Surdos para os protestos que vêm das ruas,
autoridades fazem viagens particulares com dinheiro público e aviões da
FAB ao custo de R$ 1 milhão
Mário Simas Filho
Foi uma bofetada na cara dos brasileiros a
desfaçatez mostrada pelos presidentes do Senado, da Câmara e do Supremo
Tribunal Federal e pelo ministro da Previdência nas últimas semanas. No
momento em que as ruas eram tomadas por mais de um milhão de pessoas
exigindo decência com o uso do dinheiro público, Renan Calheiros
(PMDB-AL), Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Garibaldi Alves (PMDB-RN)
usaram três aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para voarem, na
companhia de familiares e amigos. Renan foi a uma festa de casamento em
Porto Seguro. Garibaldi e Henrique Alves viajaram ao Rio de Janeiro para
torcerem pelo Brasil na final da Copa das Confederações. No início do
mês, Joaquim Barbosa, o presidente do STF, usou dinheiro do Judiciário
para pagar a passagem de avião ao Rio de Janeiro, para assistir ao
confronto entre Brasil e Inglaterra. Na semana que antecedeu à final da
Copa das Confederações, Renan e Henrique Alves adotaram no Congresso o
discurso da transparência e da austeridade para poder fazer frente aos
gritos que vinham das manifestações em todo o País. O ministro Garibaldi
defendia a rigidez nos gastos públicos e o presidente do STF, Joaquim
Barbosa, pediu mais ética na política. Os quatro, no entanto, deixaram
claro que não entenderam os recados populares e continuam brincando com
fogo.
MORDOMIA
Barbosa, Renan, Henrique Alves e Garibaldi (da esq. à dir.): conforto em
jatos da FAB com capacidade para transportar até 50 pessoas
Oficialmente, a FAB alega razões de segurança para manter em sigilo
os custos do passe livre aéreo. Mas, na sexta-feira 5, um oficial da FAB
em São Paulo afirmou à ISTOÉ que a mordomia custou aproximadamente R$ 1
milhão. “Deslocar do Nordeste para o Rio de Janeiro um avião com
capacidade para 15 ou 20 passageiros custa pelo menos R$ 200 mil. Como
não houve um planejamento antecipado, pelo menos dois desses aviões
foram deslocados de Brasília para o Nordeste apenas para buscar a
autoridade e seus convidados e isso aumenta ainda mais o custo”, disse o
oficial.
Sem esperar no aeroporto, sem fila de check-in e sem problemas com o
tráfego aéreo, o presidente da Câmara, Henrique Alves, embarcou em área
reservada no aeroporto de Natal na noite da sexta-feira 28. Estava
acompanhado de um filho, da noiva, Laurita Arruda, dois filhos e um
irmão dela com esposa, totalizando sete privilegiados passageiros. A
viagem foi confortável, pois dividiram um jato C-99, com capacidade para
transportar até 50 pessoas. No domingo às 23 horas, o grupo deixou o
Rio de Janeiro a bordo do mesmo avião. “Reconheço que errei e vou
ressarcir o valor de cada passagem”, disse o deputado na quarta-feira 3,
depois que a mordomia camuflada se tornou pública. Em seguida,
novamente Henrique Alves debochou dos brasileiros. Devolveu R$ 9,7 mil.
Ou seja, viajou como magnata e pagou como turista de classe econômica em
voo promocional. Não se trata, contudo, apenas de uma questão
financeira. A devolução do valor irrisório não repara o mal dos recursos
públicos no instante em que a sociedade clama por novos costumes
políticos.
TORCIDA
Henrique Alves e a noiva no Maracanã: viagem de primeira
classe com valor de econômica em voo promocional
A farra com os jatos da FAB revela o quanto esses antigos e nefastos
costumes estão enraizados nos políticos e como eles têm o habito de
misturar o público e o privado, sempre em prejuízo do público. No sábado
15 de junho, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros, deixou
Maceió a bordo de um jato C-99 da FAB com destino a Porto Seguro.
Estava acompanhado da mulher e de outras pessoas que a Aeronáutica não
revela os nomes. A missão do senador: participar da festa de casamento
da filha do líder do governo no Senado, Eduardo Braga. Na madrugada do
dia seguinte, Renan retornou com o mesmo avião. Na semana passada, o
senador afirmou considerar absolutamente normal a mordomia. Disse que
como presidente do Legislativo tem direito a usar os aviões da FAB e que
nem mesmo a Força Aérea pode interferir nisso. “Não cabe à FAB
determinar o que as autoridades podem ou não, nós é que temos o que
dizer para a FAB”, afirmou Renan. O decreto 4244, de 2002, disciplina
essa questão e permite o uso dos aviões da FAB pelas autoridades quando
houver “motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço e
em deslocamentos para o local de residência”. Renan não reside em Porto
Seguro, não está sofrendo ameaças nem declarou necessidade médica de
tratar-se à beira-mar. Ele afirma, porém, que estava a serviço na festa
de casamento da filha de Eduardo Braga. Na sexta-feira 5, Renan mudou de
ideia e afirmou que iria devolver R$ 32 mil aos cofres púbicos. Mesmo
assim, é bem provável que os gritos de “Fora Renan” ecoem ainda mais
fortes no gramado diante do Congresso.
Joaquim Barbosa que não perde a chance de alfinetar por razões éticas
ministros, deputados e senadores, também prestigiou a seleção no
Maracanã, mas seu deslocamento foi pago com dinheiro público. Até a
sexta-feira 5, ele não havia feito nenhum comentário a respeito. Já o
ministro da Previdência, Garibaldi Alves, planejava usar um voo de
carreira para chegar ao Rio no domingo 30. Disse até que tinha comprado a
passagem, mas mudou de ideia. Ele estava em Fortaleza e resolveu
solicitar um jato da FAB para voar ao Rio. Embarcou com o amigo Glauber
Gentil em um Learjet 35, que pode transportar até oito passageiros.
Voltou para Brasília em voo de carreira. “Como estava em Fortaleza a
serviço, me achei no direito de o avião voar para onde eu quisesse
ficar”, afirmou o ministro em verdadeiro descompasso com o que se passa
pelas ruas do País. “Já fiz isso outras vezes”, concluiu. Se depender
dos recados que vêem sendo dados pelos brasileiros, é muito provável que
o ministro esteja com a carreira política próximo da aterrissagem.
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