Não sei qual
será o resultado do julgamento dos mensaleiros no Supremo Tribunal
Federal. A decisão cabe aos 11 membros da corte. Uma coisa, no entanto,
sei com certeza: as instituições ainda não se renderam ao charme
truculento de Lula ou à sua truculência charmosa, avalie cada um segundo
a sua sensibilidade. A decisão tomada ontem por 9 dos 11 ministros do
Supremo em sessão administrativa, estabelecendo o rito de julgamento do
processo, definiu um caminho. Caberá agora ao ministro Ricardo
Lewandowski, um dos ausentes à reunião — o outro foi Dias Toffoli, que
tinha um compromisso social em São Paulo —, entregar o seu trabalho
ainda neste mês de junho para que agosto ponha termo a um episódio que
fez aniversário justamente ontem: no dia 6 de junho de 2005, há exatos
sete anos, o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), em entrevista à
Folha, acusava a existência da quadrilha do mensalão. Que ninguém ainda
tenha sido criminalmente punido em razão do maior escândalo havido na
história republicana, eis um fato que deveria nos envergonhar como
nação. É impressionante que alguns ainda tenham a cara de pau de falar
em “açodamento”.
Açodamento?
Sete anos depois? Ignoro, reitero, o que fará cada ministro. Mas podemos
declarar derrotadas todas as manobras, as legais e as ilegais, para
tentar impedir que o mensalão fosse julgando ainda neste ano. Nesse
particular, Lula e José Dirceu perderam. Venceram a autonomia do Poder
Judiciário — ou, ao menos, a sua parte saudável — e, sim, a imprensa
independente, que não existe para prestar serviço a candidatos a tiranos
e a jagunços que ousam assombrar o estado democrático e de direito.
Dado o rito,
o ministro Cezar Peluso tem plenas condições de participar do
julgamento. Por quê? No dia 1º de agosto, Joaquim Barbosa, o relator,
apresenta uma síntese do seu voto, um parecer. Em seguida, o
procurador-geral da República formaliza a acusação. E tem início então a
defesa, que se estende até o dia 14, em sessões diárias, de segunda a
sexta. Aí os ministros começam a votar.
Ouvidas
acusação e defesa e podendo ter acesso à integra do voto do relator e do
revisor do processo, Peluso pode deixar redigido o seu voto, ainda que o
processo avance setembro adentro. Mas há ministros na corte, como
Gilmar Mendes e Luiz Fux, que veem condições de que tudo termine em
agosto.
Lewandowski,
o revisor, para quem se voltam todos os olhos, muito especialmente os
do estado de direito, sabia da sessão de ontem, é evidente, e de sua
pauta. Mesmo assim e sendo quem é no processo, preferiu não participar. O
cronograma foi aprovado pela unanimidade dos nove presentes. Não parece
plausível supor que ele frustre não a expectativa dos pares que tomaram
aquela decisão, mas a do país. Vamos ver.
Ontem, a
defesa de José Dirceu veio a público para asseverar que ele estava
satisfeito com a definição do calendário e que é de seu gosto ser
julgado logo. A função da defesa é defender, e não há muito o que
especular a respeito disso. Mas é balela. Ele e Luiz Inácio Lula da
Silva fizeram o permitido e, sobretudo, o não-permitido para melar esse
julgamento, para inviabilizá-lo ainda neste ano. O ex-presidente, como é
sabido, estava assediando ministro da corte para empurrar o julgamento
para o ano que vem. No caso de Gilmar Mendes, a conversa assumiu tintas
de chantagem — que nem sempre é feita manipulando fatos; ao chantagista
podem bastar, como era o caso, os boatos.
A decisão
dos ministros do Supremo foi tomada 10 dias depois de VEJA revelar a
conversa indecorosa de Lula com Mendes e na semana em que a revista
apresentou evidências de que os petistas da CPI tinham em mãos uma
espécie de cartilha para tentar desqualificar o ministro, o
procurador-geral da República e a imprensa, fazendo da comissão, como
anunciara previamente Rui Falcão em vídeo conhecido, mero teatro de
achincalhe e plataforma para acusar o que chamou de “farsa do mensalão”.
Tornado
público o avanço de Lula contra a independência do Judiciário, o STF
preferiu não emitir uma nota pública, mas fez, entendo, algo mais
importante do que isso: evidenciou que há ali homens e mulheres —
independentemente do conteúdo de seu voto, reitero (a qualidade de cada
um, veremos depois) — que entendem que a corte suprema de um país não
pode estar sujeita a esse tipo de pressão, de arreganho autoritário, de
mandonismo primitivo. Assim, ainda que a expectativa dos decentes possa
não se cumprir — ver condenados os mensaleiros —, é bom saber que o
tribunal conserva o DNA da independência.
Em certa
medida, talvez todos devamos ser gratos a Lula e a Dirceu — e também a
Rui Falcão, braço dirceuzista na presidência do PT — pelo
destrambelhamento, pelo açodamento, pela fanfarronice. Não fosse a sede
com que foram ao pote; não fosse, mais uma vez, a certeza da impunidade e
a onipotência com que avançaram contra as instituições, sequiosos de
vingança, talvez Lewandowski enxergasse ainda mais tempo para fazer a
história avançar em câmera lenta. Diante das escandalosas evidências de
que a reputação do próprio Judiciário está em jogo — e, pior, tendo a
sua instância máxima da berlinda —, sobrou ao tribunal evidenciar, agora
de maneira clara, inequívoca, sem chances para segunda interpretação,
que o país está à espera de Lewandowski. Ele teria lustrado a
instituição e o bom senso se tivesse aparecido na sessão desta quarta.
Mas preferiu se ausentar.
Lula já
chegou a dizer que, na Venezuela de Hugo Chávez, havia “democracia até
demais” — o que nos faz supor que, para seu gosto pessoal, haveria ainda
menos. Quem é capaz desse juízo explica por que assedia ministros do
Supremo. Imaginem… O Apedeuta deve lastimar profundamente os traços da
“ditadura brasileira” que não lhe permitem impor a sua vontade aos
juízes.
E encerro
com uma questão que projeta esse debate para o futuro. Ministros que são
titulares do Supremo, que já não dependem da vontade deste ou aquele,
foram alvos daquele assédio criminoso — crime previsto no Código Penal.
Por uma questão de lógica, começo cá a imaginar como são conduzidas as
conversas com aqueles que disputam uma indicação. Ainda neste ano, Dilma
terá de apontar dois nomes para integrar o Supremo, nas vagas de Peluso
(sai em setembro) e Ayres Britto (sai em novembro). Como será o assédio
àqueles ou àquelas que são apenas aspirantes às vagas? Se o jogo é
bruto com quem, afinal, pode muito, a gente supõe como é com quem ainda
não pode tanto…
Se haverá
absolvição ou condenação em massa, isso, insisto, não sei. O que sei é
que a definição do cronograma, pouco importa o voto de cada membro do
STF, representou a derrota de Lula e Dirceu e a vitória das instituições
democráticas. E eu incluo nesse grupo a imprensa que ousa chamar as
coisas pelo nome que elas têm e milhares de brasileiros que, a exemplo
dos leitores deste blog, se mobilizaram para dizer: “Entregue o seu
trabalho, Lewandowski”!
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