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sábado, 21 de abril de 2012

Uma rede criminosa que corrompe o País

Como o bicheiro montou um verdadeiro império empresarial para desviar verbas, fraudar licitações, lavar dinheiro e se infiltrar no poder público. Esse bilionário esquema de corrupção funciona há 16 anos e se espalha por todo o Brasil

Claudio Dantas Sequeira

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INVESTIGAÇÃO
CPI pretende apurar o alcance do esquema de Cachoeira
Na semana passada, ISTOÉ obteve a íntegra do inquérito da Operação Monte Carlo, que resultou na prisão do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira. São quase 15 mil páginas, reunidas em 40 volumes e duas dezenas de apensos, além de 11 mil horas de gravações. Na análise do processo, do qual apenas alguns trechos eram conhecidos até então, a Polícia Federal não só traz à tona as relações promíscuas do esquema do bicheiro com autoridades nos três níveis de poder como esmiúça um império de empresas criadas com a finalidade de corromper em todo o País, desviar verbas, fraudar licitações e lavar o dinheiro ilegal. O levantamento também deixa claro que o grupo de Cachoeira vem agindo há pelo menos 16 anos e foi capaz de ultrapassar diversos governos e tonalidades partidárias. “Aqui come todo mundo, cara. Se não pagar pra todo mundo não funciona. Eu tô nisso há 16 anos!”, sintetiza Lenine Araújo de Souza, o braço direito de Cachoeira, em diálogo gravado pela Polícia Federal.

A descentralização dos negócios e o uso extensivo de laranjas deram capilaridade nacional à atuação de Cachoeira. Embora o bicheiro mantenha o controle das empresas por meio de um núcleo formado por parentes e amigos próximos, a PF identificou pelo menos 149 pessoas que em algum momento estiveram ou ainda estão associadas à quadrilha. Normalmente, a máfia de Cachoeira participa de licitações que já consideram ganhas, à base, é claro, de pagamentos de propina para autoridades e servidores estratégicos. A análise desse império de dimensões bilionárias indica que Cachoeira, nos últimos anos, usou especialmente empresas ligadas à área de medicamentos para se aproximar de governos em, no mínimo, nove Estados. O objetivo do empresário-bicheiro era abocanhar uma bilionária fatia da verba pública destinada à compra de medicamentos genéricos. Para isso, criou o laboratório Vitapan, com sede em Anápolis (GO), que rapidamente se tornou um dos principais fornecedores nacionais de genéricos. O laboratório foi uma espécie de cartão de visitas de Cachoeira para se infiltrar em governos estaduais e municipais. Hoje, a empresa está avaliada em R$ 100 milhões, tem convênios até com a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e está associada a outros grandes do setor, como a Neo Química e o laboratório Teuto Brasileiro. A Neo Química está hoje nas mãos do grupo Hypermarcas do empresário Marcelo Henrique Limírio, sócio de Cachoeira no Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF), que produz testes laboratoriais e faturou R$ 10 milhões em 2010, segundo a PF. Limírio também é sócio do senador Demóstenes Torres no Instituto de Nova Educação, faculdade criada em Contagem, e doou R$ 2,2 milhões para as campanhas de Demóstenes e do governador de Goiás, Marconi Perillo.

Ao longo dos últimos 16 anos, Cachoeira aprimorou e diversificou esse esquema. Mas, no início de suas atividades, ele usava empresas de gestão de loterias, seu core business, para fazer a aproximação com o poder público. Com a empresa Capital Bet, ele venceu sozinho a concorrência para a distribuição de bilhetes de loterias no Rio Grande do Sul, em 2001, na gestão Olívio Dutra. Com a Gerplan, que controlava a loteria em Goiás, entrou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. O modus operandi incluía fraudes nos prêmios das loterias e suborno de autoridades, como foi revelado no escândalo Waldomiro Diniz, que desembocaria na CPI dos Bingos.
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ALVO
Senador Demóstenes Torres reaparece
no Congresso e gera tumulto
Hoje as organizações de Cachoeira possuem tentáculos que vão muito além da loteria e do jogo do bicho. Entre os negócios com fachada legal mais lucrativos de Cachoeira, está a construção civil. Até aqui desconhecida do mercado, a Mapa Construtora firmou contratos com prefeituras do Ceará e de São Paulo. Na capital paulista, a empreiteira é a responsável pela construção do edifício que vai abrigar o arquivo geral da USP – contrato de R$ 2,1 milhões. Na cidade cearense de Vartoja, firmou convênios de R$ 1,8 milhão para a construção de uma escola infantil e uma quadra esportiva, que ainda não saíram do papel. Outra empresa do grupo do bicheiro, a Trade Construtora, obteve contrato de obras públicas em Anápolis, na atual gestão do petista Antônio Gomide. A Trade foi condenada pela Controladoria do Estado a devolver R$ 360 mil por irregularidades. Esses contratos, no entanto, representam uma pequena parcela do lucro de Cachoeira no setor.

A partir de rastreamentos bancários feitos pela PF, sabe-se agora que boa parte dos recursos públicos que irrigaram o esquema do bicheiro saiu de contratos da Construtora Delta, líder de repasses do governo na área do Ministério dos Transportes. Segundo a PF, Cachoeira seria “sócio oculto” da Delta, articulando negócios conjuntos com a empreiteira, discutindo planilhas de obras, compartilhando funcionários e, inclusive, despachando da própria sede da empresa. Um dos diálogos interceptados pela PF mostra como Cachoeira e a Delta fizeram um consórcio para a compra da empresa Ideal Segurança, responsável pela segurança de aterros sanitários controlados pela Delta, por R$ 199 milhões. Em outro grampo revelador, até agora inédito, descobre-se que o ex-diretor do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) Luiz Antônio Pagot foi monitorado clandestinamente por pelo menos dois anos. “Tem mais de um ano que o tal do Pagot tá no grampo, entendeu?”, conta o espião Dadá ao bicheiro, em 11 de julho de 2011. Questionado por ISTOÉ, Pagot confirmou que, quando estava no comando do Dnit, foi informado por um delegado amigo sobre a existência de grampos no gabinete em Brasília e em seu escritório em Cuiabá (MT). A deflagração da Operação Monte Carlo indica que Cachoeira trabalhou pela demissão de Pagot e da cúpula do Ministério dos Transportes. Agora, suspeita-se que a Delta pode ter tido acesso a informações privilegiadas de dentro do Dnit, responsável pelas maiores obras da empreiteira.

Sócio ou não da Delta, está cada vez mais claro que a empreiteira fazia a ponte com outras empresas do grupo de Cachoeira para facilitar o toma lá dá cá com o mundo político. A Delta também tem contratos em Anápolis, que abrangem obras rodoviárias e coleta de lixo. Nos contratos das duas empresas a PF vê o dedo do deputado federal Rubens Otoni (PT), flagrado em vídeo negociando com Carlinhos doação de R$ 100 mil para o caixa 2 de sua campanha eleitoral. Otoni, aliás, está na lista da PF de beneficiários do jogo do bicho. Foi denunciado que o senador Demóstenes Torres recebia 30% do faturamento da jogatina comandada por Cachoeira. Só que esse montante, na verdade, era repartido entre os deputados Leréia (PSDB), Jovair Arantes (DEM) e o próprio Rubens Otoni, segundo as investigações.
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O caso mais flagrante, talvez, seja o repasse de R$ 26,2 milhões feito pela Delta à empreiteira Alberto e Pantoja Construções. Sem negócios reais e funcionando num endereço fictício, a empresa destinou R$ 17,8 milhões às companhias Midway Int. Labs. e Rio Vermelho Dist., que injetaram capital na campanha do deputado federal Sandes Júnior (PP-GO), do ex-senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), do governador Marconi Perillo (PSDB-GO) e da vereadora Miriam Garcia (PSDB-GO). Também foram beneficiados políticos do Distrito Federal, de Pernambuco e São Paulo. Já a Emprodata Administração de Imóveis, também uma empresa de fachada, repassou ao menos R$ 100 mil à Asfalto Brasília Ltda., que injetou R$ 175 mil na campanha da deputada Jaqueline Roriz (PMN).

Outra empresa do esquema, a MZ Construções efetuou depósitos de R$ 520 mil na conta da Negocial Fomento Mercantil, que doou R$ 20 mil para a campanha do deputado federal Augusto Coutinho (DEM-PE). A gráfica Laser Press, também usada pela quadrilha, foi doadora da campanha do deputado Edson Aparecido (PSDB-SP). O argumento usado pela Delta é de que tais repasses não têm relação com as campanhas políticas, são apenas pagamentos a alguns dos milhares de fornecedores da empresa. Faria sentido, não fosse a proximidade de Carlinhos com a empreiteira.

Por fim, o levantamento da Operação Monte Carlo também indica que Cachoeira passou a investir em imóveis rurais para a criação de gado, recurso usado como meio para a lavagem e evasão de capitais. Seu patrimônio inclui ao menos 31 imóveis, incluída aí uma fazenda de gado nelore. Cachoeira também vinha fazendo investimentos pesados em empreendimentos imobiliários, turísticos e até na implantação de cidades. A preferência é por áreas ainda não regularizadas, pelas quais ele poderia subornar autoridades e servidores para conseguir a regularização e depois revender o imóvel com uma valorização exponencial. Um dos maiores negócios na mira de Cachoeira é uma fazenda de dez milhões de metros quadrados no Distrito Federal. A área está sendo cogitada a abrigar uma extensão da cidade-satélite de Vicente Pires. Num diálogo interceptado pela PF, Gleyb Ferreira, gerente do esquema Cachoeira, trata da negociação com um grupo de São Paulo de metade da fazenda, avaliada em R$ 1,07 bilhão e cuja regularização será acertada com a Terracap na base da propina. Outra parcela estaria sendo negociada com o grupo Brookfield, que, segundo suspeita a PF, teria o ex-governador José Roberto Arruda como representante informal no DF. “Se o pessoal da Brookfield também abrir as pernas e começar com muito rolo, eu passo para São Paulo”, diz Gleyb.
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