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sábado, 28 de abril de 2012

Conexão hawala

Este é o nome do esquema clandestino que o bicheiro Carlinhos Cachoeira utilizava para lavar milhões de dólares do seu grupo criminoso. O método é usado por grupos terroristas como a Al-Qaeda de Bin Laden. Saiba como ele funciona

Alan Rodrigues e Pedro Marcondes de Moura

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ESQUEMA SOFISTICADO
Lavagem de dinheiro, proveniente do jogo ilegal,
era feita com base em sistema adotado
por terroristas internacionais
Nos próximos dias, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso que investiga as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários receberá do Supremo Tribunal Federal (STF) os dados da Operação Monte Carlo, desencadeada pela Polícia Federal, que apurou a jogatina no Brasil e seus tentáculos com o poder. Os parlamentares terão acesso a informações que revelam como o contraventor operava para lavar o dinheiro sujo do jogo do bicho e da corrupção. Segundo o inquérito da PF, Cachoeira utiliza um dos mais sofisticados e eficientes modelos de lavagem de dinheiro do mundo, conhecido como Operação Hawala. Trata-se, segundo a PF, do mesmo esquema utilizado pela rede terrorista Al-Qaeda, criada por Osama bin Laden para financiar atentados. Documentos que fazem parte do inquérito mostram que, a partir da Operação Hawala, o grupo de Cachoeira conseguiu movimentar mais de US$ 400 milhões em três continentes e oito países – Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Antilhas Holandesas, China, Coreia do Sul, Irlanda e Reino Unido.
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RELATOR
Odair Cunha (PT-MG) irá investigar empresas no Exterior
A grande artimanha do sistema adotado por Cachoeira e terroristas internacionais é que ele não envolve remessas físicas de capital, tampouco documentos escritos. O que existem são trocas de créditos lastreadas na palavra – no estilo “eu confio em você”, o popular “fio do bigode”. O objetivo é não deixar rastros. Por isso ele é considerado um inferno para quem investiga crimes de lavagem e evasão de divisas. Com base nos preceitos da Hawala, que em árabe significa “transferência de significados”, o esquema de Cachoeira de lavagem de dinheiro, segundo as interceptações da PF, funcionava da seguinte maneira: os operadores do bicheiro, incluindo um doleiro, pediam verbalmente para outro doleiro no Exterior que determinado pagamento fosse efetuado. No Exterior, o doleiro pagava o receptor. Para receber o dinheiro, no entanto, o receptor era obrigado a dizer uma senha, previamente combinada com o grupo de Cachoeira. O operador Hawala no Exterior ficava com o crédito no Brasil que poderia ser pago não só em espécie, mas em imóveis, carros, entre outros bens (ver quadro).

O relatório 163/2011 da Polícia Federal, parte integrante do processo que está no STF, apresenta com riqueza de detalhes o esquema de evasão de divisas montado por Cachoeira. Nele aparecem o ex-cunhado do contraventor, Adriano Conrado Caiado Viana Feitosa, Wesley José Carneiro e Geovani Pereira da Silva, segundo a PF, respectivamente, o doleiro e o contador do bicheiro, além de Lenine Araújo de Souza, gerente-geral de Cachoeira. Entre os milhares de e-mails interceptados – só de Pereira da Silva foram 15 mil e-mails –, a PF conseguiu constatar quem é quem no esquema Hawala. Às 0h14 do dia 5 de agosto de 2011, por exemplo, Conrado envia uma correspondência eletrônica para Lenine na qual deixa claro que o responsável do esquema para a Operação Hawala era o doleiro Wesley, preso na tarde da quarta-feira 25 em Goiás. “Não há necessidade de copiar Wesley nos e-mails, ele foi contratado somente para fazer a remessa de dinheiro”, disse Lenine. Em outros diálogos interceptados em maio de 2011 entre Gleib Ferreira da Cruz, segundo a PF, “o braço direito de Cachoeira para qualquer assunto na organização criminosa”, e Leide, irmã de Gleib, a quadrilha fornece mais elementos sobre o funcionamento do esquema: “O negócio é fazer a transferência sem causar problema. Precisa colocar o dólar aí no Brasil em real e você por aqui em dólar. Só trocando moeda, sem problema.” De acordo com o relatório da PF, “Gleib auxilia diretamente Carlos Augusto na alocação de recursos de suas atividades ilícitas na aquisição de bens, circulação de valores, no pagamento de terceiros, comparsas e/ou prestadores de serviços, na aquisição de telefones no Exterior; imóveis, de veículos e também nas operações não autorizadas de câmbio e na remessa de valores para fora do país”.
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ESQUEMA BIN LADEN
Carlinhos Cachoeira baseou-se no modelo utilizado pela rede terrorista Al-Qaeda, criada por
Osama Bin Laden, para financiar atentados
De acordo com as apurações da PF, para lavar o dinheiro irrigado pelo bingo e pela corrupção, a organização criminosa montada pelo bicheiro construiu uma rede criminosa que envolve 38 empresas ativas. Muitas delas no Exterior, como a offshore uruguaia Raxfell Corp., com conta-corrente na Argentina e fundada no paraíso fiscal de Curaçao, nas Antilhas Holandesas. Mas os grampos telefônicos mostram que os negócios de Cachoeira não se resumem a um só continente. Passam também pela Ásia e Europa. Na Coreia do Sul, por exemplo, o contraventor é acionista da Bet Co, na província de Kyunggi. Na Irlanda, Cachoeira comprou por um R$ 1 milhão um site de apostas, o Brazilbingo. A compra do site de apostas pelo contraventor fica clara na documentação apreendida pela PF. Os documentos mostram que Cachoeira creditou o dinheiro no Bank of Ireland via Estados Unidos. “O contato de 06/07/2011 às 11:24:21, entre Lenine, Estados Unidos e Reino Unido, confirmam essa dinâmica”, diz o inquérito.

Outra interceptação telefônica mostra que, por meio da Operação Hawala, Cachoeira celebrou negócios na China. Numa das conversas gravadas pela PF, Gleib conversa com Ananias, um policial militar de Goiás e segurança dos cassinos de Cachoeira, sobre as transações no continente asiático.

Ananias – Eu preciso fazer um pagamento na China, de duzentos mil dólares, sem declarar. Quanto cê cobra para pôr esse dinheiro lá pra mim?

Gleib – Vou ver. Duzentos mil?

Ananias – Duzentos mil. A máquina custa duzentos mil dólares. É um amigo meu, só que ele não quer para não declarar aqui pra eles. Cê me fala quanto cê cobra pra nós pôr esse dinheiro lá pro cara?

Gleib – Tá.

A partir desta conversa, a PF concluiu que “o uso extensivo de conexões, como relações familiares e societárias, é o componente que a distingue de outras formas de remessas. As regularizações de dívidas entre corretores Hawala podem tomar uma variedade de formas (como bens, serviços e propriedades)”. É com base nesses novos trechos do inquérito da PF que os parlamentares indicados para a CPI do Cachoeira pretendem dar a dimensão do esquema e chegar aos responsáveis pela lavagem do dinheiro sujo do jogo do bicho e da corrupção.

Antes mesmo de os trabalhos começarem, as investigações já causam desdobramentos. Na quarta-feira 25, Fernando Cavendish, presidente do conselho diretor da Delta, e Carlos Pacheco, diretor da construtora, pediram afastamento da empresa após as investigações indicarem elo entre eles e o pagamento de propina para autoridades de diversos escalões. No meio político, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), passou a ser alvo de investigações da Procuradoria-Geral da República, junto com os deputados federais Carlos Leréia (PSDB-GO), Sandes Júnior (PP-GO) e Stepan Nercessian (PPS-RJ), por suspeitas de ter se beneficiado do esquema criminoso, que a cada dia revela novos tentáculos.
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