Membros do grupo usam o poder das armas para fazer chantagens e vender proteção.
Milicianos da Shabiha intimidam participantes do
funeral de um opositor do regime em Damasco
(Foto: AP)
A morte de 108 pessoas, incluindo 49 crianças e 34 mulheres, na região de Houla, ao norte de Homs, na Síria,
chocou a comunidade internacional pela brutalidade. Tão logo surgiram
as primeiras testemunhas, que conseguiram sobreviver ao massacre, o nome
Shabiha passou a ser mencionado pelos ativistas de oposição.funeral de um opositor do regime em Damasco
(Foto: AP)
Em árabe clássico, a palavra Shabh significa "fantasma" , mas na Síria moderna é usada para descrever "assassinos e vândalos", conhecidos como a Shabiha - uma milícia pró-governo, formada em sua maioria por alauítas (minoria étnica síria que domina a política local). Mas sunitas e outros grupos também fazem parte do grupo.
A palavra provoca medo em Ahmed, de 27 anos, um sírio de Deir Al-Zor, no leste da Síria, que fugiu para o Líbano há dois meses, com medo de ser mais uma vítima da milícia governamental. "Tive dois amigos que foram levados há três meses e não foram mais vistos desde então. Eles (shabiha) intensificaram suas ações. Não há lei para eles. Sua lei é o medo", disse à BBC Brasil.
"Certa noite, estava na casa do meu irmão, com sua esposa e dois filhos, quando ouvimos gritos e vimos pela janela um grupo de oito homens armados com bastões, um deles com uma pistola. Vi quando arrastaram uma moça e um rapaz, os colocaram em um veículo. A moça voltou três dias depois, com marcas de tortura, o rapaz não foi mais visto", contou Ahmed, que não terá o nome completo revelado por questão de segurança.
Segundo as Nações Unidas, em Houla, ao contrário de outras mortes por bombardeios de artilharia ou tanques, a maioria das pessoas foi morta a tiros em suas casas, facadas e até espancamento. Segundo uma investigação da ONU, várias vítimas tiveram suas gargantas cortadas e algumas crianças até tiveram seus crânios abertos.
O conflito na Síria, que iniciou com protestos populares antigoverno em março de 2011, já deixou mais de 10 mil mortos. A oposição e ativistas exigem a renúncia do presidente Bashar al-Assad.
Rebeldes do Exército Livre da Síria, formado por militantes e soldados desertores do Exército, e tropas leais ao governo se enfrentam em combates que castigam cidades pelo país. Assad declarou que o massacre de Houla, segundo ele, foi obra de criminosos.
Medo e intimidações
Segundo relatos, os membros da Shabiha usariam uniformes pretos e
andariam armados, lutando inclusive ao lado de tropas governamentais.
Mas testemunhas disseram à BBC Brasil que antes e depois do início do
conflito na Síria os milicianos também usaram trajes civis, além das
fardas militares."Qualquer pessoa pode ser da Shabiha, um amigo, um parente. Começam como informantes e depois passam a ter funções mais específicas. Geralmente, usam roupas civis, mas alguns até usam uniformes militares", disse Mohamed, 33, natural de Homs e que trabalha como zelador em Beirute e também terá o sobrenome preservado.
Segundo ele, membros do Shabiha usam de sua posição para ter vantagens pessoais e cometer crimes como chantagem ou venda de "proteção".
"Muitas vezes eles ameaçam pessoas com acusações de serem antigoverno para que paguem. Quem não paga é acusado de realizar atividades ilegais e levado para a prisão, o último lugar em que um sírio gostaria de estar", salientou Mohamed.
O amigo de Mohamed, Naher, de 28 anos, afirmou que a Shabiha aterroriza a população. "As pessoas têm mais medo da milícia do que de qualquer polícia secreta ou força de segurança do país. Isso se dá porque eles (Shabiha) não têm limites, não agem de acordo com as leis e não medem esforços para intimidar e aterrorizar as cidades onde estão presentes", afirmou Naher, de Homs, que também pediu para não ter o sobrenome publicado.
Imagem amadora mostra supostos milicianos da
Shabiha em um bloqueio em Damasco (Foto: AP)
GanguesShabiha em um bloqueio em Damasco (Foto: AP)
Embora a lealdade da milícia esteja associada com o governo de Assad, alguns estudiosos da política síria acham que não há uma relação muito clara. A Shabiha teria surgido nos anos 1970 na cidade costeira de Latakia, reduto alauíta, como uma forma de sindicato do crime.
Sírios falam que seus membros são escolhidos entre ex-presidiários, assassinos e rapazes conhecidos como arruaceiros nas escolas. Muitos, segundo eles, usam drogas e anabolizantes para ficarem fortes e com aparência mais intimidadora.
"Academias de musculação são lugares comumente frequentados por seus membros. A essência do Shabiha é o medo e a intimidação, seja pela força física ou psicológica", disse o ativista sírio Daher, 38, natural de Damasco.
Na região ao norte e ao longo da costa síria, a Shabiha é associada com o crime organizado e contrabando de armas e drogas. Muitos líderes da Shabiha são membros da família do presidente sírio, incluindo seus primos Fawwaz e Munzir.
"Não está claro se o próprio presidente Assad tem um controle total sobre a Shabiha. Quando chegou ao poder, no ano 2000, ele até tentou coibir os excessos do grupo sobre a população. Mas com o levante popular, o governo parece que deixou a milícia cometer crimes e usar de força para reprimir protestos", explicou Daher.
Ziad, 35, morador da cidade de Daraa, um dos berços do levante antigoverno, sentiu de perto o poder da Shabiha. No final do ano passado, ele viajava de ônibus até Damasco quando foi parado em uma barreira da milícia em uma estrada.
"Homens entraram e verificaram nossas identidades. Depois ordenaram que saíssemos e nos revistaram. Eu e outros fomos levados para aquele que parecia ser o líder, dentro de uma barraca improvisada. E após algumas perguntas, falaram que deveríamos pagar para sermos liberados", afirmou.
Ziad disse à BBC Brasil que pagou o equivalente a US$ 50 (cerca de R$ 100) e que alguns soldados do Exército sírio estavam na estrada junto à barreira, mas não fizeram nada. Quando prosseguiram viagem, o ônibus foi parado em outra barreira da Shabiha e exigiram outro pagamento para que ele fosse liberado.
"O homem que chefiava a barreira falou que recebeu uma ligação da barreira anterior dizendo que estávamos com dinheiro. Ele exigiu sua parte também. Alguns dos passageiros pagaram, eu recusei. Fui levado para uma cela em uma cidade ali perto e espancado", afirmou.
Solto no dia seguinte, Ziad decidiu que fugiria para o Líbano. "Levaram o resto do dinheiro que eu tinha. Liguei para um parente me buscar. Eu me senti humilhado e jurei que não voltaria a passar por isso de novo", disse.
Extremistas
O governo culpou terroristas e gangues armadas pelas mortes ocorridas em Houla. Mas ativistas opositores do regime e rebeldes falam em outro método usado pelo governo de Assad.
"A maneira de justificar as mortes de civis, sem comprometer as tropas regulares, é usar a Shabiha, civis que podem cometer crimes. Assim o governo coloca a culpa em gangues armadas e terroristas", afirmou o ativista, Maher, 29, residente de Aleppo.
Segundo ele, vários policiais e oficiais do Exército que se opuseram à matança de civis foram mortos pela Shabiha e a culpa foi colocada em rebeldes e terroristas. "O Exército bombardeia o local e depois membros da Shabiha entram para fazer a limpeza, punir aqueles que ousaram se opor ao presidente Bashar al-Assad", disse Maher.
O governo sírio negou que estivesse usando milícias para lidar com manifestações e cometer crimes e atrocidades. Autoridades sírias continuam insistindo que terroristas e gangues armadas são responsáveis pela matança de civis, membros das forças de segurança, atentados à bomba e destruição de propriedades.
"As autoridades sírias não estão mentindo. De fato são gangues armadas e terroristas, mas são aquelas pró-governo como a Shabiha", salientou Maher.
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