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domingo, 10 de junho de 2012

A cidade da Eco-92 e da Rio+20: grandes mudanças, velhos problemas

Na era das UPPs, taxa de homicídios é três vezes menor do que há 20 anos.
Engarrafamentos, saúde e transportes deficientes persistem na capital.

Bernardo Tabak Do G1 RJ
Após duas décadas da Rio-92, ou Eco-92, como também ficou conhecida a conferência que trouxe à tona a pauta do meio ambiente, a capital fluminense viveu diversas transformações. Agora, na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, de 13 a 22 de junho, novamente mais de cem chefes de Estado vão debater o que foi feito nos últimos 20 anos, e o que ainda precisa ser realizado. A mesma reflexão cabe à Cidade Maravilhosa, que passou por muitas mudanças, mas ainda sofre com problemas que persistem desde o século passado.
O avanço tecnológico mudou o dia a dia e o comportamento da população, como ocorreu com a chegada dos telefones celulares ao Brasil. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em 1º de dezembro de 1990, a Telerj Celular começou a operar no país, com cerca de – acredite! - 700 linhas na cidade do Rio. Em 1992, havia 31,7 mil celulares, mas apenas os mais abastados do Rio e os endinheirados do Distrito Federal, que também passou a contar com o serviço, tinham condições de desembolsar milhões de cruzeiros por uma linha e pelo aparelho. Aliás, diferentemente de hoje, quando existem centenas de opções no mercado, em 92 só se podia escolher entre três tipos de celular: o transportável, que obrigava o usuário a carregar uma maleta a tiracolo; o que era instalado nos automóveis; e o portátil, com preços entre Cr$ 3,5 milhões e Cr$ 18 milhões. A linha custava Cr$ 1,8 milhão e a conta ficava em torno de Cr$ 600 mil.
Duarnte a Eco-92, tanques fizeram parte da paisagem do Rio (Foto: Reprodução/TV Globo)Durante a Eco-92, tanques fizeram parte da paisagem do Rio (Foto: Reprodução/TV Globo)
Receita do Rio era de trilhões de cruzeiros
O leitor leu certo: trilhões de cruzeiros. Essa era nossa moeda na época, que ainda viria a se chamar Cruzeiro Real, em 1993, e, finalmente, Real, em 1994. Com isso, a receita total da cidade do Rio, em 1992, era de, exatamente: Cr$ 7.572.481.000.000. Ou seja, astronômicos 7,5 trilhões de cruzeiros, de acordo com a Secretaria Municipal de Fazenda (SMF). Atualizando esse valor pela inflação (IPCA-E) desde então, teríamos R$ 8,01 bilhões, segundo a SMF. Comparados aos R$ 20,5 bilhões do orçamento previsto para 2012, o crescimento real das receitas em 20 anos, acima da inflação, é de 156%, de acordo com a SMF.
E, hoje, não é necessário mais uma fortuna para ser o feliz proprietário de um celular. Existem 250 milhões de linhas no país - mais de uma por habitante -, e as operadoras chegam a oferecer aparelhos de graça. O aumento do número de celulares fez o uso dos telefones públicos, os populares orelhões, cair 40% ao ano desde 2007, segundo a Anatel. Durante a Eco-92, era muito comum o uso de orelhões pelos participantes da conferência e pela imprensa, por exemplo. De acordo com a Anatel, só no Estado do Rio, nos municípios com DDD 21, que inclui a capital, já são mais de 17 milhões de celulares. Não é possível fazer o cálculo percentual do crescimento das linhas, pois as bases de comparação são diferentes, mas, nesses 20 anos, mudou muito a forma de as pessoas se comunicarem.
UPPs reduzem índices de criminalidade
Mas talvez a maior mudança na realidade dos cariocas e demais moradores do Rio, nos últimos 20 anos, tenha ocorrido na segurança pública. As 23 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) já instaladas em 35 favelas, desde 2008, tiraram do jugo do tráfico cerca de 300 mil pessoas.
O projeto foi determinante na queda dos índices de criminalidade. De acordo com a Secretaria estadual de Segurança Pública (Seseg), em 1992, para cada cem mil habitantes foram registradas 64 mortes por homicídio doloso. Esta taxa, hoje, é quase três vezes menor: 23 mortes por cada cem mil pessoas.
“O cenário de 92 para 2012 mudou muito. A grande preocupação era com a segurança pública. Todos os morros da cidade tinham facções criminosas, com armas de guerra, em locais próximos ao trajeto das comitivas”, ressalta Roberto Alzir, superintendente de Planejamento Operacional da Seseg.
Alzir, que já foi major da Polícia Militar e é delegado da Polícia Federal, em breve vai ser nomeado subsecretário de Grandes Eventos, e será responsável pelo planejamento da segurança da Copa do Mundo de 2014, no Rio.
Para Alzir, em 1992 havia a “necessidade de o Estado mostrar força”, por isso, tropas das Forças Armadas, com tanques e veículos blindados, foram utilizados na segurança do Rio.
“O poder paralelo disputava território com o poder constituído”, afirma o superintendente.
Segundo ele, para a Rio+20, a perspectiva é que o aparato seja muito menos ostensivo e belicista do que foi na Eco-92.
“A possibilidade de um contratempo envolvendo, principalmente, a criminalidade comum é muito menor. As ameaças mudaram. Em 92, tínhamos a ameaça local. Hoje, estamos muito pouco focados em segurança pública interna, por conta da inexistência de fuzis nos morros do Centro e da Zona Sul, no trajeto das comitivas”, enfatiza Alzir,  afirmando que hoje temos um grande esquema em função de ameaças externas, como o terrorismo.
“Estamos tomando muito cuidado com essa operação. Qualquer problema na Rio+20 compromete nossa imagem para os eventos futuros. Não podemos falhar”, conclui.
Apesar disso, a segurança pública ainda precisa ser aperfeiçoada no Rio e na Região Metropolitana. Em Niterói, houve aumento dos índices de criminalidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) entende que a cidade que tem mais de dez mortes por cem mil habitantes enfrenta problemas de segurança. Além disso, a instalação das UPPs levou à migração de criminosos para cidades vizinhas, como Niterói, que registrou aumento nos índices de criminalidade.
Problemas na saúde são os mesmos há 20 anos
Além das UPPs, as favelas cariocas também receberam mais gente do que o restante da cidade. De acordo com os censos de 1991 e 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 20 anos, enquanto a população da capital aumentou de 5.480.778 para 6.320.446 - crescimento de 15% -, no mesmo período o número de moradores das favelas subiu de 882.483 para 1.393.314. Apesar de o IBGE ressaltar que as metodologias utilizadas para medir a população nas comunidades foram diferentes, e que no Censo de 2010 foram incluídas mais regiões, se fizermos a conta com os números informados temos um crescimento de 58% dos moradores das favelas. Apesar disso, como há duas décadas, a maioria dessas comunidades ainda sofre com a falta de saneamento e de infraestrutura, como mostram dados do Instituto Pereira Passos (IPP).
Em 1992, pacientes graves atendidos dentro de um carro da família, por falta de ambulâncias (à esquerda) no Hospital municipal Souza Aguiar. Em 2012, um rapaz baleado na mão espera mais de seis horas por atendimento (Foto: Reprodução/TV Globo)Em 1992, pacientes graves atendidos dentro de um carro da família, por falta de ambulâncias (à esquerda) no Hospital Municipal Souza Aguiar. Em 2012, um rapaz baleado na mão espera mais de seis horas por atendimento (à direita) (Foto: Reprodução/TV Globo)
A saúde pública na cidade do Rio também apresenta muitos dos mesmos problemas que há 20 anos, apesar do aumento de 43% do número de leitos nos hospitais municipais: em 1992, eram 2.634 leitos, e hoje são 3.780. “Alerta no Souza Aguiar. Pacientes lotam as enfermarias e o atendimento está em risco. Doentes chegam de todos os lados da cidade”, dizia uma reportagem do RJTV, em 1992. “O resultado são salas lotadas: duas crianças são obrigadas a dividir a mesma cama”, continuava o texto. Em uma reportagem deste ano, o cenário é o mesmo: “Encontramos a Sala Amarela do Souza Aguiar lotada. Não há espaço entre as macas, e os pacientes esperam durante horas por um médico. Falta o básico para o atendimento. Na Emergência, é pior: um homem baleado na mão levou seis horas pra ser atendido.”
Frota de veículos triplicou na capital
Enquanto a população da capital fluminense cresceu 15%, a frota total da cidade, incluídos ônibus, caminhões e motos, aumentou 202%, de 838.521 para 2.529.432 de veículos. Ou seja: a cidade da Rio+20 tem três vezes mais carros, motos, ônibus e caminhões do que a da Eco-92. É de deixar qualquer ambientalista de cabelo em pé. Os engarrafamentos, que já eram comuns há 20 anos tomaram conta, inclusive, das principais vias construídas de lá pra cá: a Linha Vermelha, inaugurada às vésperas da Eco-92, para fazer a ligação do aeroporto internacional ao Centro do Rio; e a Linha Amarela, que liga a Avenida Brasil à Barra da Tijuca, na Zona Oeste, e que foi aberta aos veículos em 1997. “O trânsito está muito ruim”, reclamava um motorista em uma reportagem de 1992. “Não tem como não usar o carro. Moro na Barra da Tijuca e não tem transporte coletivo”, reclama outro motorista, agora, em 2012.
Avenida Armando Lombardi, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, engarrafada há 20 anos (à esquerda), e em 2012 (à direita) (Foto: Reprodução/TV Globo)Avenida Armando Lombardi, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, engarrafada há 20 anos (à esquerda), e em 2012 (à direita) (Foto: Reprodução/TV Globo)
“A cidade mudou muito de 92 pra cá. Ou seja, o Rio passou, violentamente, para a Barra e Recreio dos Bandeirantes”, afirma o engenheiro Alvaro Santos, que foi o coordenador-geral da Eco-92 na área de transportes e das obras de preparação do Riocentro. Do alto dos 70 anos de idade, com a experiência de quem foi secretário estadual e municipal de Transportes e, por duas vezes, presidente do Metrô, Santos enfatiza: “Lamentavelmente, o metrô, que é considerado no mundo inteiro o transporte que efetivamente ajuda a reorganizar a cidade, ficou muito atrasado.”
Metrô não expandiu como poderia
Em 1992, havia 23 estações do metrô, do Engenho da Rainha, no subúrbio, até a Praça Saens Peña, na Tijuca, Zona Norte, e Botafogo, na Zona Sul. O número de composições era suficiente e os passageiros viajavam confortavelmente. “O metrô é o melhor transporte do Rio e do Brasil”, elogiava um passageiro. Hoje, são 35 estações: no subúrbio, foram construídas mais oito, até a Pavuna, e na Zona Sul, mais quatro estações, até Ipanema. Não houve expansão na Zona Norte. Ao longo dos anos, a compra de novos trens não acompanhou o aumento da quantidade de usuários, e o metrô está no limite da capacidade, trafegando superlotado nos horários de pico. “Eu chego no trabalho cheirando mal”, reclama um passageiro, suado devido ao calor que faz dentro dos vagões apinhados de gente.
A diferença entre o metrô confortável de 1992 (à esquerda), e o superlotado de 2012 (à direita) (Foto: Reprodução/TV Globo)A diferença entre o metrô confortável de 1992 (à esquerda), e o superlotado de 2012 (à direita)
(Foto: Reprodução/TV Globo)
De acordo com a concessionária Metrô Rio, três novas composições devem entrar em circulação na Linha 2 em agosto deste ano. Ainda segundo a Metrô Rio, todas as 19 novas composições adquiridas, fabricadas na China, estarão em operação até março de 2013, diminuindo os intervalos entre as viagens de seis para dois minutos.
Alvaro Santos conta que a expansão poderia ter sido maior, já que, enquanto foi presidente do Metrô, construiu, em quatro anos, de 96 até 99, oito estações. Na Linha 1: Cardeal Arcoverde e Siqueira Campos. E Na Linha 2: de Irajá até Pavuna. “Nos 14 anos seguintes, de 1999 a 2012, apenas quatro estações foram construídas. Foi uma pena não terem feito mais cinco ou seis. Fiquei muito triste com isso”, lamenta. “Para quem fez oito estações em quatro anos, não dá pra entender como não se fez mais nada de lá pra cá. Não é questão política, mas técnica”, acrescenta, indignado.
O engenheiro também faz críticas ao atual projeto de expansão do metrô, que consiste em ampliar a Linha 1 de Ipanema até a Barra da Tijuca, via Leblon. Ele diz que os trens vão ficar sujeitos ao tráfego desta linha única e que, nos horários de maior movimento de passageiros, o metrô vai acabar ficando sem fluidez. “O melhor traçado sai de Botafogo, passa pelo Humaitá, Jardim Botânico e chega à Gávea. Aí sim segue para São Conrado e Barra da Tijuca”, explica Santos. “Esta linha iria por baixo do canteiro central da Avenida das Américas, em uma operação público-privada. Poderia colocar estações em shoppings e supermercados. Depois disso, saindo do Cebolão, iria via BRT”, complementa.
Antes e hoje, problemas nos
ônibus, trens e barcas

Reportagens de 20 anos atrás já davam conta de problemas também nos ônibus, nas barcas e nos trens. Superlotação, falta de conservação e, por consequência, de segurança eram as maiores reclamações. Nas barcas, havia coletes salva-vidas com data de validade vencida há anos e a sala de máquinas em péssimo estado. Até hoje ocorrem panes dos motores e algumas barcas já ficaram a deriva, ou acabaram envolvendo-se em colisões.
Em 2012, passageiros chegaram a realizar protestos contra o estado das embarcações, a superlotação e o aumento das passagens. Semanas depois, a Barcas S.A. foi vendida para a concessionária Concer, a mesma que administra a Ponte Rio-Niterói. De imediato, a Concer prometeu comprar novas embarcações. Entretanto, o Ministério Público Estadual vai investigar se compra das Barcas S.A. feriu lei de licitações. Os promotores querem saber se não deveria ter sido feita uma nova concorrência.
Com os ônibus e trens não é diferente. Todos os dias, trabalhadores se espremem em trens e ônibus superlotados na vinda para o Centro, além de sofrer com a falta de ar-condicionado e com as não raras quebras. A demora entre as viaagens também é uma reclamação constante. Na volta pra casa, é a mesma coisa.
Em 2011, o secretário estadual de Transportes, Julio Lopes, participou da viagem inaugural do primeiro trem modernizado da Supervia. Pois nesta viagem, o sistema de ar-condicionado pifou, começou a jorrar água do teto para dentro do vagão onde estava o secretário, e o trem “modernizado” foi recolhido à oficina. O governo do estado e a Supervia prometem, para até 2016, uma frota com 120 trens novos e 73 reformados. Até o momento, 30 novos trens já foram comprados, e começam a entrar em operação.
Já a Prefeitura do Rio tenta organizar o trânsito através do sistema BRS (Sistema Rápido de Ônibus, o Bus Rapid System, na sigla em inglês), que destina faixas exclusivas para os coletivos e táxis. Apesar do êxito em melhorar um pouco o fluxo dos ônibus, o BRS está longe de ser uma unanimidade, e os engarrafamentos pela cidade continuam, principalmente no começo da manhã e no fim da tarde.
O BRT (Transito Rápido de Ônibus, o Bus Rapid Transit, na sigla em inglês) é outro projeto da Prefeitura, que consiste em corredores exclusivos para ônibus articulados, com grande capacidade de passageiros, que vai ligar a Zona Oeste, uma das regiões mais carentes de transportes, com o restante da cidade. O primeiro BRT do Rio começa a operar nesta quarta-feira (6), ligando Santa Cruz à Barra da Tijuca.
Enquanto isso, as vans ocuparam o vazio deixado pelo transporte público. Mas também andam lotadas e, devido à falta de fiscalização, cometem diversas irregularidades, contribuindo, consequentemente, para piorar os congestionamentos.
Durante a Eco-92, duas turistas faziam um alerta com um cartaz: "O futuro está nas suas mãos" (The future is in your hands, na sigla em inglês) (Foto: Reprodução/TV Globo)Durante a Eco-92, duas turistas faziam um alerta com um cartaz: "O futuro está nas suas mãos" ("The future is in your hands", na sigla em inglês) (Foto: Reprodução/TV Globo)
Rio tem três vezes mais quartos nos hotéis
Entre erros e acertos, o Rio continua a ostentar o título de Cidade Maravilhosa, e se a quantidade de turistas que vêm à cidade servir como parâmetro, a capital carioca está muito bem na fita. Para receber nossos visitantes, o número de quartos nos hotéis triplicou. Subiu de 13 mil, em 1992, segundo o Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindiRio), para 38,5 mil quartos em 2012, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH). Segundo o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), em 2011, o Rio recebeu o maior número já registrado de visitantes internacionais.
Reportagens realizadas neste ano mostram isso. “Quero ir a Copacabana. Também quero ver o Jesus que fica entre as montanhas”, diz uma turista, referindo-se ao Cristo Redentor. “Na Alemanha é muito frio. Quero ir à Praia de Ipanema”, comenta outro turista. Além dos pontos turísticos tradicionais, as favelas pacificadas agora também fazem parte do roteiro. É o caso do Morro do Alemão, onde turistas visitam um antigo ponto de observação dos traficantes. “Olha que lindo!”, exclama uma jovem turista, ao ver o visual do alto da favela. “Estou muito contente. É uma bela experiência”, acrescenta um turista italiano. “É importante que os turistas venham e conheçam a nossa realidade”, destaca a guia de turismo. Resta saber se, após esses 20 anos, além dos turistas, os cariocas e demais moradores do Rio também estão satisfeitos com a realidade da cidade.

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