O empresário Rodrigo Moreira, 29 anos, estava em casa, em Taguatinga Norte, cidade-satélite de Brasília, quando ouviu um barulho e percebeu que dois homens tentavam arrombar o portão da residência. Acuado, ele trancou-se num dos cômodos com a mulher e o filho recém-nascido, enquanto acionava a polícia pelo telefone. Passados 20 minutos, a polícia não chegou. Moreira acendeu as luzes externas da casa. Os cães da vizinhança latiram e, assustados, os bandidos foram embora. Quando a polícia finalmente deu o ar de sua graça, não havia nem vestígios dos criminosos. No dia seguinte, procurou uma loja de armas para comprar uma pistola. “Se eu tivesse uma arma teria dado um tiro de alerta para o chão. Se o bandido insistisse em entrar? Era eu ou ele”, disse Moreira.
Apesar de toda a campanha pelo desarmamento e das rigorosas exigências para a aquisição de armas, a cada hora, cinco brasileiros comuns como Moreira adquirem uma pistola ou revólver. Os dados são da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) do Exército, que registrou um aumento de 70% no número de armas nacionais vendidas no Brasil entre 2005, ano do referendo popular que votou contra a proibição da comercialização de armas no País, e 2009. Nesses cinco anos, foram comercializadas quase 500 mil armas de fogo e mais de 200 mil delas ficaram nas mãos de pessoas comuns, como Moreira.
“Esse é o drama: a população amedrontada se arma”, lamenta o sociólogo Antônio Rangel Bandeira, coordenador de controle de armas do Viva Rio e um dos maiores incentivadores do desarmamento do Brasil. A sensação de insegurança é o maior motivo da corrida armamentista da população civil e, não fosse o rigor para autorizar a posse (o porte é proibido), a quantidade de revólveres e pistolas nas mãos de pessoas comuns seria muito mais elevada. “Todo mundo alega que é para defesa pessoal, mas para justificar o pedido de ter uma arma são necessários argumentos bem consistentes”, explica o coronel Achiles Santos Jacinto Filho, assessor de fiscalização da DFPC, revelando que muitos pedidos são negados. A burocracia realmente desestimula. Moreira, por exemplo, demorou seis meses para botar a mão na arma. Antes de efetuar a compra, o cidadão precisa obter um laudo da Polícia Federal de que está apto. Para conseguir o documento, o interessado preenche requerimentos, tira certidões, se submete a exames psicológicos e a testes de aptidão. Ainda tem que apresentar justificativa por escrito. A primeira que Moreira apresentou, de defesa da família, foi considerada insuficiente. “O agente da Polícia Federal alegou que esse risco era comum a qualquer cidadão.” Moreira foi obrigado a carregar na tinta: alegou ser empresário e que de vez em quando transportava dinheiro. Ele também anexou cópia da ocorrência de tentativa de invasão à sua casa. “Aí é que eles liberaram”, lembrou o empresário, que com a pistola se sente mais seguro em casa.
O presidente do Movimento Viva Brasil, Bené Pereira, defende o direito de a população se armar. “O referendo de 2005 deu à pessoa o direito de ter arma em casa ou no sítio, mas a burocracia é muito grande”, reclama ele. Em termos percentuais, o incremento na venda de armamentos se deve aos policiais, caçadores, atiradores esportivos e colecionadores, que multiplicam por dez o número de compras, e às empresas de vigilância e guardas municipais, que adquirem seis vezes mais armas. Porém, somando-se os cinco anos, em números absolutos, é o cidadão comum quem compra mais. Das 493,1 mil armas vendidas entre 2005 e 2009, 222 mil foram para civis. Com a promulgação da Lei do Desarmamento, em 2003, houve uma queda significativa na comercialização de armas. Agora, os números voltam a crescer de forma preocupante. A estimativa é que oito milhões de armas de fogo circulem no País.
O advogado carioca Ary Brandão de Oliveira, 29 anos, acredita que o fato de o cidadão ter uma arma não o torna mais ou menos violento. Atirador esportivo, Oliveira adquiriu uma pistola Colt, calibre 22, há dois meses. Ele critica o rigor da legislação e reclama por ter que pedir autorização toda vez que transporta a pistola da sua casa para o estande de tiro. “Mesmo assim a arma tem que ir descarregada, no porta-malas do carro ou em outro lugar que não seja de livre acesso”, explica. Os defensores do desarmamento afirmam que a posse de uma arma não implica mais segurança. Pelo contrário, ela expõe mais o cidadão ao risco. “As pesquisas mostram que quem possui arma em casa corre 60% mais risco de morrer num assalto”, adverte o advogado paulista Denis Mizne, diretor do Instituto Sou da Paz. “Mesmo que seja atirador de elite, ele não tem a mesma rapidez de ação do bandido, em função do medo”, reforça a professora Jacqueline Muniz, do curso de graduação em segurança pública da Universidade Católica de Brasília. Para os especialistas, a posse da arma de fogo aumenta a possibilidade de acidentes com crianças em casa e favorece a violência doméstica, sem falar nos casos de suicídio. A julgar pelos números, os brasileiros parecem acreditar que esses riscos compensam a sensação de segurança, verdadeira ou não, de ter uma arma de fogo.
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