Pelo menos 13,5 mil imóveis administrados pela
União estão vazios. Governo não sabe em que estado de conservação se
encontram nem o que fazer com eles
Izabelle Torres
OCIOSOS
Prédio localizado na Asa Norte, em Brasília, possui quatro apartamentos da
União sem utilização. Os imóveis estão avaliados em R$ 1 milhão cada um
Cento e noventa anos depois da proclamação da República, o Estado
brasileiro desconhece o real tamanho do seu patrimônio e mantém ociosos
pelo menos 13.590 dos 572.161 mil bens que conseguiu cadastrar até hoje.
Esses imóveis estão vazios e o governo não consegue saber sequer em
quais condições se encontram, ou qual destinação será dada a eles.
Para se ter uma ideia da situação, em 2009, a Secretaria de
Patrimônio da União conseguiu um financiamento internacional para
atualizar seus cadastros em sete unidades da Federação, mas o trabalho e
o dinheiro acabaram antes da conclusão do levantamento nos maiores
Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro. Embora o governo não saiba
exatamente o que tem, é razoável estimar que o valor total de seu
patrimônio ultrapasse os R$ 200 bilhões, o equivalente a 4,5 milhões de
residências do programa Minha Casa, Minha Vida. Negligenciada por
sucessivos presidentes, que não souberam dar uso econômico nem social a
parte considerável desses bens, o país assiste hoje a iniciativas
condenáveis de quem toma posse do patrimônio público para uso pessoal.
ABANDONO
Governo não sabe que destino dar para casa situada
no Cruzeiro, Distrito Federal. Vidros estão quebrados
Em Brasília, ISTOÉ visitou três imóveis pertencentes à União.
Encontrou vidros quebrados, portas arrombadas e serviços como água e luz
cortados há anos. Abandonados, mesmo apartamentos situados em bairros
nobres da capital, não podem ser usados antes que se promovam reformas
mais custosas do que um imóvel novo. A negligência com os próprios bens
abre espaço para várias formas de delinquência, como se viu no mês
passado, quando a Polícia Federal indiciou sete funcionários públicos
durante a Operação Porto Seguro. Eles são acusados de emitir relatórios
falsos para facilitar outra modalidade de crime – a grilagem de terras
públicas. O alvo da quadrilha era um terreno da União localizado no
Setor Habitacional Vicente Pires, região administrativa do Distrito
Federal, objeto de desejo de grandes empresários. O prejuízo aos cofres
públicos poderia chegar a R$ 400 milhões.
As falhas cometidas pela administração pública na gestão dos próprios
bens resultaram em pelo menos 984 processos que tramitam atualmente na
Justiça federal. As ações apresentadas pela Advocacia-Geral da União
tentam obter ordens de despejo ou desocupar terras invadidas. No Rio,
uma professora aposentada disputa com o governo a propriedade de uma
casa avaliada em R$ 2 milhões, de acordo com o inventário do marido. A
viúva se recusa a devolver a casa da União localizada no bairro de
Ipanema, alegando viver lá há 24 anos. A briga judicial deve se estender
por anos, enquanto a viúva permanecer no imóvel.
As estratégias para se apossar do que é público envolvem também
figuras conhecidas e influentes, que usam o próprio prestígio em nome
dos negócios privados. O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) ilustra um
desses casos. Ele é um dos sócios da construtora Premium, uma das
responsáveis pela construção de um prédio de luxo na margem da Baía de
Guajará, em Belém, área pertencente à União. O empreendimento de 23
andares está sendo erguido no bairro do Telégrafo, fechando o único
acesso dos moradores a essa parte do rio. Apesar da invasão, a obra tem
conseguido licenças ambientais e o prestígio do parlamentar com os
poderes da República é citado pelos vendedores como garantia de que o
investimento não tem riscos. Nas últimas semanas, grupos de moradores
protestaram na frente da construção, conseguindo uma ordem judicial que
mandou suspender a obra. Embora os vendedores digam que o senador será o
proprietário da cobertura, Flexa Ribeiro garante que não tem nada a ver
com o edifício, uma vez que é “apenas um dos sócios da construtora que
vendeu o terreno”.
Para o especialista em administração pública e professor da UnB José
Matias Pereira essa apropriação indevida de bens públicos por
particulares é somente um dos impactos negativos para o Estado causados
pela má gestão do patrimônio. “Não dar aos imóveis a destinação correta e
deixá-los perder seu valor de mercado por pura falta de ação também é
crime”, diz.
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