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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

No rastro das fraudes em licitações do IME

As investigações sobre um esquema fraudulento em licitações do Instituto Militar de Engenharia (IME) estão se aproximando cada vez mais do andar de cima. Um coronel lotado no centro de ensino de excelência do Exército na época em que ocorreram irregularidades — denunciadas pelo GLOBO em 9 de maio — comprou um imóvel na Urca com o cheque de um suspeito de dirigir algumas das 12 empresas que sempre venciam concorrências de cartas marcadas. Todas pertencem a parentes de militares e ex-militares. A denúncia faz parte de um dossiê anônimo que deu origem a um inquérito. O coronel em questão é Paulo Roberto Dias Morales, já indiciado. Também foi anunciado o indiciamento do major Washington Luiz de Paula, de seu concunhado, Edson Lousa Filho, e do empresário Marcelo Cavalheiro, que teria assinado o cheque.
A venda do apartamento, confirmada pelo Ministério Público Militar, foi registrada em 20 de julho de 2006 no 15oOfício de Notas. No documento, um decorador transfere o imóvel para a mulher do coronel, Cátia Grossi Morales.
O negócio foi fechado por R$ 490 mil. Mas, ao contrário do que normalmente consta nas escrituras de compra e venda, não é informada a forma de pagamento: o exproprietário alega ter recebido o dinheiro antecipadamente.
Cavalheiro é sócio de várias empresas investigadas, entre elas, a GNBR (uma das que mais receberam recursos do IME), a JLG/Olecram (Marcelo, escrito ao contrário) e Grisa. A reportagem do GLOBO mostrou que, no lugar que deveria abrigar a sede da Grisa, há somente um terreno baldio com um barraco.
Os nomes dos quatro indiciados foram divulgados após terem sido ouvidas cerca de 40 pessoas no inquérito que apura as licitações. O número de envolvidos nas fraudes ainda não foi definido porque as investigações continuam — o Ministério Público Militar espera respostas para pedidos de quebra de sigilo bancário de alguns suspeitos.

Parentes como sócios de empresas
De acordo com a denúncia, uma teia de empresas foi criada por parentes de militares e ex-militares do IME para ganhar as licitações públicas feitas pela instituição. Poucos dias após terem sido abertas, muitas dessas firmas já estavam à frente de projetos do centro de ensino do Exército. Geralmente, os trabalhos eram planejados em parceria com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O IME liberava todas as verbas. Além do concunhado Édson Lousa, o major Washington Luiz de Paula teria colocado o sogro e três parentes como sócios de empresas que prestam serviços ao IME.
Em um e-mail anexado ao inquérito, cuja autoria é atribuída a Washington (que negou essa acusação em um depoimento), é dito que ele tratou da negociação do apartamento do coronel e preparou uma armadilha ao pagar o imóvel com um cheque de Cavalheiro.
De acordo com a mensagem, seria uma “armadilha de rato”, com a qual o major poderia chantagear seu superior. “O senhor, meu coronel, ficou de rabo preso, lembra?”, escreveu o autor do e-mail.
O advogado Renato Tonini, que defende o coronel Paulo Roberto Dias Morales, negou que seu cliente tenha usado um cheque de Cavalheiro no pagamento do apartamento da Urca. Alegando que o general João Minnicelli, que preside o inquérito, decretou sigilo de Justiça, ele disse que não revelaria as explicações dadas pelo oficial aos procuradores militares que apuram o caso: — Prefiro não informar o teor do depoimento. Ainda não tive acesso à investigação.
Os procuradores militares Maria de Lourdes Gouveia Sanson e Ednilson Pires, responsáveis pelo inquérito, não quiseram comentar os indiciamentos.
Mas a expectativa é que a denúncia seja apresentada dentro de dois meses.

Comando sabia desde 2005

Organizado por vários oficiais, o esquema de fraudes funcionou principalmente entre 2004 e 2006, e custou a vir a público por envolver um dos centros de ensino de excelência mais conceituados do país. A maioria das irregularidades é referente a concorrências públicas para prestação de consultoria em obras financiadas pelo governo federal.
Pelo menos 12 empresas vêm sendo investigadas, e, de acordo com o Ministério Público Militar, entre seus sócios, estão parentes de oficiais da ativa e da reserva, além de laranjas.
Uma auditoria feita por técnicos do Tribunal de Contas da União revelou que, em 2005, o comando do IME já tinha conhecimento das irregularidades em licitações. No entanto, o então comandante do instituto, o general de brigada Ernesto Ribeiro Rozani, alegou falta de base legal para anular as licitações.
De acordo com uma denúncia que está sendo apurada por procuradores, um oficial do IME recebia R$ 35 mil por mês, em notas de R$ 100, para encobrir as falcatruas nas concorrências públicas do instituto.

Muito dinheiro em pouco tempo

Um dos desafios da equipe que investiga as fraudes é chegar ao montante desviado dos cofres da União para o grupo de empresas de parentes de militares e ex-militares do IME. Um levantamento feito pelo GLOBO no Portal Transparência do Governo Federal revelou que os contratos dessas firmas com a instituição de ensino movimentaram pelo menos R$ 15,3 milhões. A GNBR foi a que mais recebeu recursos, abocanhando, entre 2004 e 2008, R$ 3,3 milhões do IME e do Colégio Militar do Rio.
Chamou a atenção o fato de que as empresas foram criadas e, logo depois, entraram na folha de pagamentos da União. A GNBR, por exemplo, abriu as portas em 6 de outubro de 2004 e, em dezembro do mesmo ano, já tinha sido contemplada com R$ 597,7 mil em recursos federais.
O mesmo aconteceu com outras empresas ligadas a oficiais. O mais curioso é que as firmas recebiam rapidamente por serviços de consultoria que tinham, aparentemente, uma certa complexidade, o que exigia um tempo razoável para execução. Além de estudos técnicos para melhorias rodoviárias, várias eram voltadas para as áreas de meio ambiente e informática. A Enrilan, por exemplo, foi criada em 13 de setembro de 2004, venceu uma licitação em 27 de outubro do mesmo ano e recebeu o primeiro pagamento do IME menos de um mês depois, em 19 de novembro.
Ela foi contratada para prestar consultoria em geoprocessamento e sensoreamento remoto, trabalho que orientaria estudos de impacto ambiental da BR-116 no trecho São Paulo-Curitiba.
A empresa também venceu concorrências para projetos na BR-153 (entre São Paulo e Minas Gerais) e na BR-381 (Rodovia Fernão Dias), entre outras. Em apenas três meses de seu primeiro ano de funcionamento, a Enrilan faturou R$ 654.404,01. Ela está em nome de Henrique Bittencourt Lousa (que é concunhado de Washington Luiz de Paula), William Lourenço da Silva (que foi soldado do Exército), Célia Lourenço da Silva e Alfredo Balbino (que diz ser laranja do esquema).
Situação semelhante foi encontrada pela Deligon, que tem entre seus sócios Édson Lousa, um dos indiciados. A empresa, fundada em 22 de novembro de 2004, venceu uma licitação em menos de um mês (20 de dezembro) e, oito dias depois, recebeu seu primeiro pagamento do IME. Num ano em que só funcionou um mês, a Deligon faturou R$ 448.869, segundo o Portal da Transparência do Governo Federal.
Além de Édson, também são sócios da Deligon William Lourenço da Silva, Jacqueline Fonseca Lousa (cunhada de Washington), casada com Édson, Deleon Alves dos Santos e Gleice Regina Balbino de Almeida.

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