Esquema montado por empresas de transporte
sobre trilhos alcançou diversos estados do País e envolveu grandes obras
tocadas pelo governo federal. Ministério Público diz que cartel é
generalizado
Izabelle Torres
O esquema clandestino montado por empresas
da área de transporte sobre trilhos está longe de ser uma exclusividade
paulista. Investigações e denúncias pelo país inteiro mostram que o
cartel possui tentáculos em diferentes Estados e comanda algumas das
maiores e mais onerosas obras públicas. O governo federal pagou entre
2004 e 2013 mais de R$ 460 milhões para as empresas Siemens, Alstom e
CAF, três das 19 empresas suspeitas de envolvimento no propinoduto
paulista. Na semana passada, a procuradora da República em São Paulo,
Karen Louise Jeanette Kahn, pediu acesso às investigações em andamento
no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), alegando que há
suspeitas de que o esquema chegou a grande parte do País por meio de
licitações federais, especialmente na Companhia Brasileira de Trens
Urbanos (CBTU). “Pode haver um cartel generalizado e espalhado em
Estados e municípios. É preciso investigar”, disse ela.
As suspeitas de irregularidades envolvendo empresas do escândalo do
Metrô paulista em obras federais realizadas nos Estados sempre chamaram a
atenção dos órgãos de fiscalização, mas os processos nunca foram
concluídos. Levantamento realizado por ISTOÉ mostra que há uma relação
direta entre obras tocadas por essas empresas e a abertura de
investigações, como se elas fossem personagens inevitáveis desse tipo de
investimento. Na Bahia, o carro-chefe da campanha do petista Jaques
Wagner ao governo foi a conclusão das obras do metrô da capital,
comandadas por um consórcio encabeçado pela Siemens. No ano passado, o
mesmo discurso foi repetido pelo atual prefeito de Salvador, Antonio
Carlos Magalhães Neto (DEM). O metrô de Salvador é uma obra necessária à
população e tem grande apelo eleitoral, mas segue levantando suspeitas
de superfaturamento. Há dois anos, o Ministério Público Estadual apura o
destino de mais de R$ 400 milhões que teriam sido desviados desde 1999.
Em 13 anos de investimento, o metrô soteropolitano é um pequeno
fantasma do que deveria ser e, no total, já consumiu mais de R$ 1
bilhão. Nas mãos de um consórcio igualmente formado pela Siemens está
também a construção da Linha Sul do metrô de Fortaleza, outro projeto
gigante na mira do Cade. A obra da Linha Sul, com 18 estações, custou R$
1,5 bilhão. Desse total, o TCU estima que pelo menos R$ 150 milhões
foram superfaturados e parte desse dinheiro teria sido usada para pagar
facilitadores do contrato. As investigações ainda não foram concluídas.
Os empreendimentos encabeçados por empresas investigadas por formação
de cartel em obras tão milionárias quanto suspeitas incluem também o
metrô de Porto Alegre. Na capital gaúcha, a Alstom detém 93% do
consórcio vencedor, em parceria com a espanhola CAF. Apesar de ainda
estar em fase inicial, a obra é alvo de pelo menos três denúncias
apresentadas ao Ministério Público. Uma delas, de fonte anônima, muito
comum em casos dessa natureza, diz que a prefeitura suspendeu uma
licitação para dar tempo ao consórcio encabeçado pela Alstom de combinar
os preços para que ela fosse a única a se apresentar na licitação. As
outras duas suspeitas recaem novamente sobre o superfaturamento. É que a
obra está inicialmente orçada em R$ 243,7 milhões. Isso quer dizer que
cada trem licitado custará quase R$ 17 milhões: preço muito superior à
média de R$ 13 milhões encontrada pelos órgãos de fiscalização.
A Alstom também está presente na polêmica transposição do rio São
Francisco. A mais cara obra do governo federal foi calculada
inicialmente em cerca de R$ 4,5 bilhões. A previsão de gastos já passa
de R$ 8,2 bilhões, mas não há nem sequer previsão para a conclusão das
obras. Pelo contrário, parte do que foi feito terá de ser reformado. A
empresa francesa forneceu quatro bombas para a transposição por meio de
um contrato assinado em 2007. Os custos dessas bombas são analisados
pelo Tribunal de Contas da União desde 2008, mas o processo nunca foi
concluído. O Ministério da Integração abriu cinco processos de
investigação para apurar sobrepreços nas obras da transposição. Por
enquanto, os técnicos já encontraram cobranças indevidas por parte das
empresas e superfaturamento em alguns dos trechos. Irritada com o rumo
das investigações, a Alstom pressionou o governo. Atribui-se a seus
movimentos a demissão de sete técnicos terceirizados, responsáveis por
fiscalizar os contratos.
Os tentáculos das empresas acusadas de comandar um cartel para ganhar
obras públicas chegaram também ao setor elétrico. Em Itaipu, um
processo da Justiça Federal apura se funcionários da usina participaram
de uma negociação com representantes da Siemens e da Alstom para liberar
quase R$ 200 milhões que as empresas cobravam na Justiça desde 2002. Em
Santa Catarina, as suspeitas giram em torno da Usina Hidrelétrica de
Itá. O contrato da obra foi fechado em 1999 e orçado em R$ 700 milhões. A
suspeita, alimentada por um processo das autoridades suíças, é de que,
para ganhar a licitação, a Alstom pagou quase R$ 5 milhões de propina.
Como se vê, a abrangência dos contratos das empresas do cartel é uma
preocupação para o Planalto e também para políticos dos mais variados
partidos.
Os processos que a Siemens e a Alstom enfrentam no mundo inteiro
demonstram que os problemas brasileiros não são um caso isolado.
Investimentos em infraestrutura envolvem despesas de vulto e
tecnologias de ponta que poucos têm competência para oferecer. São
empresas de caráter monopolista, que precisam de escalas gigantescas
para se sustentar. Nenhum País, isoladamente, consegue ter mercado para
estimular a concorrência interna e por isso o mercado global funciona
como uma arena onde os campeões nacionais disputam a clientela de outras
nações. Nessa guerra cada vez mais difícil, a maioria das empresas
pratica, fora de casa, um jogo sujo que não admite em seu próprio País.
Foto: WILSON PEDROSA/AE
Fotos: Arquivo/Ag. O Globo
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