Enfraquecida, a guerrilha colombiana põe fim a dez dos sequestros mais longos da história e abre espaço para negociar com o governo
Mariana Queiroz Barboza
REENCONTRO
Familiares comemoram a chegada dos reféns libertados,
após mais de 10 anos, ao aeroporto de Villavicencio. Abaixo,
os cumprimentos do presidente Juan Manuel Santos, em Bogotá
"A chave da paz seguramente pertence ao presidente, mas a fechadura pertence ao povo." Foi com essa mensagem, divulgada pela ex-senadora colombiana Piedad Córdoba, que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) encerraram a libertação dos últimos dez presos políticos que estavam sob seu poder. Foram necessários 55 minutos de viagem de canoa pelo rio Guaviare – um espaço de tempo ínfimo para pessoas que passaram mais de dez anos, em alguns casos 14, encarceradas pela guerrilha – até que os quatro militares e seis policiais chegassem ao ponto onde um helicóptero Cougar do Exército brasileiro os esperava, na fronteira entre os departamentos de Guaviare e Meta, sudeste do país. A decisão unilateral das Farc de libertar esses prisioneiros cumpre o anúncio feito em 26 de fevereiro, quando a organização terrorista prometeu encerrar a captura de civis para fins financeiros. Para o pesquisador colombiano Jesus Izquierdo, autor do livro “Meninos Não Choram – A Formação do Habitus Guerreiro das Farc-EP”, as iniciativas indicam boa disposição política para negociar com o governo. “Os sequestros políticos não exercem mais pressão”, disse à ISTOÉ. “O governo nunca mexeu um dedo para liberar esses reféns, pois não eram de seu interesse. Se fossem empresários, a história seria outra.”
O maior grupo rebelde da Colômbia realizou dezenas de sequestros no fim dos anos 1990, quando dominava quase metade do interior do país e detinha enorme força política. Os alvos dos atos terroristas eram, principalmente, militares e políticos, que poderiam ser utilizados como moeda de troca por guerrilheiros presos. Em 2001, estima-se que a guerrilha marxista tenha chegado a 16 mil membros. Após perdas importantes, como as dos líderes Manuel Marulanda Vélez, o Tirofijo, e Raúl Reyes, em 2008, e o assassinato do chefe militar, Víctor Julio Suárez Rojas, em 2010, as Farc perderam força. Hoje, o número de integrantes é calculado em cerca de oito mil e os sequestros caíram 93% desde 2002. Alguns estudiosos argumentam que isso é reflexo das ações de defesa das autoridades e que as Farc têm buscado novas fontes de recursos, menos custosas, como a mineração clandestina e o tráfico de drogas. Jesus Izquierdo diz que a guerrilha já passou por momentos negativos, mas voltou a se reerguer. “Entre 1968 e 1972, ela foi duramente atacada pelo Estado e quase foi aniquilada”, afirma. “A guerrilha opera em áreas marginalizadas do país, onde vai sempre se reabastecer de novos componentes. A única forma de acabar com ela é eliminando a pobreza estrutural da Colômbia.”
No papel de principal mediadora entre as Farc e a comunidade internacional, Piedad Córdoba narrou em tempo real o resgate pela rede de microblog Twitter. “As coordenadas só me são entregues momentos antes de subir nos helicópteros e só as entrego aos pilotos no ar”, publicou no início da tarde da segunda-feira 2. Ao ver a aeronave estacionada, a reação imediata dos prisioneiros, que levavam para casa animais selvagens como macacos e pássaros, foi de “pura alegria”, afirmou Thomas Ess, delegado da Cruz Vermelha. “Foi a primeira vez em muito tempo que eles puderam tocar a liberdade”, disse Ess.
Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, o sargento Robinson Guarín, sequestrado em 1998, afirmou que os ex-reféns só souberam de sua libertação ao ouvir um boletim de notícias que interrompeu a partida de futebol que acompanhavam. Os militares foram recebidos pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. “Queremos demonstrações mais confiáveis de boa vontade”, disse Santos. “Tomara que sejam os últimos sequestrados das Farc e que cumpram a palavra de não voltar a sequestrar.” Não se sabe ao certo quantos civis as Farc ainda possuem aprisionados, mas a fundação País Libre calcula em 405. Especulações de que um acordo de paz estaria próximo circularam pela imprensa colombiana na semana passada, mas Santos disse que é precoce acreditar nessa possibilidade.
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