Foi a partir da ilha de Ascensão, a 2,5 mil
quilômetros do Recife, que agentes de Barack Obama conseguiram
bisbilhotar conversas telefônicas e trocas de e-mails da presidenta
Dilma Rousseff
Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo
A cerca de 2,5 mil quilômetros do Recife (PE), numa região inóspita
do Atlântico Sul, existe uma pequena ilha de colonização britânica
chamada Ascensão. É lá que os agentes de Barack Obama captam
aproximadamente dois milhões de mensagens por hora. São basicamente
conversas telefônicas, troca de e-mails e posts em redes sociais. É
dessa pequena ilha que os técnicos da NSA, uma das agências de
inteligência dos Estados Unidos, vêm bisbilhotando as conversas da
presidenta Dilma Rousseff e de alguns de seus ministros mais próximos,
segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ na última semana. A ilha de
Ascensão tem apenas 91 quilômetros quadrados e seria irrelevante se não
estivesse numa posição estratégica, a meio caminho dos continentes
africano e sul-americano. Ao lado de belas praias, sua superfície abriga
poderosas estações de interceptação de sinais (Singint), que se erguem
como imensas bolas brancas. Elas integram um avançado sistema de
inteligência que monitora em tempo real todas as comunicações de Brasil,
Argentina, Uruguai, Colômbia e Venezuela e fazem parte de um projeto
conhecido como Echelon (leia quadro à pág. 46), que envolve, além dos
Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia, Austrália e Canadá.
INÍCIO DE TUDO
Documentos mostrados pelo ex-analista da CIA Edward Snowden indicam
que a interceptação americana partiu da ilha de Ascensão
O indicativo mais forte de que a invasão de Obama nas conversas da
presidenta Dilma e seus ministros se deu a partir da ilha está nos
próprios documentos exibidos por Edward Snowden, denunciando o esquema.
Neles, lê-se, na parte inferior, o grau de classificação “top secret”
(ultrasecreto), o tipo de documento Comint/REL (comunicação
interceptada) e sua divulgação (USA, GBR, AUS, CAN, NZL), exatamente as
siglas que indicam os países do sistema Echelon. “Há um alto grau de
probabilidade de que a NSA já tenha entrado não apenas no sistema de
comunicações da presidenta, mas em todos os sistemas nacionais
críticos”, alerta o consultor em segurança Salvador Ghelfi Raza, que já
trabalhou para o governo de Barack Obama.
As antenas da ilha de Ascensão conseguem captar as mensagens logo
depois de serem produzidas, antes mesmo que elas cheguem aos satélites
para serem distribuídas. Uma vez recolhidas, as informações são lançadas
em um gigantesco computador instalado no Fort Meade, em Maryland, nos
EUA. Lá, são processadas em um programa chamado Prism (Prisma), que
localiza, por intermédio de palavras-chaves, aquilo que os
bisbilhoteiros procuram, entre os milhões de dados recebidos por hora. A
partir daí as informações são submetidas a um outro programa, que
quebra a criptografia. Ainda em Maryland, computadores traduzem as
informações coletadas. Feita a análise, o que for de interesse do
governo americano será distribuído aos agentes espalhados por todo o
mundo para continuar o serviço de monitoramento. Muitas vezes empresas
americanas ligadas à telefonia e à internet são acionadas para
informações complementares. Com acesso à rede, por um técnico
autorizado, é possível captar todo o tráfego de dados, sejam arquivos de
vídeo, sejam fotos, trocas de mensagens ou chamadas de voz sobre IP.
A cooperação de grandes corporações, como Microsoft, Google, Facebook
ou mesmo os gigantes da telefonia, Verizon e At&T, é fundamental
para o funcionamento da rede da NSA. Documentos vazados pelo WikiLeaks
mostram ainda que os EUA contam com dezenas de empresas de segurança da
informação, num total de 1,2 milhão de técnicos, agentes e autoridades.
Na ilha de Ascensão, que serviu à Inglaterra na Guerra das Malvinas,
também estão instalados o serviço de inteligência criptológica britânico
(GCHQ), estações de monitoramento de testes nucleares e uma das duas
estações da emissora de rádio “The Counting Station”, apelidada de
“Cynthia”, pela qual a CIA se comunica com seus agentes secretos
espalhados pela América do Sul e África.
Foi a partir de 11 de setembro de 2011, com George W. Bush e o início
da guerra ao terror, que a Casa Branca determinou uma modernização
completa da base de Ascensão. Desembarcaram na pequena ilha voos
regulares com supercomputadores, novas estações de monitoramento e uma
vasta gama de equipamentos de ponta. O contingente de agentes da NSA
cresceu cinco vezes e foi acompanhado por esforços britânicos no mesmo
sentido. Ao assumir em 2009, Barack Obama determinou uma revisão
completa da política de cyberdefesa, que ele classificou como “o mais
sério desafio econômico e de segurança nacional” que os EUA deveriam
enfrentar como nação. Para o democrata, era necessário promover um salto
tecnológico e estratégico em toda a infraestrutura de comunicações e
informação. Logo ele nomeou um comitê executivo, integrado por
representantes governamentais e do setor empresarial, e um coordenador, o
cyberczar, com livre acesso a seu gabinete e com quem passou a
despachar diariamente. Hoje, a NSA é a agência principal do sistema de
inteligência americano. Abaixo dela estão outras 18, inclusive a velha
CIA. Embora muitos acreditem que o Echelon seja coisa do passado, a
verdade é que ele foi atualizado e sua plataforma de operação digital é a
base da atual defesa cibernética, que não respeita limites na
realização de seus objetivos estratégicos, políticos e comerciais.
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