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domingo, 22 de setembro de 2013

Novo julgamento do mensalão é sintoma de país com “duas justiças”

Especialistas dizem que réus com mais dinheiro contratam bons advogados, que sabem explorar com mais eficiência o sistema de recursos do Judiciário
  Guilherme Voitch Minúcias legais à parte no processo do mensalão, o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, garantindo na última quarta-feira um novo julgamento para 12 réus, aumentou a percepção da opinião pública de que há dois sistemas judiciais no país: um para quem tem influência, poder político e dinheiro para pagar advogados caros e outro para os demais brasileiros.
Daniel Castellano/ Gazeta do Povo / “[O sistema jurídico] dispõe de meandros e válvulas de escape que são complexos e sofisticados. Esse sistema exige uma alta especialização dos operadores do Direito. Eles custam caro. E aí me parece que quem tem condições econômicas de contratar bons advogados leva vantagem.” <b>Egon Bockmann Moreira, professor de Direito Constitucional da UFPR.</b>Alguns dados ajudam a compreender o problema. De acordo com o Sistema de Informações Penais (InfoPen) do Ministério da Justiça, apenas 2,7 mil detentos cumprem pena por crimes de corrupção (ativa ou passiva), naturalmente mais associados às parcelas da população com maior renda, formação escolar e influência. Menos de 0,5% do total da população carcerária brasileira, portanto, se enquadra nessa categoria.
Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
 
“[O sistema jurídico] dispõe de meandros e válvulas de escape que são complexos e sofisticados. Esse sistema exige uma alta especialização dos operadores do Direito. Eles custam caro. E aí me parece que quem tem condições econômicas de contratar bons advogados leva vantagem.” Egon Bockmann Moreira, professor de Direito Constitucional da UFPR.
Entrevista
“Lamento que, entre a correção e a corrupção, a opção foi pela corrupção.”
Antonio More/ Gazeta do Povo
Osmar Serraglio (PMDB-PR), deputado federal e relator da CPI dos Correios, que investigou o mensalão.
Como relator da CPI dos Correios, qual é a sua avaliação do julgamento do mensalão?
Avalio o resultado com tristeza porque foi um processo aprofundado como nenhum outro. O próprio Supremo reconheceu que foi o maior julgamento da corte. Foram dadas todas as oportunidades de dissecação das provas. O empate [sobre a decisão de dar um novo julgamento a 12 condenados] igualou as teses jurídicas. Então, a opção que um ministro [Celso de Mello] fez já não era mais jurídica. Nesse caso, ele estava em uma situação diferenciada porque ali estavam em jogo as consequências que adviriam do julgamento.
Então o sr. acha que Celso de Mello não deveria analisar só a questão jurídica, mas a opinião da sociedade?
Existem várias teses jurídicas que estudam a função política do Judiciário. Nesse caso, tratava-se de uma função política. Qual a razão de ser de uma instituição como o STF? E quais as consequência de seus atos na sociedade? A decisão era muito mais séria que uma tese jurídica. Era um problema de consequência social. Faltou essa visão. O ministro precisava ter feito o mesmo aprofundamento jurídico que fez sobre as consequências que advirão na cultura social, já que o Direito é um ordenamento que organiza a conduta da sociedade. Se ele está lá [no STF] para preservar o ordenamento jurídico que trata do comportamento da sociedade, qual o comportamento da sociedade que o Judiciário espera diante de uma decisão como essa? O que se viu é a manipulação de instrumentos processuais que beneficiaram aqueles que têm privilégio. Celso de Mello estava na posição de definidor da confiabilidade do STF. Nessas circunstâncias, tinha que ver, por exemplo, qual o risco da impunidade. Ele levou em conta a possibilidade de prescrição em virtude dessa decisão?
E o que o sr. espera que vai acontecer agora?
Agora os jogos vão prosseguir... Há os embargos infringentes, depois os declaratórios sobre os infringentes, depois poderá haver embargos declaratórios sobre os declaratórios. Eu acho que ele [o Celso de Mello] abriu a porteira para a impunidade. Essa é a tristeza.
O sr. não acredita em punição, ao menos dos 12 réus beneficiados?
Eu vinha acreditando. Hoje, começo a admitir a ideia de que todo trabalho da CPI dos Correios, da Polícia Federal, do Ministério Público e do STF pode virar pizza.
O julgamento terá interferência nas eleições de 2014?
É difícil avaliar. A gente não sabe como é que vai prosseguir o julgamento. Já se diz que não há mais tempo de encerrar o caso neste ano. Só lamento que, entre a correção e a corrupção, a opção foi pela corrupção.
Katna Baran
No cerne da questão está o sistema processual brasileiro, repleto de recursos e possibilidades apelativas. “O excesso de recursos é um problema grande e histórico do nosso Judiciário”, diz a advogada e pesquisadora da FGV-Rio Adriana Lacombe.
Para ela, não existe um julgamento diferenciado feito pelos magistrados. “Não vejo os juízes decidindo com base na condição econômica do réu. O que ocorre é que quem pode pagar bons advogados pode usufruir do sistema recursal de modo mais eficiente”, diz a pesquisadora.
O professor de Direito Constitucional da UFPR Egon Bockmann Moreira tem posição semelhante. Para ele, o sistema jurídico brasileiro é extremamente complexo. “Dispõe de alguns meandros e válvulas de escape que são bastante complexos e sofisticados. Esse sistema exige uma alta especialização dos operadores do Direito. Eles custam caro. E aí me parece que quem tem condições econômicas de contratar bons advogados leva vantagem”, diz.
O professor, porém, refuta estabelecer um determinismo jurídico a partir da condição social e econômica do réu. “Não podemos esquecer que o primeiro réu absolvido do mensalão [o ex-dono da corretora Natimar Carlos Alberto Quaglia] foi defendido por um defensor público”, lembra. Ainda assim, Moreira entende que as chances de absolvição são maiores para clientes de advogados de renome. “Além da questão técnica, há a pressão do nome e da influência do escritório.”
Equívoco
Cientista político e também professor da UFPR, Adriano Codato adota um tom mais crítico ao tratar do Judiciário brasileiro. Codato, porém, faz uma primeira ressalva no caso do mensalão: para ele, o julgamento passou uma impressão equivocada de que o PT teria inventado ou seria o único responsável pela corrupção. “Sabemos que isso não corresponde à verdade.”
Por outro lado, Codato afirma que a decisão do STF foi equivocada sob qualquer ponto de vista: “Jurídico, social, político ou do puro bom senso”. Para ele, o STF seguiu uma máxima do Judiciário brasileiro: “Quando julga poderosos, decide não decidir”.
Reduzir número de recursos é aposta de boa parte dos juristas
Para boa parte dos juristas, a resposta para a melhora do sistema judiciário brasileiro está na diminuição dos recursos existentes. É o que pensa a advogada e pesquisadora da FGV-Rio Adriana Lacombe, que coordenou um grupo de estudos sobre o julgamento do mensalão na Fundação Getulio Vargas. “Há uma série de recursos que poderiam ser eliminados. Essa é uma discussão que precisa ser feita lembrando que é necessário salvaguardar o direito à ampla defesa.”
Adriana ressalta que, mesmo sem alterar a estrutura processual brasileira, já existem mecanismos que podem inibir o exagero de recursos. “Existem punições que podem ser definidas pelo juiz para advogados que estejam utilizando os recursos manifestamente de forma protelatória.”
Propostas
No Congresso, são vários os projetos que propõe a diminuição do total de recursos e embargos no sistema judiciário brasileiro. Entre as principais está a chamada PEC dos Recursos, proposta de emenda à Constituição encampada pelo ex-ministro do STF Cezar Peluso. A PEC 15/2011 aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
O projeto do novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei 8.046/10) também prevê uma simplificação processual, garantindo mais força para as decisões de 1.° grau. O projeto está sendo analisado por uma comissão geral da Câmara dos Deputados.
As reformas processuais, porém, não são unânimes entre os juristas. “Não acho que alterações vão resolver enquanto todas as faculdades de Direito basearem seus currículos na litigiosidade. Tudo é feito com base nos conflitos. Não há uma busca pelo entendimento social”, diz o professor de Direito Egon Bockmann Moreira.

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