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terça-feira, 24 de abril de 2012

O novo sai mais barato que o conserto

Com os serviços subindo bem mais que o preço dos produtos, em muitos casos já nem compensa mandar arrumar o que está com defeito


A disparada dos preços dos serviços provoca distorções entre o valor do produto e de seu conserto. Muitas vezes compensa mais comprar um refrigerador novo do que levar para a assistência técnica o antigo que está com defeito. Levar um vestido à costureira ou um calçado à sapataria equivale a tirar do bolso quase o mesmo valor desembolsado pela peça. Mesmo em bens duráveis de maior valor, o serviço pode causar dor de cabeça: levar o carro na oficina ficou em média 9,56% mais caro nos últimos 12 meses, enquanto os preços dos veículos tiveram queda de até 6,3%.
Sustentados principalmente pelo aumento da demanda e dos custos com mão de obra, os preços dos serviços sobem com força desde 2010. No período de 12 meses encerrado em março, eles subiram 8,71%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é medido pelo IBGE e serve de referência para o regime de metas de inflação. O índice geral de inflação ficou em 5,24% na mesma comparação.

Hugo Harada/ Gazeta do Povo
Hugo Harada/ Gazeta do Povo / Antes de comprar calçado novo, Tatiana já calcula custo do ajuste 
Antes de comprar calçado novo, Tatiana já calcula custo do ajuste
Orçamento
Serviços pesam mais nas contas dos mais ricos
Quanto maior a renda, maior a pressão e o peso dos serviços sobre as contas, diz o professor Christian Luiz da Silva, professor de Economia da UTFPR. As famílias das classes A e B chegam a gastar mais da metade do orçamento com serviços como educação, telecomunicações, estacionamento, entretenimento e alimentação fora de casa. “Por isso que famílias dessas classes sentem que a sua inflação é maior do que a do índice geral”, explica.
Segundo o professor, uma característica do setor de serviços é que o preço está, na maioria das vezes, associado a características como qualidade e confiabilidade. Por isso, é muito mais fácil trocar a marca do arroz ou do feijão que mudar de cabeleireiro ou de médico, por exemplo.
Silva diz que mudanças de hábitos de consumo, principalmente da classe C – que passou a ir a restaurantes, frequentar mais cinemas e a usufruir de serviços de comunicação –, vêm estimulando esse tipo de atividade no país. O setor de serviços representa hoje 67% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Pesquisa
Inflação da classe média está mais fraca
O Índice de Custo de Vida da Classe Média (ICVM) teve aumento de 0,2% em março, ante deflação de 0,02% em fevereiro. Apesar disso, a inflação do mês passado ficou abaixo da verificada em igual período de 2011 (0,34%).
No acumulado de 12 meses, o ICVM recuou de 4,87% em fevereiro para 4,72% em março. Além de estar mais fraco, o índice atual é mais baixo que o da inflação geral medida pelo IPCA – que registra alta de 5,24% em 12 meses.
A informação é da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), que utiliza como base de cálculo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), abrangendo consumidores com renda entre cinco e 15 salários mínimos.
O único dos sete grupos do ICVM a apresentar variação negativa em março foi o de Despesas Pessoais, com recuo de 0,42%. A alta mais importante foi a de Alimentação (0,68%).
Agência Estado
A diferença de preços entre produtos e serviços cai também porque alguns bens têm registrado deflação, ou seja, estão ficando mais baratos – caso dos eletroeletrônicos e eletrodomésticos. No último ano, o preço de um refrigerador novo caiu em média 3,72%, enquanto que o custo do conserto subiu 9,12%. Um televisor está em média 17,38% mais barato, ao passo que o conserto está 7,52% mais caro.
Nova demanda
Para Daniel Lima, analista da Rosenberg Consultores Associados, o aumento do número de pessoas na classe C gerou uma nova demanda para o setor de serviços. “Como são atividades que não são monitoradas, elas refletem mais a pressão da demanda sobre a oferta. E mais pessoas estão consumindo serviços”, diz.
A inflação de serviços deu sinais de arrefecimento mais recentemente: seu avanço caiu de 1,25% em fevereiro para 0,52% em março. Desde janeiro o ritmo de alta vem diminuindo, mas a projeção dos analistas é que ela deve voltar a ganhar velocidade nos próximos meses, embalada pelo baixo nível de desemprego e pelo aumento do salário mínimo. “Mesmo com o aumento de preços, o emprego em alta e a renda ainda fazem com que as pessoas tenham confiança e continuem a consumir”, diz Lima. A Rosenberg estima que a inflação de serviços fique em 8,6% em 2012, para um IPCA cheio de 5,2%.
Lucas Dezordi, economista-chefe da Inva Capital, estima que, por pelo menos mais dois anos, o Brasil vai conviver com a inflação dos serviços superior à média geral. O crescimento da economia e do crédito a partir de 2009, juntamente com o baixo nível de desemprego, colocaram o país em um outro patamar de consumo. “A inflação dos serviços é um fenômeno comum aos países em desenvolvimento” afirma.
Menos fôlego
O setor de serviços tem como característica uma facilidade maior para repassar ao consumidor a alta dos custos de mão de obra, já que não enfrenta a concorrência com importados, como é o caso da indústria. Segundo Dezordi, porém, a pressão dessas despesas tende a perder fôlego. “Os salários subiram a um ritmo de 10% ao ano. Mas acredito que essa taxa deva cair para 5%”, diz.
Por isso, na avaliação do economista, a inflação do setor de serviços deve perder um pouco o fôlego até o próximo ano, apesar de ainda estar acima da média. “Acredito que em um ano, mantidas as condições atuais de demanda e emprego, ela deva convergir para algo próximo de 6%”, diz.

Preço alto faz consumidor mudar hábitos
A alta dos preços dos serviços faz com que muitos consumidores mudem hábitos de consumo e prefiram descartar o produto com defeito e comprar um novo.
Foi o que fez o comerciante Francesco Iannuzzi. Sua impressora doméstica tinha parado de puxar papel e ele procurou uma oficina para consertar o produto. “O orçamento do serviço era de R$ 95. A minha sorte foi que, a caminho da assistência técnica, passei por uma loja e vi novos modelos sendo vendidos a R$ 105”, lembra. Além de custar quase o mesmo preço do reparo, o novo modelo é mais moderno e ocupa menos espaço. “O cálculo que estou habituado a fazer é que, se o serviço custa mais do que 60% do valor do produto, não vale a pena fazer o conserto”, explica Iannuzzi.
Algo semelhante ocorre com peças de roupa e calçados. A psicóloga Tatiana Kugler conta que já pagou o valor integral de alguns produtos só para ajustá-los. “Sou muito magra e sempre que compro botas preciso remodelar o cano do calçado”, explica. Ela já chegou a gastar R$ 80 com o ajuste de um sapato novo, mais que os R$ 70 que pagou pelo produto.
Tatiana conta que, sempre que se interessa por alguma peça, calcula o valor do serviço para ver se vale a pena fechar a compra. Ela já pensou em comprar uma máquina de costura para fazer reparos mais simples. “Tenho o mesmo problema com calças, e cada dia está mais caro arrumá-las.”

Colaborou Pedro Brodbeck, especial para a Gazeta do Povo


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