JOGANDO CONTRA
Atitude de Marta Suplicy contribuiu para atrapalhar
a celebração de alianças pela candidatura do PT
É comum ao político que perde a capacidade de influir nos destinos de
seu próprio partido, coleciona derrotas e acumula mágoas reagir se
contrapondo aos líderes ascendentes simplesmente para marcar posição.
Assim vem agindo a senadora Marta Suplicy (PT-SP) desde que foi alijada
da disputa pelo governo paulista em 2010. No sábado 2, porém, a
senadora passou da fronteira que delimita as brigas internas para adotar
um comportamento autofágico. Sob o comando do marqueteiro João Santana,
o PT havia preparado uma superprodução para formalizar a candidatura de
Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo, principal aposta do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2012. Foram fechados dois
andares do Expo Center Norte, um dos maiores centros de convenções da
capital paulista. Cerca de 1,2 mil militantes e aproximadamente mil
delegados do partido assistiam aos discursos inflamados de ministros e
parlamentares transmitidos em tempo real em enormes telões e aguardavam a
presença da senadora e ex-prefeita de São Paulo. Apesar de, nos últimos
anos, Marta Suplicy ter presenciado o declínio de seu poder dentro da
legenda, o presidente Lula faz questão de tratá-la como uma das maiores
estrelas da campanha, ao lado dele próprio e do pré-candidato Haddad. A
ex-prefeita havia confirmado presença. No entanto, não deu o ar da
graça. Para os líderes petistas, o recado foi claro: Marta não pretende
gastar seu salto em uma campanha em que foi preterida.
Durante o encontro, correligionários ligavam sem sucesso para o celular
de Marta. A resposta para a ausência só veio na segunda-feira 4: “Um
impedimento de caráter privado impossibilitou a senadora Marta Suplicy
de comparecer ao evento”, tentou esclarecer a ex-prefeita por intermédio
de sua assessoria. Coube ao presidente do PT paulista, Edinho Silva,
cobrá-la publicamente: “A Marta está errando politicamente”, declarou.
“Sua ausência materializa algo muito grave. Ela renuncia a sua liderança
política no momento em que o PT mais precisa dela.” De fato, o
comportamento de Marta só contribui para tumultuar a eleição e
dificultar a celebração de alianças pela candidatura do PT à Prefeitura
de São Paulo. Sem querer falar com a imprensa, a senadora reapareceu
publicamente, na terça-feira 5, no Congresso, distribuindo beijinhos.
Pegou mal. “Se nem a Marta acredita na viabilidade de Haddad, por que os
partidos aliados iriam entrar nessa canoa?”, perguntam-se companheiros
de primeira hora ligados ao PCdoB. Na quarta-feira 6, Marta voltou a
criticar a candidatura de Haddad. Disse que sua ausência no evento do
sábado transmitia a indignação. A senadora complementou ainda que só
entraria na campanha após o começo do horário eleitoral.
DE CIMA PARA BAIXO
O PT está cada vez mais refém das decisões do ex-presidente Lula
Como consequência do comportamento de Marta, o PT chegou à
quinta-feira 7 sem ter fechado nenhuma aliança formal em São Paulo.
Desencorajados pela atitude da senadora, até parceiros tradicionais
resistem a apoiar Haddad, como o PCdoB, por exemplo. Outras agremiações
como o PR e o PP, integrantes da base de sustentação ao governo federal,
já anunciaram apoio ao principal adversário, o candidato José Serra. A
expectativa é de que o PSB declare apoio formal nos próximos dias. Mas
para atrair os socialistas ao palanque de Haddad foi preciso uma
intervenção pesada no diretório do Recife.
Na capital de Pernambuco, o atual prefeito, João da Costa, havia vencido
o secretário estadual Maurício Rands nos votos dos militantes. A
prévia, porém, foi anulada. Pouco palatável para o governador Eduardo
Campos (PSB) e lideranças petistas, como Lula, João da Costa sofreu
pressão para desistir de sua candidatura em favor do senador Humberto
Costa. Como ele não aceitou, a Executiva Nacional do PT marcou uma
reunião na terça-feira 5 para discutir uma saída. Em defesa da
manutenção da candidatura, militantes fizeram vigília até a divulgação
da decisão da cúpula petista. Prevaleceu, no entanto, a posição da
direção do partido: o senador Humberto Costa será o nome nas urnas. Em
troca, o PSB promete apoiar Haddad à Prefeitura de São Paulo, o que, se
confirmado, será menos um desfalque na complicada tarefa do PT de
sacramentar alianças, que as atitudes de Marta Suplicy, até agora, só
têm atrapalhado.
INTERVENÇÃO
Embora tenha vencido as prévias, o prefeito do Recife, João da Costa (abaixo),
viu a Executiva Nacional do PT impor o nome do senador Humberto Costa
A avaliação no PT é de que Marta Suplicy parece não reconhecer a sua
atual posição política. Ainda se comporta como em 2001, quando comandava
a maior máquina administrativa do PT, a cidade de São Paulo. De lá para
cá, a senadora foi derrotada duas vezes nas eleições para o Executivo
paulistano, assistiu à escalada da legenda ao governo federal e
acompanhou o esfacelamento do seu grupo político, que chegou a ser um
dos mais fortes dentro do Partido dos Trabalhadores. Hoje, já não exibe
as mesmas credencias que forçavam correligionários a se submeter às suas
vaidades. Marta age como se estivesse no antigo PT, sobre o qual
exercia influência e cuja militância tinha voz ativa no partido.
Atualmente, o ex-presidente Lula e a cúpula partidária imprimem de
maneira cada vez mais forte suas digitais nas decisões da legenda,
sobrepondo-se em muitos casos à histórica militância. Para o analista
político e professor da USP Gaudêncio Torquato, no cenário atual não há
espaço para confrontar Lula ou a direção do PT. Mais cedo ou mais tarde,
Marta terá de aderir à campanha de Haddad. “Se ela não entrar, será
alijada do partido”, explica. Ou seja, ao fim, um apoio constrangido de
Marta a Haddad pode jogar politicamente contra ela; e uma derrota na
capital paulista, ao contrário do que ela imaginava, seria debitada na
sua conta.
Outro retrato desse novo PT ao qual Marta ainda não conseguiu se
adaptar é Belo Horizonte. Lá, o vice-prefeito e presidente do diretório
municipal do PT, Roberto Carvalho, critica o apoio à reeleição de Márcio
Lacerda (PSB) sacramentado em uma decisão acirrada num enlace político
com a presença do PSDB. O acordo foi outra exigência feita pelo
presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, para entrar na coligação de
Haddad. Defensor da candidatura própria, o vice-prefeito diz que a tese
não prosperou graças à pressão do comando petista. “O Rui Falcão
(presidente nacional da sigla) veio aqui dois dias antes da decisão e se
declarou favorável à aliança”, explica. “É, no mínimo, um desrespeito
com a militância.” Segundo Roberto Carvalho, o presidente Lula também
mobilizou o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e o
ex-ministro Patrus Ananias para pressionar os delegados partidários.
Como resposta, parte da militância criou um movimento intitulado
“resposta petista”. “O que está acontecendo é a velha política de
caciques. Não o PT que fundamos”, sintetiza. “Queremos aquele partido de
participação popular”, complementa o vice-prefeito, com a experiência
de quem diz ter passado por uma autocrítica após ter defendido a aliança
com os socialistas em 2008. Só que aquele partido, que povoa a
lembrança dos militantes e do vice-prefeito de Belo Horizonte, não
existe mais. Marta Suplicy também precisa entender a nova circunstância.
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