Filhos de brigadeiros são contratados para trabalhar em empresa que mantém negócios milionários com a Força Aérea Brasileira
Claudio Dantas Sequeira
CAMARADAGEM
Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Burnier e seu filho
“Gilbertinho” (da esq. para a dir.): relação próxima com a empresa israelense AEL
Nos últimos meses, a empresa israelense AEL Sistemas, fabricante de
componentes aeronáuticos, passou a contar, em seu quadro de
funcionários, com oficiais da ativa e filhos de integrantes da alta
cúpula da Força Aérea Brasileira. Detalhe: a AEL mantém negócios
milionários com a Aeronáutica, que dispensou a licitação para a
contratação de seus serviços. Conforme apurou ISTOÉ, jovens
recém-formados e sem experiência na área passaram a ocupar cargos
estratégicos na companhia israelense. O caso mais flagrante envolve um
nome de peso, o brigadeiro Gilberto Antonio Saboya Burnier, que foi
secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do
Ministério da Defesa e, até se aposentar em abril, era comandante de
Operações Aéreas da FAB. Burnier é considerado o mentor do programa de
modernização da Força Aérea e braço direito de Juniti Saito, atual
comandante da Aeronáutica. No mesmo mês em que passou para a reserva,
seu filho, que tem o mesmo nome e é apelidado de “Gilbertinho”, foi
contratado pela AEL como “analista de compras” da empresa. O
departamento onde trabalha é responsável pelas aquisições de materiais
de alta tecnologia que acabam empregados nos sistemas de gerenciamento
da frota da FAB. O filho de Burnier formou-se em administração numa
faculdade particular de Brasília há apenas um ano e trabalhava, até
então, em um escritório de arquitetura.
As novas denúncias confirmam reportagem publicada por ISTOÉ no início
do mês, que revelou os benefícios obtidos pela AEL em contratos sem
licitação com a FAB. Isso aconteceu, segundo relatório de inteligência
da Polícia Federal, depois que a companhia admitiu entre seus diretores
um cunhado do comandante Juniti Saito, o coronel reformado Luiz Pondé.
Em nota, a FAB alegou que o militar da reserva foi contratado por sua
experiência no setor – nada a ver, portanto, com o vínculo familiar.
Agora se sabe que Pondé não foi um caso isolado. Levantamento feito pela
reportagem mostra que a AEL, cujo faturamento cresceu 150 vezes entre
2003 e 2011, período que coincide com a gestão Saito, se tornou porto
seguro de interesses particulares do comando da FAB.
O conflito de interesses fica mais evidente pelo fato de o próprio
brigadeiro Burnier ter cargo na empresa. Em março de 2011, quando ainda
estava na ativa, ele ganhou assento no conselho diretor consultivo da
companhia, com poder para opinar nos planos estratégicos. Não se sabe
quais critérios balizaram a escolha dos membros do conselho, mas a ata
da assembléia de acionistas indica ainda a nomeação do general Darke
Figueiredo, que vem a ser assessor especial do senador Fernando Collor
de Mello (PTB-AL). A nomeação de Darke na AEL ocorreu um mês depois de
Collor assumir a presidência da Comissão de Defesa do Senado,
responsável por apreciar projetos de interesse do setor, como subsídios
para a indústria bélica. O documento aprovado na assembleia estabelece
remuneração aos conselheiros e diretores, mas não especifica valores.
No rol de contratações da AEL também está a de Bruno Baptista, 27
anos. Ele é filho do brigadeiro Carlos Baptista Júnior, presidente da
Copac, a comissão da FAB responsável pela concorrência bilionária para a
compra de caças de combate (programa F-X2). Na AEL, Bruno, que estudou
no colégio militar e estagiou no setor comercial de uma emissora de tevê
na capital federal, ganhou um cargo no departamento de marketing. Na
lista de apadrinhados consta também o nome de Gabriel Bermudez, filho de
outro brigadeiro do Alto Comando, Antonio Moretti Bermudez, que foi
chefe da comunicação social da FAB e, em abril, assumiu o Sexto Comando
Aéreo Regional, em Brasília, numa cerimônia repleta de homenagens a
Burnier e Saito. Gabriel concluiu o curso de engenharia elétrica na
Universidade de Brasília em 2008, estagiou na Aneel e trabalhava numa
empreiteira até ganhar o cargo de engenheiro de software na AEL. Em seu
currículo, ele se diz “usuário avançado de internet”, com “grande
experiência” no uso do Windows e do pacote Office. Relata alguns cursos
básicos de programação insuficientes, por definição, para aplicação em
projetos avançados de aviação militar. O filho do brigadeiro atua no
projeto de modernização do avião de transporte C-95 Bandeirante, outro
xodó da dupla Saito-Burnier.
O programa de modernização, que consistiu basicamente na instalação
de um cockpit digital num avião com 40 anos de idade, foi alvo de
críticas dentro da própria FAB. Segundo informações do Portal da
Transparência, a AEL já faturou dos cofres públicos R$ 180 milhões. Em
2003, ela havia conseguido pouco mais de R$ 300 mil em contratos
governamentais. Esse valor saltou para R$ 2,8 milhões no ano seguinte e
chegou a R$ 53,7 milhões em 2011. Até agosto deste ano, já foram R$ 30
milhões. Questionada por ISTOÉ, a AEL preferiu não se manifestar. O
gabinete de Collor informou que Darke estava viajando. A FAB, por sua
vez, disse que “informações relativas a funcionários devem ser prestadas
pela empresa”. Alegou que a participação de militares no conselho
diretor da AEL é importante para “resguardar os interesses estratégicos
dos programas militares ligados à soberania nacional.”
EMPREGO NOVO
Filho de brigadeiro responsável por projeto bilionário, Bruno Baptista
foi contratado pela AEL mesmo sem experiência
Fotos: Bruno Batista; Reprodução
Nenhum comentário:
Postar um comentário