderiam ter sido melhores.
PARCERIA
Com a eleição de Haddad, o ex-presidente Lula reafirma seu poder na
legenda e, de olho em 2014, investe em um novo desenho para a cúpula petista
Esse partido que saiu das urnas revela o sucesso de uma estratégia
que começou a ser traçada pelo ex-presidente Lula na eleição de Dilma em
2010. Consciente dos efeitos negativos do julgamento do mensalão, com a
condenação de lideranças tradicionais como José Dirceu, João Paulo
Cunha, José Genoino e Delúbio Soares, o ex-presidente vem trabalhando
obsessivamente para mostrar que o partido está disposto a reescrever sua
história. Numa reunião com a coordenação de campanha de Haddad, uma
semana antes do segundo turno, Lula ressaltou que a vitória do
ex-ministro da Educação em São Paulo seria mais um passo fundamental
nessa reformulação. Em uma avaliação interna, o ex-presidente se disse
incomodado com o fortalecimento de legendas à esquerda do espectro
partidário, como o PSB. Segundo ele, o caminho para reconquistar o
espaço ideológico e sanear a imagem pública do PT passa pela renovação
dos quadros da legenda. O cientista político Rafael Cortês, da
consultoria Tendências, avalia que Lula acertou em cheio ao perceber
essa necessidade antes de todos. “Ele está usando seu capital político
para bancar essa transformação”, diz Cortês.
Na terça-feira 30, o presidente do PT, Rui Falcão, se reuniu com a
bancada do partido no Congresso para debater o assunto. Foi informado de
que parte importante da sustentação do PT, como os sindicatos
bancários, de professores e da saúde, está decidida a se alinhar
totalmente à imagem de Dilma e se afastar do grupo de Dirceu. Falcão
percebeu que o partido vem perdendo espaço nos movimentos sindicais,
debandando para a órbita de legendas como o PSol. O impacto da
condenação dos réus petistas, a propósito, foi alvo de uma pesquisa
encomendada pelo PT logo após o fim do segundo turno. A cúpula da sigla
desconfia que a abstenção recorde registrada pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) – mais de 22 milhões não compareceram às urnas – faça
parte de um fenômeno de “desilusão” política e que grande parte desse
exército de desencantados seria de eleitores ou simpatizantes do PT.
Dependendo do resultado da pesquisa, o partido poderá tomar medidas mais
radicais para minimizar o “efeito mensalão” e reconquistar esses votos
antes que eles encontrem outro destino.
No desenho de uma nova cúpula partidária, poucos políticos somam
tantos pontos como a paranaense Gleisi Hoffmann, ministra da Casa Civil.
Braço direito da presidenta Dilma, a ministra conseguiu eleger Gustavo
Fruet (PDT) na capital do Paraná e será candidata ao governo do Estado.
Apesar de estar no partido desde 1989, ela é um dos exemplos mais
emblemáticos da renovação partidária porque sempre esteve em cargos
técnicos, ganhando espaço político a partir da eleição para o Senado, em
2010. Outros dos novos líderes petistas são o ministro Fernando
Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), cotado para o
governo de Minas Gerais em 2014, e o ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, que se credencia como a opção para São Paulo. Também vindo do
movimento estudantil, o ministro tem atraído a simpatia dos políticos
petistas ao abrir o cofre da pasta que comanda para atender a
reivindicações de emendas parlamentares.
Padilha foi o ministro mais solicitado pelos candidatos às
prefeituras no primeiro turno, gravando cerca de 90 vídeos de apoio a
petistas. Nos discursos, prometeu investimentos na área da saúde e
ressaltou a boa vontade da sua gestão com os municípios. Ele tem sido
lembrado pelos defensores da renovação como um nome competitivo para a
disputa pelo governo de São Paulo daqui a dois anos. Assim como Luiz
Marinho, prefeito reeleito de São Bernardo do Campo e considerado o
petista mais próximo de Lula. Os petistas que clamam por renovação na
cúpula da sigla garantem que a rejeição do eleitorado a nomes antigos
fez a ficha cair de vez e, em 2013, o partido sairá do estado de negação
para a fase do enfrentamento do problema.
NOVOS RUMOS
Gleisi Hoffmann (acima), Padilha (abaixo) e Pimentel (última) ganham
espaço no PT e largam na frente como pré-candidatos à disputa para
os governos do Paraná, de São Paulo e de Minas Gerais, em 2014
O novo modelo petista abre espaço para uma geração que até hoje foi
mantida à distância das decisões da cúpula partidária, mas que começa a
reivindicar espaço. O senador Lindbergh Farias (RJ) é lembrado sempre
como o símbolo dessa mudança. Desde que assumiu o mandato, Farias tem
atuado como personagem secundário da bancada de senadores. Agora, depois
de conseguir eleger aliados nas prefeituras, começa a se encaixar na
descrição de novo modelo de liderança petista. Seus planos e os de
setores do partido incluem a candidatura para o governo do Rio de
Janeiro, em 2014. Para chegar lá, terá que negociar espaço com
veteranos, como a deputada federal Benedita da Silva. “Acho que essa
renovação de lideranças e políticos que compõem a legenda é uma
imposição da realidade do eleitorado”, afirma. “O País mudou e os
quadros do PT se ampliaram. Isso deve ser considerado.”
Na quinta-feira 1º, a Executiva Nacional do PT se reuniu para fazer
um balanço e traçar as estratégias para os próximos anos. Nas palavras
do presidente do partido, Rui Falcão, foi dada a largada ao “projeto de
construção e valorização de lideranças”. Falcão disse que ainda será
necessário um tempo maior para analisar o “desfalque” ocorrido este ano,
em consequência do julgamento do mensalão, e avalia que a renovação não
pode prescindir de nomes que ainda são referências. “Aos 33 anos, o PT
pode criar novos quadros, mas deve manter referências nacionais
importantes, como Lula”, disse à ISTOÉ. Não citou Dirceu. Para o
cientista político Gaudêncio Torquato, da USP, Lula continuará se
dedicando nas próximas eleições a essa renovação de quadros, investindo
em perfis mais técnicos, em detrimento de petistas históricos. “A velha
guarda do PT vai ter de aceitar a renovação, porque Lula se respalda nos
votos e é o último líder carismático do Brasil”, diz. Segundo ele, o
ex-presidente tem pressa na assepsia do partido pós-julgamento do
mensalão.
A construção da nova onda petista terá um novo capítulo já em
dezembro, quando a Fundação Perseu Abramo escolherá a nova direção. A
entidade, que funciona como braço intelectual do PT, elabora estudo
cruzando a votação dos candidatos municipais com os nomes dos dirigentes
locais. Aqueles que estão no comando apenas por indicação, sem lastro
nas urnas, deverão ser substituídos pelos campeões de votos. A medida
fatalmente acabará com o reinado de dirigentes veteranos que se apegaram
à burocracia partidária e se afastaram das ruas e dos eleitores. O
estudo da fundação também se dedicará a traçar um perfil dos novos
filiados do PT. Nos últimos dez anos, apesar da saída de algumas
lideranças e até fundadores, a legenda quase dobrou de tamanho, passando
de 828 mil para 1,5 milhão de filiados. Nesse período, a parcela do
Fundo Partidário a que o PT tem direito cresceu de R$ 12,4 milhões para
R$ 31,7 milhões, em consequência da ampliação de representantes no
Congresso. A preocupação em saber quem são esses filiados está
diretamente relacionada à composição do comando partidário.
Em novembro do ano que vem, ocorrem as eleições para a escolha dos
membros do Diretório Nacional e sua Executiva, e dos diretórios
estaduais e municipais. “São os filiados que escolhem quem vai dirigir o
PT”, diz o secretário Nacional de Organização do PT, Paulo Frateschi.
Segundo ele, essa eleição será um marco no processo de renovação da
imagem da legenda. Estão em jogo o futuro imediato do partido e a
elaboração de uma nova agenda para o País. Dentro do partido, a pressão
pela renovação das lideranças só aumenta. Na opinião do senador
Wellington Dias (PI), há uma demanda crescente pela construção de um
novo discurso, por novas bandeiras. “O PT precisa se atualizar”, avalia
Dias. “Nós ainda estamos falando sobre temas da ditadura, mas 50% dos
eleitores são jovens que só conhecem o regime militar pelos livros de
história.” Essa renovação tem alimentado várias batalhas por espaço
dentro do partido, não só nos palanques como dentro do Congresso. O
deputado petista Paulo Teixeira (SP) vem se articulando para viabilizar
sua candidatura à vice-presidência da Câmara dos Deputados. Teixeira foi
líder do partido e é considerado bom articulador. Agora, aproveita a
tendência de mudanças para crescer nas brechas deixadas pelo líder do
governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), desgastado com a cúpula do
Executivo, e por Jilmar Tatto (PT-SP), cuja liderança na bancada petista
tem sido muito criticada.
TRABALHO
Dilma em palanque e o prefeito de São Bernardo do Campo,
Luiz Marinho (abaixo). Governos técnicos para um novo PT
Dentro do PT, porém, há quem resista ao discurso de renovação.
“Haddad não era novo”, alega o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.
Embora não admita oficialmente, o petista ainda nutre o desejo de
voltar a ser candidato ao governo de São Paulo, depois de duas derrotas,
em 2006 e 2010. O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (RS),
também se revela um opositor à ideia de uma grande renovação no PT.
“Houve uma estratégia eleitoral para a disputa de São Paulo e que deu
certo”, diz. “Mas se for ver na base, há manutenção de poder de antigas
lideranças.” Para o deputado Cândido Vaccarezza (SP), ex-líder do PT na
Câmara, a renovação “foi mal entendida”. O discurso desses petistas,
curiosamente, se aproxima dos de ex-petistas que se tornaram críticos
contumazes do partido. “Acho difícil uma renovação enquanto Lula estiver
lá”, alfineta Hélio Bicudo, fundador do PT e ex-vice-prefeito de São
Paulo. Ele avalia que caciques como José Dirceu, um dos mentores do
projeto de poder do PT, ainda têm ascendência na cúpula da legenda e
continuam articulando nos bastidores para eleger aliados e influenciar
decisões. Se a renovação será para valer, só o tempo dirá.
Foto: Caio
Guatelli/Folhapress; Karime Xavier/Folhapress; Paulo Pinto; Adriano
Machado/ag. istoé; FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/ABR; Luciano
Claudino/Frame/Folhapress; RICARDO TRIDA/DIÁRIO DO GDE ABC/ESTADãO
CONTEÚDO
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