Parlamentares governistas e da oposição fazem
acordo para evitar depoimentos do ex-governador José Serra e do
homem-bomba do DNIT e mostram que não têm interesse em investigar nada
que a PF já não saiba
Adriana Nicacio
COMPANHEIRISMO
Deputados e senadores da CPI aplaudem depoimentos
de investigados pela Procuradoria-Geral da República e
fazem acordo para não convocar José Serra e Paulo Preto
Na última semana, deputados e senadores deixaram claro que a CPI do
Cachoeira não vai investigar nada além do que já tenha sido descoberto
pela Polícia Federal. Trata-se da primeira Comissão Parlamentar de
Inquérito que se recusa a ouvir denúncias, se nega a convocar
autoridades apontadas como partícipes dos esquemas montados pelo
bicheiro e aplaude depoentes investigados pela Procuradoria-Geral da
República. No salão da CPI, oposição e governistas protagonizam
bate-bocas públicos. Longe dos holofotes, promovem acordos para livrar
seus pares de quaisquer constrangimentos. Um dos blindados é o
ex-governador paulista José Serra (PSDB). No início de maio, reportagem
de ISTOÉ mostrou que Serra foi o responsável pela entrada da Delta, a
empreiteira ligada ao bicheiro, em São Paulo, tanto na prefeitura da
capital como no governo estadual, e que contratos assinados pela
construtora estavam sob investigação do Ministério Público, com indícios
de superfaturamento e de conter aditivos irregulares. Há três semanas, o
ex-diretor do DNIT – departamento do Ministério dos Transportes
responsável pelas estradas – Luiz Antônio Pagot revelou à ISTOÉ que em
2010 foi procurado pelo governo de Serra para liberar aditivos
irregulares a empreiteiras que participaram da construção do eixo sul do
Rodoanel, entre elas a Delta. Ele afirmou que a pressão era exercida
por Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, então diretor da
Dersa, a empresa paulista responsável pelas rodovias. Segundo Pagot, os
empreiteiros lhe disseram que 8% das verbas destinadas ao Rodoanel
alimentariam o caixa 2 das campanhas tucanas: 60% iriam para a de Serra,
20% para a do governador Geraldo Alckmin e 20% para o prefeito Gilberto
Kassab. Nada disso, porém, parece interessar à CPI.
Depois de revelados os esquemas da Delta em São Paulo, o deputado dr.
Rosinha (PT-PR) apresentou dois requerimentos para que a CPI convocasse o
ex-governador José Serra e Paulo Preto. Além das denúncias relativas ao
Rodoanel, o deputado justifica os requerimentos com uma investigação
aberta pelo Ministério Público de São Paulo para apurar indícios de
sobrepreço nas obras de ampliação da Marginal Tietê, realizadas pelo
Consórcio Nova Tietê, do qual a Delta Construções fez parte, num
contrato assinado por Paulo Preto. “Assim que José Serra chegou à
Prefeitura de São Paulo, a Delta passou a prestar serviços ao município
e, quando ele virou governador, suas atividades cresceram no Estado”,
afirma o parlamentar, repetindo as constatações feitas pela reportagem
de ISTOÉ. Os requerimentos de dr. Rosinha, no entanto, foram ignorados
pelos membros da CPI, tanto os da oposição como os da base aliada. Nos
bastidores, deputados tucanos ameaçaram pedir a convocação do
ex-tesoureiro da campanha do PT em 2010, deputado José de Filippi
(PT-SP), caso a base aliada insistisse em convocar Serra para depor. De
acordo com Pagot, o tesoureiro das campanhas petistas o procurou na
condição de responsável pelas obras rodoviárias em todo o País para que
intercedesse junto a empresários pedindo recursos para a disputa
eleitoral. Além de Serra e do tesoureiro do PT, oposição e base aliada
acordaram que Pagot não deve ser convocado.
BLINDADOS
Os governadores Perillo e Queiroz (à dir.) falaram
durante horas, mas foram poupados pela CPI
“Não podemos convocá-lo para atender à ânsia da opinião pública”,
disse o relator, deputado Odair Cunha. “Precisamos ter fatos novos. Se
ele quiser, que faça denúncia à polícia.” De fato, a PF é uma
instituição capacitada para receber denúncias, mas as CPIs só existem
para promover investigações com maior transparência e sem as amarras
burocráticas que muitas vezes retardam o trabalho dos órgãos regulares.
As declarações do relator incomodaram: “O nome disso é medo”, disparou o
senador Pedro Taques (PDT-MT). A convocação de Pagot foi adiada por 17
votos a 13. O ex-diretor do DNIT deveria ser ouvido depois dos
depoimentos dos governadores Marconi Perillo (PSDB), de Goiás, e Agnelo
Queiroz (PT), do Distrito Federal, ambos já apontados nas investigações
da PF e alvo de inquéritos movidos pela Procuradoria-Geral da República.
Apesar de todo o burburinho, a presença dos dois governadores na CPI
nada acrescentou, pois foram visivelmente poupados pelos parlamentares.
Perillo e Queiroz falaram por várias horas e negaram qualquer relação
com Carlinhos Cachoeira e os dirigentes da Delta. Ambos anunciaram que
colocariam à disposição seus sigilos bancário, fiscal e telefônico e
deixaram o plenário em festa, nos braços de seus colegas de partido,
aplaudidos por aqueles que deveriam estar investigando as relações de
seus governos com o esquema criminoso de Cachoeira. O espírito atual da
CPI foi bem sintetizado pelo deputado Sílvio Costa (PTB-PE) ao fim do
depoimento do governador de Goiás, na terça-feira 12. Dirigindo-se a
Perillo, o parlamentar afirmou, referindo-se ao fato de o depoente ter
sido poupado: “O senhor sai dessa CPI maior do que entrou e a CPI sai
menor.” O problema é que, no dia seguinte, o mesmo deputado ajudou a
blindar o governador do Distrito Federal.
Por fim, na semana passada houve outro acordo. Na quinta-feira 14, o
blindado pelos governistas foi o dono da Delta, Fernando Cavendish.
Apesar de na terça-feira 12 a Controladoria-Geral da União declarar a
Delta inidônea (o que significa que está impedida de manter contratos
com a administração pública), depois de apurar irregularidades em
contratos entre a empreiteira e obras do DNIT no Ceará, o empresário foi
poupado pelos parlamentares. Se é assim, para que serve a CPI?
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