O governo fluminense começou a desarticular as
facções criminosas quando reconheceu o problema, mudou de estratégia e
aceitou ajuda federal
Natália Martino e Wilson Aquino
ASSASSINATOS
O governador paulista enfrenta uma onda de homicídios.
Morrem por noite entre oito e 12 pessoas
Expandir a Operação Saturação, da Polícia Militar, para três novas
áreas da Grande São Paulo foi a tentativa mais recente do governo
estadual para conter a onda de violência que deixou centenas de mortos
na capital nos últimos meses. O trabalho, que começou com a ocupação da
favela Paraisópolis, na zona sul da cidade, conta também, desde a
quarta-feira 7, com ramificações nas favelas Jardim Damasceno, na zona
norte; Santa Inês, na zona leste; e São Rafael, em Guarulhos. Quase 50
pessoas já foram presas e cerca de mil policiais participam da operação,
mas nada disso parece funcionar. As delegacias continuam registrando a
ocorrência de homicídios, entre oito e 12 por noite, na área
metropolitana. “Com a porta já arrombada, o Estado tentou fazer alguma
coisa, mas a Operação Saturação não tem objetivo definido e nem sabe o
que está procurando nesses lugares, é uma continuação dessa política de
segurança pública equivocada que São Paulo tem levado há alguns anos”,
afirma o jurista Walter Maierovitch, presidente do Instituto Brasileiro
Giovanni Falcone (de ciências criminais) e ex-secretário Nacional
Antidrogas. “O Rio de Janeiro passou por isso e só começou a
desarticular o crime organizado quando mudou a abordagem.” Hoje, São
Paulo tem muito a aprender com a experiência fluminense.
PLANO
Com sua política de combate ao crime organizado, o governador
Sérgio Cabral conseguiu sufocar facções criminosas
Um dos pontos fundamentais para a estratégia de desmonte do crime
organizado no Rio ter obtido resultados positivos foi a parceria com o
governo federal. Durante anos, por motivos políticos, os ex-governadores
teimavam em reconhecer o problema e se negavam a pedir ajuda. É uma
postura semelhante à do governo paulista, que, depois de muito relutar,
concordou em definir ações conjuntas com o governo Dilma. Inicialmente, o
secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, negava
qualquer crise e se mostrava irritado diante de comparações com o Rio de
Janeiro. “Aqui a polícia entra em qualquer lugar, aqui não precisa ter
unidade pacificadora, não tem nada para pacificar em São Paulo”, dizia o
secretário, enquanto o Estado registrava média superior a dez
assassinatos por noite. Na terça-feira 6, após um encontro do governador
Geraldo Alckmin com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi
anunciada a criação de uma agência para integrar os esforços de
investigação das polícias estadual e federal e foram discutidas maneiras
de asfixiar financeiramente o crime organizado. Também foi anunciada a
transferência de líderes do PCC para prisões federais. Francisco Antônio
Cesário da Silva, o Piauí, foi o primeiro a receber autorização
judicial para trocar a penitenciária de Avaré (SP) pelo presídio de
segurança máxima de Porto Velho (RO). A mudança ocorreu na quinta-feira
8.
É um pacote de ações tímido, que deve ter pouca repercussão prática.
Afinal, a medida mais concreta, a transferência de presos, não precisava
de acordo com o governo federal para ser efetiva. No Rio, a parceria
com o governador Sérgio Cabral foi mais extensa, teve o uso de tropas
federais e, segundo especialistas, isso foi decisivo para o sucesso da
empreitada. “A utilização dos blindados dos fuzileiros navais, por
exemplo, trouxe uma estrutura que foi capaz de diminuir os riscos das
operações nas comunidades que estavam sendo pacificadas”, afirma Paulo
Storani, sociólogo e ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais
(Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro. A integração foi ampla.
“Vieram recursos para programas de vários tipos, além de empréstimos,
etc. Ou seja, as torneiras federais foram abertas”, diz Gláucio Soares,
sociólogo e especialista em violência do Instituto de Estudos Sociais e
Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj). As
diferentes colorações partidárias não deveriam ser empecilho para União e
Estado juntarem forças contra um inimigo comum.
Na última década, tanto São Paulo quanto o Rio de Janeiro comemoraram
a queda nas taxas de homicídios, mas, para Maierovitch, apenas os
cariocas têm realmente motivos para celebrar. A partir de 2007, sob a
liderança do secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame, o
Rio conseguiu retomar territórios e comunidades antes dominadas pelo
crime organizado e sufocou as movimentações financeiras de grupos como o
Comando Vermelho (CV) e o Terceiro Comando da Capital (TCC) e instalou
as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). “Hoje, se essas organizações
resolvessem entrar em guerra com o Estado, como o PCC está fazendo em
São Paulo, elas não teriam força para isso”, afirma Maierovitch, para
quem a queda na criminalidade paulistana era reflexo de um pacto de
tolerância e não agressão selado durante os ataques do PCC em 2006. O
sociólogo Soares também acredita que o recrudescimento da violência é,
em parte, decorrente da perda de privilégios por parte das lideranças da
facção criminosa nos presídios. “Isso sem falar nos acordos que sempre
existem entre a polícia e o crime organizado, que pelo jeito também
foram quebrados”, disse ele.
O grande erro da atual política de segurança pública, segundo
especialistas, é o excesso de militarização. “A última gestão da
Secretaria de Segurança Pública intensificou investimentos na polícia
militar em detrimento da civil, o que significa a priorização do
policiamento ostensivo em lugar do trabalho de investigação”, diz Camila
Dias, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
(USP). Para a pesquisadora, isso se traduz em aumento dos confrontos e
da letalidade da polícia, que podem ter detonado esse ciclo de
retaliações entre policiais e criminosos. O caminho não é invadir para
reprimir o crime, prender alguns membros da organização criminosa e
depois sair da comunidade e deixar que o mesmo grupo tome conta dela
novamente. É preciso ocupar essas áreas permanentemente, mas não com uma
polícia treinada apenas para o confronto e sim com instituições que
tenham a confiança dos moradores, como as UPPs cariocas. Paralelamente, é
necessário estudar a organização criminosa, sufocar suas atividades
lucrativas e prender os seus líderes. Nada disso se faz sem um grande
trabalho de inteligência policial.
Fotos: Avener Prado/Folhapress; Fernando Souza/Ag. O Dia; NILTON FUKUDA/ESTADÃO; Guto Maia/Frame
Foto: NELSON ANTOINE/ESTADÃO
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