ISTOÉ revela os bastidores da fuga que constrangeu o País e provocou a troca de comando no Itamaraty. Como foi a aventura do embaixador brasileiro e do senador boliviano, que saíram da embaixada em La Paz e atravessaram a fronteira
Claudio Dantas Sequeira, Izabelle Torres e Josie JeronimoPROTAGONISTAS
O então chanceler Antonio Patriota, o embaixador Eduardo Saboia e o senador
boliviano Roger Pinto Molina (da esq. para a dir.) envolveram-se na rumorosa fuga
La Paz, sexta-feira 23 de agosto, 15h. O
sol a pino e a baixa umidade reforçam a sensação térmica da primavera
boliviana e embalam a tradicional sesta local. No horário em que boa
parte dos moradores está cochilando, as ruas livres do tráfego servem
como corredor de fuga a dois veículos 4x4 Nissan Patrol, com placas
diplomáticas. A bordo de um deles, o senador boliviano Roger Pinto
Molina confere o relógio e olha para o alto com um leve sorriso de
satisfação. “Foi a primeira vez que pude ver o sol claramente. E de uma
perspectiva diferente”, lembra, em referência aos 454 dias que passou
asilado numa pequena sala da embaixada do Brasil. Durante esse tempo,
Molina jamais teve direito a um salvo-conduto, documento legal que
poderia ter sido fornecido pelo governo boliviano para garantir sua
saída com tranquilidade em direção ao país no qual decidiu se refugiar.
Planejada ao longo de três meses, com o conhecimento de algumas
autoridades do governo brasileiro e uma mal disfarçada tolerância do
governo do presidente Evo Morales, que enviou vários sinais a Brasília
de que não faria oposição à saída de Molina, desde que não pudesse ser
acusado de proteger um inimigo com 22 processos no currículo, a
“operación libertad” foi cercada de uma série de preparativos, inclusive
medidas de proteção pessoal e monitoramento de riscos. No momento em
que se preparava para entrar no automóvel, Molina contou com o auxílio
de um fuzileiro naval, adido militar na embaixada, para vestir o colete à
prova de balas.
Três dias antes de partir, Roger Molina
falou do plano de fuga à sua filha Denise Pinto Bardales, carinhosamente
chamada pelo pai de “Talita”, sugerindo que ela fosse para Brasileia,
no Acre, onde a mãe, Blanca, vive há um ano com as outras duas filhas do
senador, um genro e quatro netos menores de idade. Num gesto revelador
das relações próximas entre autoridades dos dois países, a família
Molina foi abrigada no Brasil pelo governador Tião Viana (PT/AC), seu
amigo. Além de Talita, sabiam da “operación libertad” o embaixador
Marcelo Biato, o conselheiro Manuel Montenegro e o encarregado de
negócios da embaixada Eduardo Saboia, que assumiu a responsabilidade
pela fase final da operação, que era retirar Molina da Bolívia e
levá-lo, são e salvo, para o Brasil. Há pelo menos um mês, a operação
chegou aos ouvidos de políticos, advogados e empresários que partilham
informações e interesses nas relações entre Brasil e Bolívia. Um plano
alternativo chegou a ser elaborado, na verdade, envolvendo uma operação
triangular. Numa primeira etapa, Molina seria levado de avião para o
Peru. Depois, seria conduzido ao Brasil. Ao verificar que o envolvimento
de um país que nada tinha a ver o caso poderia ampliar as complicações
de um plano já complicado, decidiu-se pela viagem de automóvel entre La
Paz e Corumbá.
Escondidos na neblina Na segunda-feira 19,
num gesto que seus superiores no Itamaraty interpretariam como bisonha
tentativa de despistar sua participação na operação, o embaixador Biato
saiu de férias e coube a Saboia organizar todos os detalhes finais e
fazer a viagem. Na quinta-feira 22, dia anterior à fuga, Molina recebeu a
visita de um médico do Senado boliviano, que produziu um laudo
atestando que ele enfrentava problemas de saúde, inclusive depressão.
Substituindo Biato em sua ausência, naquele mesmo dia, Eduardo Saboia
enviou uma cópia do laudo para o Itamaraty e, no mesmo despacho,
observou que a situação pedia uma intervenção sem demora em auxílio do
senador, afirmação vista como uma senha para o início da “operación
libertad.”
Fugitivos de fraldas Pano de fundo daquela
viagem dramática, as relações entre Dilma e Evo Morales atingiram um
momento especial quando ambos se encontraram durante uma viagem à
África. Evo pediu uma “bilateral” à presidenta brasileira e aproveitou o
encontro para denunciar que o senador estava tendo um comportamento
inapropriado, chegando a fazer reuniões políticas. Em seguida, Dilma
determinou ao chanceler Antonio Patriota que verificasse as queixas de
Morales, pedindo ao ministro que se encarregasse pessoalmente de
resolver o caso com as autoridades bolivianas. Quando Patriota lhe
disse que pretendia escolher um responsável para tocar a missão, Dilma
reagiu de forma dura, conforme relatou um assessor palaciano: “Você deve
cuidar de tudo pessoalmente”.
SUSTO NA FRONTEIRA
A polícia boliviana parou a comitiva e solicitou documentos. Atemorizado,
o senador Roger Pinto pensou em sair correndo a pé do carro
TERRITÓRIO INIMIGO
O momento mais difícil e perigoso da fuga ocorreu quando a comitiva passou
por Chapare (foto), região cocaleira dominada por aliados de Evo Morales
O prefeito de Corumbá, Paulo Duarte (PT), foi acionado no início da noite. O primeiro contato partiu do Itamaraty, o segundo de uma autoridade que ele prefere proteger. “Pediram que eu descobrisse se alguém com o nome de Roger Pinto Molina havia entrado em algum hospital da cidade”, relata. Funcionários da Secretaria de Saúde do município foram tirados de casa para fazer a varredura. Como não acharam ninguém, tentaram os hotéis. O Santa Mônica foi a primeira opção. Ao comunicar que havia encontrado Molina, Duarte foi orientado a achar um médico de confiança para examiná-lo. O médico encontrou o senador boliviano com um quadro agudo de desidratação e taquicardia. Ele foi medicado e orientado a repousar.Às 20h, Ferraço desembarcou no aeroporto local. Seguiram-se, então, novos momentos de tensão. Pelo que ficara combinado, era nesse horário que ele deveria resgatar Molina. Não encontrou ninguém e ligou para o senador. Tentou também o diplomata Eduardo Saboia, mas ambos estavam incomunicáveis. “Foram horas de preocupação. Não sabia o que ia acontecer”, afirmou Ferraço. Uma hora depois, um agente da PF chegou ao aeroporto e avisou ao senador que ia buscar Molina. Às 22h, os agentes da PF montaram guarda na recepção do hotel, para impedir movimentos de entrada e saída, ação que ficou registrada nas câmeras de circuito interno de tevê do hotel.
Conselhos do governador No aeroporto,
Saboia e Roger Molina se despediram dos policiais e embarcaram. “Estou
aliviado em estarmos no Brasil. Só estou preocupado com a minha família,
que ficou na Bolívia”, afirmou um emocionado Saboia a Ferraço. A esposa
de Saboia também é diplomata, lotada em Santa Cruz, e estava em casa
com o filho. No trajeto, os dois contaram a Ferraço que o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, havia telefonado para o ministro da
Saúde, Alexandre Padilha, pedindo que um médico credenciado pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) fosse até o hotel atender Molina. Era 1h20 quando o
avião desembarcou em Brasília. O senador boliviano pediu, então, para
que o carro oficial do senador Ferraço o levasse para a casa do advogado
Fernando Tibúrcio, que possui vários contatos com a oposição boliviana.
É amigo, inclusive, do empresário Tito Quiroga, que já foi candidato a
presidente e é adversário de Evo Morales. Um pouco depois, Molina deu um
longo depoimento ao documentarista Dado Galvão, que se aproximou de
integrantes da oposição ao governo Dilma durante a patrulha petista
contra a dissidente cubana Yoani Sánchez.
Fotos: André Ribeiro; Marcos Boaventura/Folhapress; Paulo Yuji Takarada; Joel Rodrigues/FRAME
Fotos: Michel Filho/Agência O Globo; Leon Neal/afp photo
Fotos: Martín Alipaz/EFE; Pedro santana/afp; Alan marques/folhapress
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