Reportagem de VEJA revela que, mais do que o prefeito petista, são apadrinhados de José Dirceu quem dão as cartas em Maricá, município que enriqueceu por estar na rota das novas descobertas petrolíferas
Leslie Leitão
SEMPRE AMIGOS - Dirceu e Sereno rindo à toa em restaurante: agora, Sereno é maricaense desde criancinha
Com pouco menos de 130.000 habitantes, o município de Maricá, a 60
quilômetros do Rio de Janeiro, faz parte de um punhado de localidades
fluminenses que enriqueceram de repente por um capricho da natureza:
está na rota do pré-sal. Por obra e graça da exploração de petróleo, o
orçamento municipal de 200 milhões de reais teve, só nos primeiros três
meses deste ano, um acréscimo de 35 milhões relativos a sua fatia dos
100.000 barris extraídos do campo de Tupi, rebatizado de Lula. É uma
pequena fração de uma bolada que, nos cálculos mais otimistas, pode
beneficiar os cofres maricaenses em até 1 bilhão de reais nos próximos
anos. Como prova do reposicionamento de Maricá na ordem de interesses,
um dos principais caciques do PT, José Dirceu, visitou a cidade pelo
menos duas vezes desde a posse do prefeito petista Washington Siqueira, o
Quaquá, em 2009. Em franca preparação para a reeleição, Quaquá vem
espalhando pelo município cartazes de obras milionárias. Os milhões têm
saído dos cofres da prefeitura, não há dúvida, mas a cidade pouco tem se
beneficiado deles. Nesses três anos e meio, Quaquá e sua turma passaram
a ser alvo de 21 processos e cinquenta inquéritos. No rol de abusos, o
beabá da cartilha da corrupção: improbidade administrativa, danos ao
Erário, prevaricação, peculato, abuso de poder econômico,
superfaturamento, contratação de empresas-fantasma - maracutaias que
podem ter feito evaporar do caixa oficial cerca de 150 milhões de
reais.Ao montar sua máquina administrativa, Quaquá convocou duas pessoas de fora. Uma é Marcelo Sereno, ex-assessor dele mesmo, José Dirceu, nos tempos em que era ministro da Casa Civil. Em 2010, Sereno assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Petróleo de Maricá no lugar de Aleksander Santos, político local que, por sinal, enquanto esteve no cargo, também se aproximou de Dirceu, passando a usar essa relação como cartão de visita nos contatos que fazia. Gostava até de expor em redes sociais fotos desse convívio. Sereno se afastou em abril, para concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores do Rio, mas seus tentáculos na política maricaense continuam firmes. Outro laço do chefão petista no município é com Maria Helena Alves Oliveira, a secretária executiva e de Administração, que tem no currículo cargos semelhantes, sempre por indicação de Dirceu, nas prefeituras de Nova Iguaçu e Manaus. Até Lurian, a filha do ex-presidente Lula, hoje funcionária da prefeitura de São José dos Campos, no interior de São Paulo, já prestigiou Maricá: esteve lá no Carnaval e, três meses depois, foi até agraciada com o título de cidadã maricaense.
A CANETA É DELA - Maria Helena, a outra amiga de Dirceu em Maricá: sua assinatura aparece em vários dos contratos irregulares
Enquanto Quaquá e sua administração se enrolam nas contas públicas, Maricá, a suposta beneficiária dos milhões em royalties, continua a ter serviços públicos abaixo da crítica: 80% das casas sem água encanada, o terceiro pior município do estado na área da saúde, transporte público precário. É comum que moradores caminhem 6 quilômetros até um posto médico e não sejam atendidos. “No mês passado a pediatra estava de férias. Hoje está doente. A verdade é que nunca tem ninguém para atender”, relata Cintia Falcão, 23 anos, mãe de um menino de 1 ano e meio que precisa de uma cirurgia no pé. O dinheiro do petróleo deveria ser, mas não é, garantia de progresso. Pelos cálculos mais otimistas, as reservas do pré-sal podem alcançar 100 bilhões de barris, que, ao preço de hoje, chegariam a 600 bilhões de reais em royalties. No estado do Rio, 87 dos 92 municípios já recebem esses royalties, e em volume cada vez maior: foram 2 bilhões de reais em todo o ano de 2010 - e 1,2 bilhão só no primeiro trimestre deste ano. Mesmo assim, e apenas para ficar em dois exemplos, Guapimirim (50.000 habitantes, 20 milhões de reais em royalties no primeiro trimestre) e Rio das Ostras (105.000 habitantes e quase 80 milhões de reais) amargam, respectivamente, a última colocação e o oitavo pior lugar no indicador de qualidade do Sistema Único de Saúde do estado - um retrato irretocável do atraso. Para onde vão tantos milhões? Em Maricá, processos e inquéritos em profusão falam por si mesmos: para melhorar a vida dos cidadãos é que não é.
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