Municípios começam a ser responsabilizados por falta
de cuidados com a manutenção de passeios. Em Curitiba, há 36 ações do
gênero
Felippe Anibal
O
acidente sofrido na última semana pela atriz Beatriz Segall, de 87
anos, – que caiu e bateu o rosto após ter tropeçado em uma calçada, no
Rio de Janeiro – chamou a atenção para o perigo da má conservação dos
passeios e vias públicas de cidades de todo o país. Longe de ser um fato
extraordinário, quedas provocadas por pedras soltas, buracos ou
desníveis acontecem todos os dias, envolvendo principalmente pessoas
idosas.
Mas de quem é a culpa? Casos recentes no Paraná mostram que as prefeituras podem ser responsabilizadas e condenadas a indenizar as vítimas.
As ações que culminaram em condenações demonstram que a Justiça tem entendido que as prefeituras têm responsabilidade objetiva por acidentes em calçadas. Ou seja, neste caso, é dever do poder público municipal zelar pelas condições dos passeios ou fiscalizá-las.
“Não é preciso haver culpa ou dolo da prefeitura. A culpa é presumida porque o município se omitiu de uma responsabilidade que é sua. Só o fato de o acidente ter ocorrido em via pública, em decorrência da má conservação das vias, já basta para ensejar a ação”, explica o advogado Matheus Diacov.
Apesar disso, especialistas recomendam que as vítimas tenham meios de comprovar que a queda foi provocada pelas condições inadequadas das calçadas. Neste sentido, é aconselhável fotografar o local exato onde ocorreu o acidente e identificar testemunhas. Laudos médicos e registros hospitalares também servem como prova.
“A vítima também deve guardar todas as notas fiscais referentes a gastos médicos e com medicação. Tudo isso pode embasar a ação”, aponta a advogada Andréia Maria Latreille, que representou Sônia Lemes em sua ação contra a prefeitura de Curitiba.
O advogado Osni Marcos Leite lembra que é preciso que as vítimas estejam atentas aos prazos para ingressar com a ação. Quando o alvo é município, estado ou União, o processo pode ser movido até cinco anos depois do sinistro. Em caso de autarquias, o período cai para três anos.
A principal causa externa (quando não se consideram razões naturais) de morte de idosos são as quedas, seja em casa, no trabalho ou nas ruas, devido à mã conservação de calçadas, ruas, praças e outros espaços de uso público. O alerta é da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Segundo a entidade, 2,2% deste tipo de acidente termina com o óbito da vítima. Em até 6% dos casos, registram-se fraturas. “Podemos dizer que as quedas se constituem em uma das grandes síndromes da geriatria”, resume a presidente da sociedade, a médica Nezilour Lobato.
Além das consequências físicas, este tipo de acidente também provoca reflexos psicológicos nas vítimas. Um dos principais é o “medo” de uma nova queda. De acordo com Nezilour, este receio impacta diretamente na qualidade de vida dos idosos, que perdem sua autonomia.
“O idoso precisa de segurança e independência. E ao ver as condições das calçadas, das ruas, em que não tem condições adequadas de caminhar, ele vai ter medo de sair de casa e ter tolhido o direito de ir e vir”, ressalta.
Em Curitiba existem 36 ações dessa natureza com pedidos de
indenização por danos moral e material movidas contra a prefeitura,
segundo a Procuradoria-Geral do Município. Nos últimos quatro anos, a
prefeitura foi condenada em pelo menos quatro casos.
Uma das vítimas das calçadas foi Sônia Maria Gonçalves Lemes. Em julho de 2008, quando tinha 50 anos, ela caiu em uma boca de lobo, no bairro Sítio Cercado, em Curitiba. Com escoriações por todo o corpo e sentindo fortes dores na perna, a mulher só conseguiu sair do buraco com a ajuda dos bombeiros, que a encaminharam ao Hospital do Trabalhador.
A Justiça entendeu que houve negligência por parte do poder público municipal, “uma vez que não empregou as cautelas necessárias para a conservação da via pública e respectivas calçadas”. A prefeitura foi condenada a pagar R$ 5 mil por danos morais e R$ 540 por danos materiais.
“Processei a cidade porque as condições em que as calçadas estão representam uma falta de respeito com as pessoas, principalmente com os idosos”, disse Sônia, que já recebeu o dinheiro. “Minha perna nunca voltou ao normal e isso não tem preço”, ressalta.
Sequela
Consequências mais graves sofreu a aposentada Célia (nome fictício). Em maio de 1999, quando tinha 65 anos, tropeçou em uma pedra solta e caiu de bruços enquanto ia à padaria, em Curitiba. A queda provocou o rompimento da prótese de silicone de um dos seios e o líquido extravasou para tecidos, provocando inflamação. Ela ficou internada por um longo período e teve removida parte da mama.
A prefeitura foi condenada a indenizar a idosa em R$ 20 mil, além de custear 50% de uma cirurgia reparadora. Como o valor da indenização ultrapassa 30 salários mínimos, o pagamento tem de ser feito via precatório, um processo mais longo e burocrático que depende de previsão orçamentária. Passados quase 15 anos, Célia ainda não recebeu o dinheiro.
“O acidente mudou a vida dela. Ela ainda sente muitas dores e está bastante triste com tudo que aconteceu. Hoje, ela mora em Maringá e vive sob os cuidados da filha”, conta o advogado da vítima, Osni Marcos Leite.
Para prefeitura de Curitiba, culpa é do dono do imóvel
Ao se defender das ações movidas, a prefeitura sempre argumenta que a construção e manutenção das calçadas é responsabilidade dos proprietários dos imóveis, conforme a Lei municipal 11.596/05. Além disso, a Procuradoria-Geral do Município entende que a pessoa precisa comprovar que o acidente ocorreu por causa de buracos ou da má conservação das vias. “[Nos processos,] questionamos a ausência do nexo de causalidade entre o suposto acidente e a conduta do município, o que demanda matéria de prova”, explica a prefeitura, em nota emitida pela assessoria de comunicação.
O município destaca ainda que, em muitos casos, a responsabilidade dos acidentes recai sobre empreiteiras ou autarquias, que estejam executando obras e que acabam “comprometendo calçadas e, até que haja o reparo, podem ocorrer imprevistos”.
R$ 20 mil é o valor da indenização que uma idosa de 65 anos ganhou da prefeitura de Curitiba na Justiça, referente a um acidente ocorrido em 1999. Dinheiro, porém, até hoje não foi pago. Virou um precatório.
Mais ações
Conheça outros casos de condenações da Justiça sobre acidentes em calçadas e espaços públicos:
• 2009 -- Pedras soltas próximo à estação-tubo Oswaldo Cruz fizeram com que uma senhora de 69 anos tropeçasse e torcesse o pé. Em janeiro de 2013, a Justiça condenou a prefeitura de Curitiba a pagar R$ 3 mil por danos morais.
• 2005 -- Um idoso perdeu dois dentes e sofreu ferimentos nos joelhos, mãos e ombros depois de ter sofrido uma queda na Praça General Osório. Em 2011, a prefeitura da capital foi condenada a pagar indenização de R$ 7,3 mil a título de danos morais e R$ 5 mil por danos materiais.
• 2007 – Em Umuarama, uma mulher transitava em sua cadeira de rodas motorizada, quando os freios pararam de funcionar depois que ela passou por um buraco na calçada. A cadeira tombou e a vítima sofreu uma série de ferimentos. Em 2010, a Justiça condenou a prefeitura a pagar R$ 9,5 mil por danos morais e R$ 509 por danos materiais.
• 2003 -- Uma idosa bateu com o rosto no chão, depois de tropeçar na calçada em Londrina. Fotos comprovaram que o rosto dela ficou cheio de hematomas, o que lhe causou uma série de transtornos. Em 2010, a Justiça estipulou indenização de R$ 20 mil por danos morais e R$ 83 por danos materiais.
Mas de quem é a culpa? Casos recentes no Paraná mostram que as prefeituras podem ser responsabilizadas e condenadas a indenizar as vítimas.
Provas
Fotos e laudos ajudam a comprovar responsabilidade públicaAs ações que culminaram em condenações demonstram que a Justiça tem entendido que as prefeituras têm responsabilidade objetiva por acidentes em calçadas. Ou seja, neste caso, é dever do poder público municipal zelar pelas condições dos passeios ou fiscalizá-las.
“Não é preciso haver culpa ou dolo da prefeitura. A culpa é presumida porque o município se omitiu de uma responsabilidade que é sua. Só o fato de o acidente ter ocorrido em via pública, em decorrência da má conservação das vias, já basta para ensejar a ação”, explica o advogado Matheus Diacov.
Apesar disso, especialistas recomendam que as vítimas tenham meios de comprovar que a queda foi provocada pelas condições inadequadas das calçadas. Neste sentido, é aconselhável fotografar o local exato onde ocorreu o acidente e identificar testemunhas. Laudos médicos e registros hospitalares também servem como prova.
“A vítima também deve guardar todas as notas fiscais referentes a gastos médicos e com medicação. Tudo isso pode embasar a ação”, aponta a advogada Andréia Maria Latreille, que representou Sônia Lemes em sua ação contra a prefeitura de Curitiba.
O advogado Osni Marcos Leite lembra que é preciso que as vítimas estejam atentas aos prazos para ingressar com a ação. Quando o alvo é município, estado ou União, o processo pode ser movido até cinco anos depois do sinistro. Em caso de autarquias, o período cai para três anos.
Risco
Quedas são a maior causa externa de mortes de idososA principal causa externa (quando não se consideram razões naturais) de morte de idosos são as quedas, seja em casa, no trabalho ou nas ruas, devido à mã conservação de calçadas, ruas, praças e outros espaços de uso público. O alerta é da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Segundo a entidade, 2,2% deste tipo de acidente termina com o óbito da vítima. Em até 6% dos casos, registram-se fraturas. “Podemos dizer que as quedas se constituem em uma das grandes síndromes da geriatria”, resume a presidente da sociedade, a médica Nezilour Lobato.
Além das consequências físicas, este tipo de acidente também provoca reflexos psicológicos nas vítimas. Um dos principais é o “medo” de uma nova queda. De acordo com Nezilour, este receio impacta diretamente na qualidade de vida dos idosos, que perdem sua autonomia.
“O idoso precisa de segurança e independência. E ao ver as condições das calçadas, das ruas, em que não tem condições adequadas de caminhar, ele vai ter medo de sair de casa e ter tolhido o direito de ir e vir”, ressalta.
Uma das vítimas das calçadas foi Sônia Maria Gonçalves Lemes. Em julho de 2008, quando tinha 50 anos, ela caiu em uma boca de lobo, no bairro Sítio Cercado, em Curitiba. Com escoriações por todo o corpo e sentindo fortes dores na perna, a mulher só conseguiu sair do buraco com a ajuda dos bombeiros, que a encaminharam ao Hospital do Trabalhador.
A Justiça entendeu que houve negligência por parte do poder público municipal, “uma vez que não empregou as cautelas necessárias para a conservação da via pública e respectivas calçadas”. A prefeitura foi condenada a pagar R$ 5 mil por danos morais e R$ 540 por danos materiais.
“Processei a cidade porque as condições em que as calçadas estão representam uma falta de respeito com as pessoas, principalmente com os idosos”, disse Sônia, que já recebeu o dinheiro. “Minha perna nunca voltou ao normal e isso não tem preço”, ressalta.
Sequela
Consequências mais graves sofreu a aposentada Célia (nome fictício). Em maio de 1999, quando tinha 65 anos, tropeçou em uma pedra solta e caiu de bruços enquanto ia à padaria, em Curitiba. A queda provocou o rompimento da prótese de silicone de um dos seios e o líquido extravasou para tecidos, provocando inflamação. Ela ficou internada por um longo período e teve removida parte da mama.
A prefeitura foi condenada a indenizar a idosa em R$ 20 mil, além de custear 50% de uma cirurgia reparadora. Como o valor da indenização ultrapassa 30 salários mínimos, o pagamento tem de ser feito via precatório, um processo mais longo e burocrático que depende de previsão orçamentária. Passados quase 15 anos, Célia ainda não recebeu o dinheiro.
“O acidente mudou a vida dela. Ela ainda sente muitas dores e está bastante triste com tudo que aconteceu. Hoje, ela mora em Maringá e vive sob os cuidados da filha”, conta o advogado da vítima, Osni Marcos Leite.
Para prefeitura de Curitiba, culpa é do dono do imóvel
Ao se defender das ações movidas, a prefeitura sempre argumenta que a construção e manutenção das calçadas é responsabilidade dos proprietários dos imóveis, conforme a Lei municipal 11.596/05. Além disso, a Procuradoria-Geral do Município entende que a pessoa precisa comprovar que o acidente ocorreu por causa de buracos ou da má conservação das vias. “[Nos processos,] questionamos a ausência do nexo de causalidade entre o suposto acidente e a conduta do município, o que demanda matéria de prova”, explica a prefeitura, em nota emitida pela assessoria de comunicação.
O município destaca ainda que, em muitos casos, a responsabilidade dos acidentes recai sobre empreiteiras ou autarquias, que estejam executando obras e que acabam “comprometendo calçadas e, até que haja o reparo, podem ocorrer imprevistos”.
R$ 20 mil é o valor da indenização que uma idosa de 65 anos ganhou da prefeitura de Curitiba na Justiça, referente a um acidente ocorrido em 1999. Dinheiro, porém, até hoje não foi pago. Virou um precatório.
Mais ações
Conheça outros casos de condenações da Justiça sobre acidentes em calçadas e espaços públicos:
• 2009 -- Pedras soltas próximo à estação-tubo Oswaldo Cruz fizeram com que uma senhora de 69 anos tropeçasse e torcesse o pé. Em janeiro de 2013, a Justiça condenou a prefeitura de Curitiba a pagar R$ 3 mil por danos morais.
• 2005 -- Um idoso perdeu dois dentes e sofreu ferimentos nos joelhos, mãos e ombros depois de ter sofrido uma queda na Praça General Osório. Em 2011, a prefeitura da capital foi condenada a pagar indenização de R$ 7,3 mil a título de danos morais e R$ 5 mil por danos materiais.
• 2007 – Em Umuarama, uma mulher transitava em sua cadeira de rodas motorizada, quando os freios pararam de funcionar depois que ela passou por um buraco na calçada. A cadeira tombou e a vítima sofreu uma série de ferimentos. Em 2010, a Justiça condenou a prefeitura a pagar R$ 9,5 mil por danos morais e R$ 509 por danos materiais.
• 2003 -- Uma idosa bateu com o rosto no chão, depois de tropeçar na calçada em Londrina. Fotos comprovaram que o rosto dela ficou cheio de hematomas, o que lhe causou uma série de transtornos. Em 2010, a Justiça estipulou indenização de R$ 20 mil por danos morais e R$ 83 por danos materiais.
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