Projetos em Londres e no Qatar separam
fisicamente bicicletas de carros e reforçam tese da impossibilidade de
coexistência entre ciclista e motorista nas vias públicas
Edson Franco
PROTEGIDOS
Até 2015, os londrinos vão pedalar em cilindros suspensos, acima dos carros
Em junho deste ano, o filme “E.T. – O Extraterrestre” completou 30
anos. Dirigido por Steven Spielberg, o longa perpetuou na memória
coletiva a antológica cena das bicicletas voadoras. Quando o blockbuster
estreou, o designer neozelandês Sam Martin tinha apenas dez anos.
Agora, três décadas depois, ele lançou um sistema que se inspira no
filme, torna mais seguro o deslocamento de ciclistas e promete
transformar Londres na capital mundial das bicicletas voadoras.
Batizado de SkyCycle, o projeto se baseia na construção de ciclovias
acopladas a vias suspensas já existentes, como viadutos e ferrovias. A
ideia original apareceu na dissertação de mestrado de Oli Clark, sócio
de Martin na empresa de planejamento urbano Exterior Architecture, com
sede em Londres. A junção de simplicidade de conceito com beleza
estética e eficiência na proposta angariou um aliado fundamental.
Entusiasmado, o prefeito de Londres, Boris Johnson, chamou os dois
idealizadores ao seu escritório. Na companhia do secretário de
Transportes, o prefeito ouviu detalhes e decidiu organizar novas
reuniões para a possível implantação do projeto. “Tenho esperança de
que, em cinco anos, o SkyCycle já esteja plenamente instalado em
Londres”, disse Martin à ISTOÉ.
Até lá, alguns ajustes finos têm de ser feitos. Os idealizadores e o
poder público ainda estudam se é melhor fazer um tubo cercado de vidro
ou de outro material mais poroso, que facilitaria a ventilação da
ciclovia. A maior tachinha no caminho da ciclovia suspensa, no entanto, é
a negociação com os donos dos terrenos e obras pelas quais o projeto
irá passar. “Precisamos identificar quem são os diversos proprietários e
convencê-los a se engajar no projeto”, diz Martin. Sem isso, os custos
seriam proibitivos. Os proprietários que mais interessam são aqueles que
detêm os direitos sobre as ferrovias suspensas. Comandantes de um
sistema que recorta vários pontos da cidade, eles vão facilitar muito as
coisas nos momentos em que, para a construção da ciclovia, seja
necessária a caríssima operação de fechar uma ferrovia por um tempo.
Outro projeto de ciclovia que isola fisicamente ciclistas e
motoristas será implantado em Doha, capital do Qatar. Ali, além de lidar
com o problema do trânsito, os projetistas enfrentaram um desafio bem
maior: como refrescar a ciclovia num lugar do mundo em que os
termômetros podem bater na casa dos 50ºC? “Criamos um ambiente de
temperatura controlada. Isso inclui a cobertura e um sistema de
resfriamento que usa energia solar e águas subterrâneas”, afirma Adnan
Rahman, que participou da concepção do projeto e hoje é o responsável
pela filial holandesa da Cambridge Systematics – empresa que desenvolve
soluções para transporte.
Serão cerca de 35 km de ciclovia contornando a orla de Doha e
avançando pelo centro da cidade. Mais do que uma forma de integrar o
sistema de transporte, o projeto é fruto de outra demanda. Ao notar que
aumentava o número de casos de problemas cardiovasculares entre a
população adulta e que as crianças estavam obesas, o emir Hamad bin
Khalifa al Thani resolveu colocar todo mundo para pedalar. Fez duas
exigências aos projetistas: conforto e segurança. Optou-se pela ciclovia
fechada.
Nem sempre isolar os ciclistas em redomas inexpugnáveis é uma saída
possível. “Nesses casos, é preciso trabalhar para que a bicicleta
adquira o real status de meio de transporte. Ajuda se o número de
ciclistas aumentar a ponto de eles se tornarem parte permanente do
cenário”, diz Rahman. Mesmo em locais assim, a solução mais comum é o
isolamento: “Aqui na Alemanha, onde há 57 mil quilômetros de ciclovias e
muita gente de bike, é tudo segregado. Os motoristas não gostam de
dividir as ruas”, diz Renata Falzoni, videorrepórter e cicloativista que
percorria cidades alemãs na semana passada. Mais um indício de que,
talvez, a melhor saída para a convivência entre ciclistas e motoristas
seja mesmo a separação de corpos.
Larissa Veloso
Foto: divulgação
Fotos: Exclusivepix/IBERPRESS; divulgação
Nenhum comentário:
Postar um comentário