Documentos da Justiça revelam que a organização criminosa paulista passou a atuar em todo o Brasil,
e autoridades responsáveis pela segurança nos outros Estados unem forças para evitar seu crescimento
Flávio Costa
EXPORTAÇÃO
Marcola, líder da facção: convivência na prisão gerou filhotes do PCC em vários Estados
Integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) que assaltam bancos
no Nordeste, onde distribuem armas e drogas para traficantes locais.
Tabletes de maconha apreendidos com a sigla do “Partido do Crime” em
cidades de Minas Gerais. Assaltantes de caixa eletrônico “batizados” em
presídios de Santa Catarina e, posteriormente, treinados por comparsas
paulistas. Os casos relatados acima são alguns exemplos recentes dos
tentáculos do maior e mais organizado grupo criminoso do Brasil além das
fronteiras de São Paulo. O último episódio foi uma rebelião na Casa de
Custódia de Teresina, no Piauí, ocorrido na semana passada. O líder,
José Ivaldo Celestino dos Santos, é membro do PCC, segundo o secretário
de Justiça do Piauí, Henrique Rebelo, que já tentou, sem sucesso,
transferi-lo para um presídio federal. Um levantamento realizado pelo
procurador paulista Márcio Sérgio Christino mostra as digitais da facção
em dezenas de processos criminais existentes em tribunais de norte a
sul do País. “Os documentos são uma indicação de ações do PCC em outros
Estados”, diz o procurador, especialista em combate ao crime organizado.
A principal forma de aproximação entre integrantes da facção paulista
e criminosos de outros Estados é a convivência no sistema
penitenciário. No Maranhão, por exemplo, foi criado o Primeiro Comando
do Maranhão (PCM) nas prisões estaduais. “Isso aconteceu depois que
presos maranhenses em presídios federais estabeleceram relações com
membros do PCC”, diz Aluísio Mendes, secretário de Segurança Pública do
Maranhão. Há dois anos, 18 integrantes do PCM são mantidos em
isolamento. Há três semanas, Ivo Maranhão e Gustavo Alves Feitosa, ambos
integrantes da facção paulista, foram presos na cidade de Imperatriz
(MA), após uma série de roubos em agências bancárias no Pará, Tocantins e
Piauí. Com essa aproximação, nos últimos anos surgiram espécies de
franquias do crime, a exemplo da Comissão da Paz, na Bahia, ou Al-Qaeda,
na Paraíba. Não significa que o PCC domina o submundo desses locais, e
sim que exerce influência por meio de parcerias criminosas. Somente este
ano, operações da Polícia Federal prenderam membros da quadrilha no
Acre, Pará e em Mato Grosso do Sul.
Os primeiros sinais de expansão do PCC foram detectados oficialmente na
CPI do Tráfico de Armas, em 2006, quando surgiu a informação de que o
líder do grupo, Marcos Williams Herbas Camacho, o Marcola, havia
designado o traficante Sidnei Romualdo, paraibano criado em Diadema
(SP), para liderar as ações no Nordeste. Ele foi preso em Pernambuco,
mas a expansão não se deteve.
Sentenças de desembargadores alagoanos mostram que nos últimos três
anos seis bandidos do PCC foram transferidos de Alagoas para presídios
federais. É o caso de Luciano Soares da Rocha, que comandava o tráfico
em União dos Palmares (AL), e está preso há três anos. Além disso, uma
decisão do tribunal do Rio Grande do Norte afirma que o traficante
Olívio Bezerra Queiroz, detido no ano passado, associou-se a um
tesoureiro do PCC para chefiar uma quadrilha interestadual de tráfico de
entorpecentes com atuações também no Ceará e na Paraíba.
“Os atentados em São Paulo em 2006 fizeram com que o PCC ganhasse
prestígio pelo País, mas há lugares onde a influência é nula, como no
Rio de Janeiro”, diz Guaracy Mingardi, que coordenou por oito anos o
setor de Inteligência do Ministério Público e é ex-subsecretário
Nacional da Segurança Pública. “A presença é mais sólida nas cadeias do
Paraná, de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Estados essenciais para
controle de rotas de tráfico de drogas e armas.” Como controla boa parte
do comércio de entorpecentes em São Paulo, onde estão os aeroportos,
rodovias e porto mais movimentados do País, o PCC é o fornecedor
principal das quadrilhas nordestinas. “A chegada de pasta de coca à
Bahia e sua distribuição para os traficantes passa, invariavelmente, por
membros ligados ao PCC”, afirma o promotor Ariovaldo Figueiredo, chefe
do grupo de combate ao crime organizado do MP baiano. Na própria disputa
por venda de drogas no Estado há digitais paulistas. “Facções
criminosas locais, inclusive com apoio do PCC, travam uma guerra urbana e
o resultado pode ser contabilizado numa sangrenta matança”, afirma
Figueiredo. O número de homicídios na Bahia aumentou mais de 450%, no
período 1999-2010, segundo o Mapa da Violência, do Instituto Sangari.
Existe outra modalidade de aproximação entre o PCC e a bandidagem
local: o ensinamento de técnicas criminosas por especialistas de São
Paulo. Em maio, o líder de uma quadrilha de assaltantes de caixas
eletrônicos em Santa Catarina, José Luiz Freitas, 34 anos, recebeu
treinamento de colegas paulistas em um sítio em Itajaí. Obteve também
armamento, munição e o TNT em gel para explodir os terminais. Freitas
entrou para o grupo há quatro anos. “Parte do dinheiro arrecadado nas
ações, que variava de 40% a 50% do valor de cada roubo, era enviado ao
PCC”, diz o delegado Diego Azevedo, que o prendeu. Em Santa Catarina,
documentos da Justiça estadual revelam que foi criado, há pelo menos
sete anos, o Primeiro Grupo Catarinense, ligado à cúpula do PCC.
Por mais que seja minimizada pelas autoridades da segurança pública de
São Paulo, a ascensão do PCC ainda se concentra em território paulista,
onde está presente em pelo menos 123 cidades, segundo documentos em
posse do Ministério Público. Mas sua expansão causa preocupação a
autoridades de outros Estados. ISTOÉ apurou que as polícias de Minas
Gerais, Paraná, Santa Catarina e São Paulo trocam informações frequentes
sobre o grupo. O Conselho de Secretários de Segurança do Nordeste, por
sua vez, já debateu a presença do PCC na região. “A colaboração tem sido
intensiva para evitar que o PCC seja tão forte quanto é em São Paulo”,
diz o secretário do Maranhão, Aluísio Mendes.
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