As duas imagens abaixo são símbolos poderosos da cena política brasileira. Elas escracham o que significam hoje as negociações para a construção de alianças eleitorais: um verdadeiro mercado de compra e venda
Alan Rodrigues e Pedro Marcondes de MouraTOMA LÁ
Lula e o candidato do PT, Fernando Hadadd, tiveram
que ir até a casa de Paulo Maluf para selar o apoio
DÁ CÁ
José Serra recebe como companheiro o ex-ministro Alfredo Nascimento,
demitido por Dilma após denúncias de corrupção
Ao longo de toda a sua trajetória política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entoou que Paulo Maluf representava o que havia de pior na política. Na segunda-feira 18, porém, depois de um acordo que garantiu ao deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) um cargo no Ministério das Cidades, Lula selou uma aliança com o antigo inimigo. Em troca do apoio de Maluf, do seu partido, o PP, e de preciosos 1min30s no horário eleitoral, Lula e Fernando Haddad, candidato a prefeito de São Paulo, aceitaram posar para fotos ao lado do parlamentar, numa cena capaz de enrubescer até o mais pragmático petista. A fotografia não reflete apenas um estilo petista de fazer política, mas ilustra uma prática dos tempos atuais, em que vale tudo para celebrar alianças, ganhar mais tempo na tevê, adquirir musculatura eleitoral e triunfar nas urnas.
Principal adversário de Fernando Haddad à prefeitura paulistana, o tucano José Serra também tinha buscado o apoio malufista. Não conseguiu, porque o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, teria se recusado a nomear um apadrinhado de Maluf na máquina estadual. No início deste mês, no entanto, Serra também já havia mandado a coerência às favas em troca dos mesmos 1min30s no horário eleitoral. Na segunda-feira 4, recepcionou o PR em sua coligação. A formalização da aliança, como no caso do PT, também teve direito a fotos ao lado do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, o mesmo que, em julho de 2011, havia sido alvo de um pedido de investigação do PSDB, partido de Serra, por conta das denúncias de corrupção na pasta comandada por ele. Também alvo da representação tucana de 2011, o deputado federal pelo PR, Valdemar Costa Neto, não compareceu ao evento. Mas é notório que ele foi um dos arquitetos da aliança do seu partido com Serra.
IMPACTO
O petista Fernando Haddad não contava com a reação negativa da foto com Maluf
O candidato tucano, porém, não se
constrange nem com o fato de que Costa Neto é um dos réus da ação penal
do mensalão. “As alianças foram feitas com partidos, não com pessoas”,
tentou justificar Serra. Na realidade, a polêmica união levou em conta
apenas o tempo de tevê. Graças à aliança com o PR, Serra passou a
contabilizar 6 min 43s de programa eleitoral. “Hoje a política é baseada
na mídia. Nessa realidade, o tempo de propaganda eleitoral é o ativo
mais forte”, diz o consultor político Gaudêncio Torquato. Professor da
USP, Torquato avalia que, quanto maior o tempo no programa eleitoral,
mais visibilidade e influência junto ao eleitorado tem um candidato.
Orientados pelo marqueteiro João Santana, que comandou a vitoriosa campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República, Lula e Haddad, ao fecharem a aliança com o PP de Paulo Maluf, adotaram essa mesma lógica, que permeia as disputas eleitorais atualmente. À luz do marketing político, a negociação foi mais do que bem-vinda. O acordo elevou o tempo de Haddad, neófito em campanhas eleitorais, para 7min51s, mais sete inserções diárias de 15 segundos. Uma rápida simulação mostra que, num plano de mídia privado, o tempo que o PP repassa ao PT custaria cerca de R$ 6 milhões. “Seria o suficiente para fazer o lançamento de um grande produto. Esse volume, bastante significativo, é comparável a um lançamento”, diz Roberto Souza Lima, diretor de mídia da Giovanni+Draftfcb. O tempo que Haddad terá à disposição no horário eleitoral será capaz de atingir mais de 70% da população da Grande São Paulo, o que equivale a 13,2 milhões de pessoas.
Orientados pelo marqueteiro João Santana, que comandou a vitoriosa campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República, Lula e Haddad, ao fecharem a aliança com o PP de Paulo Maluf, adotaram essa mesma lógica, que permeia as disputas eleitorais atualmente. À luz do marketing político, a negociação foi mais do que bem-vinda. O acordo elevou o tempo de Haddad, neófito em campanhas eleitorais, para 7min51s, mais sete inserções diárias de 15 segundos. Uma rápida simulação mostra que, num plano de mídia privado, o tempo que o PP repassa ao PT custaria cerca de R$ 6 milhões. “Seria o suficiente para fazer o lançamento de um grande produto. Esse volume, bastante significativo, é comparável a um lançamento”, diz Roberto Souza Lima, diretor de mídia da Giovanni+Draftfcb. O tempo que Haddad terá à disposição no horário eleitoral será capaz de atingir mais de 70% da população da Grande São Paulo, o que equivale a 13,2 milhões de pessoas.
LIMITES
Luiza Erundina diz que Lula “foi longe demais”
O vale-tudo eleitoral, que tem transformado muitas legendas – existem 29 partidos no Brasil – em organizações políticas de aluguel, não se restringe à eleição em São Paulo. Dissemina-se pelos quatros cantos do País. Em Maceió, por exemplo, Ronaldo Lessa, do PDT, aliou-se ao antigo rival Fernando Collor de Mello (PTB) e levará ao seu palanque o senador Renan Calheiros (PMDB), além do PCdoB. Em Belo Horizonte, o atual prefeito, Márcio Lacerda (PSB), montou um palanque com nada menos que 25 agremiações. Uma salada ideológica que reúne socialistas, liberais, tucanos e petistas. Poucos acordos, porém, chamam a atenção como a tentativa de Anthony Garotinho (PR) e Cesar Maia (DEM) de retornarem à cena política no Rio de Janeiro com uma chapa estrelada por seus filhos. Ambos marcaram suas carreiras em duros embates recheados de acusações de corrupção. Agora, com as bênçãos dos pais, o deputado federal Rodrigo Maia (DEM) e a deputada estadual Clarissa Garotinho estarão juntos na corrida à Prefeitura do Rio. Para o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB), alianças como essas mostram o esvaziamento ideológico dos partidos políticos brasileiros. “Hoje, temos mais de duas dezenas de legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Obviamente, não existem tantas ideologias no mundo todo para isso”, explica. O que existe, segundo ele, é um festival de interesses pessoais. “Lula e Maluf são donos de partidos, só isso”, analisa Octaciano.
ABRAÇO ALAGOANO
Lessa e Collor, agora juntos em nome do poder local
Nessa realidade em que tempo de tevê e
distribuição de cargos ocuparam o lugar das ideias e dos programas de
governo, fica cada vez mais difícil para o eleitor enxergar diferenças
entre as legendas ou os políticos. “Isso contribui para o sentimento de
descrença nos partidos e em seus agentes”, analisa o cientista político
Marco Antônio Carvalho, professor da Fundação Getulio Vargas. Não à toa,
o desinteresse pela política torna-se cada vez mais evidente.
Consultados por ISTOÉ, cinco especialistas de instituições diferentes
foram unânimes em pregar a necessidade de uma reforma política que
contemple mudanças na estrutura eleitoral brasileira. Entre as soluções
apontadas estão a redução, de forma drástica, do número de agremiações.
Uma lei aprovada em 1995 determinava que só os partidos que obtivessem
5% dos votos poderiam assumir cadeiras no Legislativo e ter acesso ao
tempo de tevê e ao Fundo Partidário. A chamada cláusula de barreira,
porém, foi considerada ilegal pelo STF e os atuais parlamentares, não
por acaso os que mais se beneficiam do sistema atual, não se opuseram.
“Temos de limitar o número de partidos para que as legendas tenham
representatividade ideológica”, defende Octaciano Nogueira. Outra
maneira de reverter esse quadro seria acabar com as coligações. Dessa
forma, os partidos seriam proibidos de formar alianças nas disputas para
deputado e vereador.
A obrigatoriedade de que as coligações sejam feitas com base em programas e projetos, e não fundamentadas em meras conveniências eleitorais e partidárias, é outro caminho apontado por cientistas políticos para a mudança do atual cenário. A regra aplicada hoje é um convite para o mercado de compra e venda de apoios, prática que está na origem dos maiores escândalos da história recente do País. O mensalão, por exemplo, começou na construção da aliança para alçar Lula ao Palácio do Planalto. Para construir a coalizão, o PT, tendo o ex-ministro José Dirceu como intermediário, ofereceu a vice-presidência ao PL, hoje PR que está aliado a Serra na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em troca de financiamento de campanha. O dinheiro, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República, seria ilegal. “Os conchavos em troca de tempo no horário eleitoral precisam ser revistos. É fundamentalmente por ele que se opera este esquema fisiológico do vale-tudo”, prega Marco Antônio Carvalho, da Fundação Getulio Vargas. Como se vê, proliferam boas ideias para mudar as práticas políticas no País. A perpetuação do vale-tudo, no entanto, interessa aos que fazem parte e se beneficiam do atual sistema político-eleitoral.
A obrigatoriedade de que as coligações sejam feitas com base em programas e projetos, e não fundamentadas em meras conveniências eleitorais e partidárias, é outro caminho apontado por cientistas políticos para a mudança do atual cenário. A regra aplicada hoje é um convite para o mercado de compra e venda de apoios, prática que está na origem dos maiores escândalos da história recente do País. O mensalão, por exemplo, começou na construção da aliança para alçar Lula ao Palácio do Planalto. Para construir a coalizão, o PT, tendo o ex-ministro José Dirceu como intermediário, ofereceu a vice-presidência ao PL, hoje PR que está aliado a Serra na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em troca de financiamento de campanha. O dinheiro, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República, seria ilegal. “Os conchavos em troca de tempo no horário eleitoral precisam ser revistos. É fundamentalmente por ele que se opera este esquema fisiológico do vale-tudo”, prega Marco Antônio Carvalho, da Fundação Getulio Vargas. Como se vê, proliferam boas ideias para mudar as práticas políticas no País. A perpetuação do vale-tudo, no entanto, interessa aos que fazem parte e se beneficiam do atual sistema político-eleitoral.
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