
VEJA entrevistou um militar que integrou a equipe de Curió - e participou da execução de ao menos três guerrilheiros. Esse experiente militar, que pertencia ao quadro de inteligência das Forças Armadas e tinha treinamento em combate na selva, aceitou contar em detalhes o que fez, contanto que seu nome permanecesse no anonimato. Até hoje, nem mesmo sua família sabe que ele participou da caça aos guerrilheiros. Ele chegou ao Pará para participar da Operação Marajoara, a última etapa de combate à guerrilha. "A ordem era não deixar ninguém sair de lá vivo", rememora o militar. "Era uma missão, e cumprimos o que foi determinado." Recorrendo a uma identidade falsa, o militar virou funcionário público em Marabá, cidade próxima à região do combate, e se infiltrou junto à população civil para obter informações sobre a guerrilha. Tempos depois, ele passou a trabalhar na "Casa Azul", um prédio do governo localizado nos arredores de Marabá, onde o Exército mantinha presos e torturava os guerrilheiros capturados.A ordem, lembra o militar, era extrair o máximo de informações dos presos e, quase sempre, por meio de torturas. Depois, assassiná-los. Tudo feito clandestinamente. O militar entrevistado foi um dos algozes do cearense Antônio Teodoro de Castro, estudante universitário de 28 anos conhecido como "Raul". Ele conta que presenciou o interrogatório do estudante: "Ele tinha fome, vestia farrapos e estava amarelo, parecia ter malária. Nem precisamos bater para que ele falasse e dissesse tudo o que sabia". Mesmo desarmado, famélico e doente, mesmo depois de contar tudo o que os oficiais queriam, Raul não foi poupado. Logo chegou a ordem: eles deveriam levá-lo para fazer um "reconhecimento". Reconhecimento, no código elaborado pelo Exército, era a senha para matar. Curió e seus homens, entre eles o militar entrevistado por VEJA, embarcaram Raul e outro guerrilheiro, o estudante gaúcho Cilon da Cunha Brun, de 28 anos, conhecido como "Simão", num helicóptero da Força Aérea.
Curió ordenou aos pilotos, os quais não tinham conhecimento da operação, que os transportassem até as terras da fazenda de um colaborador em Marabá. Para não permitir testemunhas, relembra o militar, Curió determinou que outra equipe da Força Aérea os buscassem num ponto diferente da mata, horas mais tarde. Após uma longa caminhada, o grupo parou para descansar. Todos se sentaram. Instantes depois, Curió disse aos colegas: "É agora!". Levantou-se num átimo, mirou seu fuzil Parafal na cabeça de Raul e disparou. O corpo do estudante caiu imediatamente sem vida. Os outros oficiais levantaram-se e descarregaram as armas nos dois. "Parecia pelotão de fuzilamento", lembra o militar. Eles tentaram cavar uma vala para enterrar os guerrilheiros, sem sucesso. Resolveram cobrir o local com galhos de árvore - e seguiram caminho. Alguns dias depois, o fazendeiro esteve com os militares e reclamou dos cadáveres. "Os corpos começaram a feder. Os animais já haviam comido quase tudo. Tive de enterrar os restos", contou. O fazendeiro tinha o apelido de "Zezão".
Aconteceram ainda outras atrocidades. O fotógrafo baiano José Lima Piauhy Dourado, o "Ivo", tinha 27 anos quando foi capturado pelos militares. Ele fora ferido na clavícula, depois de conseguir atingir um oficial. Não houve clemência. Transportado para a Casa Azul, Ivo passou por uma longa sessão de torturas. Apanhou e conheceu os horrores do pau de arara, método pelo qual se pendurava e amarrava o torturado de cabeça para baixo. Conta o militar: "O cara só gemia". Gemia, mas, segundo a testemunha, não entregou ninguém. O depoimento do militar é perturbador: "Ele estava agonizando, pendurado no pau de arara. Alguém se aproximou e derramou um copo-d’água em sua boca. Ele morreu afogado, estrebuchando". O Exército também pagava pela cabeça dos guerrilheiros - e não era metaforicamente. "Tinha de trazer a cabeça mesmo, para provar que havia matado", lembra o militar. Cada cabeça rendia 5 000 cruzeiros ao matador. Em valores corrigidos, cerca de 11 000 reais. "Vi pelo menos umas três", conta.
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