Com inteligência e capacidade de identificar
objetos perigosos, animais que sobrevivem na Baía de Guanabara indicam
um caminho para evitar a extinção da espécie no Estado
Wilson Aquino
O brasão da cidade do Rio de Janeiro,
criado em 1896, tem como suporte dois botos-cinza. Naquela época, eles
eram milhares e nadavam livremente por todos os 328 quilômetros
quadrados da Baía de Guanabara, no Rio. Hoje, são apenas 35 bravos
heróis que impressionam pela capacidade de resistência às condições
adversas do ambiente, “cientificamente comprovado como o mais degradado
de todos os usados como residência por essa espécie”, segundo o
biofísico José Lailson Brito Júnior, da Uerj, Universidade do Rio de
Janeiro.
Desde 1995, o Departamento de Oceanografia da universidade mantém o
Projeto Maqua, que estuda a população de botos por meio de
foto-identificação das nadadeiras, que funcionam como uma espécie de
impressão digital de cada indivíduo. Com idade entre 5 e 18 anos, os
animais que restam na baía desenvolveram e adaptaram estratégias de
sobrevivência. Uma delas é a ecolocalização. “Aperfeiçoaram-se tanto que
são capazes de detectar com precisão até a textura dos objetos. Emitem
sinais e captam o eco, que traz informações sobre o ambiente e as coisas
ao redor”, afirma o oceanógrafo Alexandre Azevedo.
A inteligência desse tipo de animal também colabora com a sua
sobrevivência. “O supercérebro desse mamífero reconhece os locais, sabe
onde estão os perigos e isso permite que sobreviva em ambiente
impactado”, diz Brito Júnior, coordenador do Laboratório de Mamíferos
Aquáticos e Bioindicadores da UERJ. Espertos, eles se refugiaram na
área menos poluída da baía, os 20 quilômetros quadrados da Estação
Ecológica (Esec) da Guanabara, um lugar de preservação sem lixo, óleo,
redes de pesca e que não permite a entrada de seres humanos, a não ser
para fins científicos.
SOLIDÃO
Único mamífero nas águas da Baía de Guanabara,
o boto já teve a companhia de golfinhos e baleias
Porém, como não há nenhuma barreira que impeça a saída deles da
reserva, de vez em quando algum boto curioso atravessa os limites e
acaba não resistindo. Além dessas escapadas, os pesquisadores associam
as mortes mais recentes à poluição sonora. “Cientificamente não está
comprovado, mas há fortes indícios de que o excesso de barulho impede o
golfinho de captar as redes dos pescadores”, diz Azevedo, salientando
que a maior causa de mortalidade de golfinhos no mundo é a captura
acidental. “Elegemos o boto-cinza entre as dez espécies mais ameaçadas
de extinção do Estado do Rio justamente para reverter esse declínio
populacional”, diz a bióloga Alba Simon, diretora de biodiversidade da
Secretaria de Estado do Ambiente (SEA).
Medidas como essa tentam evitar que os botos tenham o mesmo fim de
outros mamíferos. Golfinhos e baleias também se banhavam na Baía de
Guanabara antes das ondas de poluição. Hoje, o boto-cinza é o único
mamífero que consegue sobreviver ali. E não é por opção. Uma das
características do animal é a fidelidade territorial, geralmente
passando a vida toda no mesmo local onde nascem. Assim, só com um
trabalho de despoluição a região poderia ter números como os da Baía de
Sepetiba, onde até dois mil indivíduos da espécie se reproduzem. Que a
exceção representada por esses 35 indivíduos vire a regra.
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