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domingo, 15 de setembro de 2013

Zé Dirceu nas mãos de um velho conhecido

Responsável por um dos votos mais duros contra Dirceu durante o julgamento do mensalão, o decano Celso de Mello poderá agora mudar a sorte de seu ex-colega de república estudantil

Izabelle Torres
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HORA DA DECISÃO
Caberá ao ministro Celso de Mello o voto decisivo 
sobre os embargos infringentes. O placar está 5 x 5
No final da década de 1960, a pensão do seu Abelardo, uma casa simples no bairro da Bela Vista, em São Paulo, abrigou dois estudantes com comportamentos e projetos de vida bem diferentes. Um deles, José Dirceu de Oliveira, estudava direito na PUC de São Paulo e dava seus primeiros passos na política estudantil. Sob o mesmo teto, morava também o estudante de direito da USP Celso de Mello, que se dedicava por mais de dez horas diárias a estudos e leituras. Apesar de próximos, os dois sempre tiveram vidas distantes. Não tinham assuntos em comum e pouco conversavam. 

Mais de 40 anos depois, José Dirceu e Celso de Mello têm um encontro marcado na votação mais dramática da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal. Na condição de decano do STF, o ministro mais antigo da corte dará o voto decisivo sobre os embargos infringentes, recurso derradeiro que pode mudar a sorte de seu distante colega de república estudantil. Na quarta-feira 18, Celso de Mello irá anunciar, através de seu voto, se Dirceu e outros réus terão direito a um novo exame de uma condenação recebida no plenário do tribunal. Se o decano for favorável aos embargos, como tem sinalizado de modo enfático até aqui, e se mais tarde Dirceu convencer uma maioria de ministros de que seus pleitos têm fundamento, ele poderá ter uma redução da pena e mudar seu regime de prisão. Em vez de passar um ano e seis meses em regime fechado, como está definido até o momento, poderá apenas ter de dormir na prisão.
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REENCONTRO 
Os destinos de Dirceu e Celso de Mello se cruzam novamente, mais de
40 anos depois de morarem juntos numa casa na Bela Vista, em São Paulo
Em deliberações cotidianas, Celso de Mello é conhecido pela profundidade das pesquisas realizadas antes de tomar decisões. Em suas mãos, um simples parecer pedindo a manifestação do Ministério Público em uma ação pode virar um documento de 20 páginas de argumentos. Normalmente, os votos do ministro levam mais de uma hora para serem lidos e pelo menos dois dias sendo elaborados. Diferentemente de outros integrantes da corte, que recorrem com frequência à assistência de auxiliares, que elaboram votos que muitas vezes são apenas revistos pelo titular da cadeira, o decano elabora decisões de próprio punho. Sua jornada de trabalho atravessa madrugadas, pois a memória funciona melhor no silêncio absoluto. Não gosta de dar pistas sobre votos em elaboração, mas ajuda os interessados a localizar manifestações antigas. Quem queria saber sua opinião sobre os embargos, na semana passada, era orientado a procurar sua intervenção em 2 de agosto, quando explicou que eram um direito fundamental dos réus. 

Celso de Mello tem orgulho da própria coerência e gosta de lembrar que raramente muda de pensamento. Mas isso já aconteceu. Quando o STF debateu a respeito de quem teria a palavra final sobre perda de mandatos, o ministro disse que a decisão caberia ao tribunal. Mais uma vez, teve o voto decisivo. Dez anos antes, contudo, ele votou de forma diferente. A coerência prevalece sobre a diferença, porém. Quando era promotor, na década de 1970, fazia questão de comparecer pessoalmente aos presídios para verificar as condições carcerárias dos detentos. Já no Supremo, suspendeu duas ações que relatava porque considerou que houve falhas no processo disponível para a defesa. 

Há 24 anos na corte, Celso de Mello não frequenta eventos, não ganha dinheiro com palestras ou aulas badaladas. Prefere relaxar tomando café em pé em livrarias, enquanto escolhe livros e DVDs. Quem assistiu ao julgamento da Ação Penal 470 irá recordar dos seus elogios frequentes a Aliomar Baleeiro, um dos mais influentes ministros do Supremo nos anos 60 e 70. Conservador aplicado e adversário de Getúlio Vargas e João Goulart, Baleeiro foi levado ao STF pelas mãos do general Castello Branco, primeiro presidente do regime militar. Quem esperava dele um comportamento servil e bajulador se surpreendeu. Baleeiro foi um destacado defensor dos direitos humanos e é recordado entre seus admiradores como o magistrado que colocou princípios jurídicos acima de preferências políticas. Quarenta anos depois, Celso de Mello demonstrava-se inclinado, na semana passada, a seguir pelo mesmo caminho. 

Sua crítica ao governo do qual Dirceu é um dos símbolos maiores é duríssima: “Estamos diante de uma grande organização criminosa que se constituiu à sombra do poder, formulando e implementando medidas ilícitas que tinham por finalidade a realização de um projeto de poder”, disse durante o julgamento. Ainda assim, a opção anunciada pela aceitação dos embargos infringentes que podem beneficiar Dirceu revela que o ministro considera os direitos individuais acima de suas avaliações políticas.  

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