O pregão eletrônico foi criado em dezembro de 2000 para dar maior transparência e proporcionar igualdade de condições nas concorrências públicas. Ele deveria eliminar a corrupção, dando um fim no risco de conluio entre empresas, num jogo de cartas marcadas. Após dez anos, o sistema já movimentou R$ 103 bilhões, mas o propósito inicial de transparência, da isonomia e da lisura está ameaçado. Programas de computadores espiões não autorizados pelo governo, conhecidos como robôs eletrônicos, estão sendo usados para fazer lances automáticos, em fração de segundos, de forma a manter um dos concorrentes sempre com o menor preço e sempre à frente
de seus concorrentes. Quando o pregão acaba, ele, em condição privilegiada, invariavelmente vence a licitação.
O governo federal tem conhecimento do problema. E afirma que vem tentando impedir o uso de robôs, para garantir igualdade de condições entre os participantes da concorrência. No entanto, não vem obtendo sucesso nessa tarefa. Ao mesmo tempo que faz um mea-culpa por não conseguir coibir a artimanha, o Ministério do Planejamento sustenta que a prática não é ilegal e é quase impossível eliminá-la. Posição diametralmente oposta à do Tribunal de Contas da União, que considera o uso dos robôs eletrônicos como uma irregularidade grave, por ferir o princípio da isonomia. O tribunal já exigiu que o governo encontre uma maneira de impedir o uso dos robôs, mas até agora nada.
Depois de perder várias licitações para um robô, um empresário de Brasília resolveu comprar um desses softwares da empresa MAC Control, especializada na comercialização de programas desse tipo. Custou-lhe R$ 5 mil. O empresário (fotografado de costas, à cima) não quer ser reconhecido. Dono de uma empresa de comunicação social, ele descobriu que o programa é capaz de invadir o ambiente virtual do site Comprasnet, do Ministério do Planejamento, e capturar os lances enviados pelas demais empresas. Em milésimos de segundos, o robô faz um lance menor, com a diferença de valor programada. Na prática, ele funciona como uma espécie de interceptador das informações que o próprio Ministério do Planejamento envia para todos os usuários do Comprasnet. Antes mesmo que a mensagem de que um outro concorrente reduziu o preço chegue aos computadores daqueles que não dispõem de um robô eletrônico, o programa reduz o preço ofertado. Muitas vezes, um usuário chega a fazer propostas com valor maior do que a que está em vigor, por conta da diferença de tempo entre seu lance e o lance do robô.
Na conversa com um revendedor do software, o empresário perguntou se seria impossível perder caso utilizasse o programa. “A probabilidade de você ganhar é de mais de 95%”. O empresário então questiona se o programa não poderia ser vendido a um concorrente: “A gente vai fazer um contrato de exclusividade”, respondeu o vendedor, que também defendeu a legalidade dessa prática e ofereceu referências. “A Embratel usa o nosso software há dois anos. Você acha que, se fosse ilegal, a Embratel ia se meter com isso?”. O vendedor, porém, não quis explicar como o programa entra no ambiente do Comprasnet. “Isso é o pulo do gato”, explicou. A conversa foi gravada pelo empresário, que forneceu à ISTOÉ uma cópia dos diálogos.
A Embratel, que pertence ao bilionário mexicano Carlos Slim, nega que utilize robôs em licitações e afirma que não contratou os serviços da MAC Control. Na proposta que faz a seus potenciais clientes, a empresa dona do software especifica a facilidade de informática que oferece: “Envio instantâneo de lances baseados no último menor lance, rápida análise e envio instantâneo de lances vencedores e função para cobrir automaticamente microempresa”. Mais adiante, outra informação preciosa. Durante a vigência do contrato, a MAC Control promete atualizações no software, que estaria “diretamente interligado” ao site Comprasnet. O dono da Control, Pedro Ramos, disse que o uso de robô não seria ilegal, mas assegurou que deixou de usá-lo desde janeiro deste ano, quando teria sido fixado um intervalo mínimo de seis segundos entre as propostas, algo que não está sendo cumprido na prática.
ISTOÉ apurou, nos registros do próprio site oficial do governo, vários casos de usos de robôs nos últimos 12 meses. No pregão realizado pela Agência Nacional de Telecomunicações, em 2 de maio deste ano, a empresa LDC Comunicação fez 10 lances com intervalos médios de um décimo de segundo para a proposta anterior, todos eles com diferença de R$ 30 para menos. Outros dez lances, igualmente supervelozes, tinham variação no deságio. A empresa que perdeu a concorrência, a Clip & Clipping, entrou com recurso, alegando o uso irregular de robô. A LDC sustenta que não usa robôs. Os intervalos reduzidos seriam conseguidos com a utilização de quatro monitores. Mas o dono da LDC, Luís Mendonça, não soube explicar por que os lances rápidos, invariavelmente, têm a mesma diferença de valor para a proposta anterior. O caso está em julgamento na Anatel.
Diante das informações sobre o uso de robôs eletrônicos, o Ministério do Planejamento garantiu que está atento às investidas dessas novas tecnologias. E, quando detectadas, seriam neutralizadas por outras ferramentas, para barrar a vantagem de um dos concorrentes. O problema é que os robôs estão sendo sempre aperfeiçoados. “A gente tenta coibir, mas é difícil”, diz o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Planejamento, Delfino de Souza. “É uma corrida atrás do rabo o tempo todo, mas não há ilegalidade porque (o uso de robôs) não está proibido por lei”, completa o diretor de Serviços do ministério, Carlos Henrique Moreira.
Não é o que entende o Tribunal de Contas da União (TCU). Em julho do ano passado, o tribunal determinou ao Ministério do Planejamento, no prazo de 90 dias, “a promoção da isonomia entre os licitantes do pregão eletrônico, em relação à possível vantagem competitiva que alguns licitantes podem obter ao utilizar dispositivos de envio automático de lances (robôs)”. Em outubro, o Planejamento solicitou ao Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) o desenvolvimento de mecanismos que identificassem a presença de robôs nos pregões. Algumas medidas foram adotadas a partir de janeiro deste ano, mas não resolveram definitivamente o problema. Em 23 de março, o relator do processo no TCU, ministro Valmir Campelo, reafirmou a sua posição em relação ao uso de robôs em pregões eletrônicos. Ele solicitou, então, que os auditores do tribunal fizessem um monitoramento para apurar as providências adotadas pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Planejamento. O monitoramento estava previsto para o segundo semestre deste ano. Diante dos novos fatos, o TCU decidiu realizar o trabalho a partir desta segunda-feira 30.
Carlos Henrique Moreira, o diretor de Logística, diz que não será fácil atender o TCU. “O que eles querem não é trivial. Não temos 100% de certeza do procedimento”, explica. O governo, portanto, ainda não encontrou um antídoto para o ataque tecnológico.
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