Dados do CNJ mostram que pelo menos 100 magistrados estão sob ameaça no País. E muitos deles são obrigados a se afastar de processos porque não resistem à pressão dos criminosos
Adriana NicacioINTIMIDAÇÃO
O juiz Paulo Moreira Lima, que já foi delegado da PF, teve de abandonar processo
contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira por temer as ameaças contra si e sua família
Mas pretendia continuar à frente do processo até setembro, quando, seguindo orientação da PF, deixaria o País por três meses. O juiz disse a amigos que antecipou a decisão e pediu para sair agora depois que ficou sabendo do voto do desembargador Tourinho Neto, do TRF 1, que quase jogou por terra todo o seu trabalho. Na terça-feira 12, Tourinho considerou ilegais as interceptações telefônicas, que deram base à Operação Monte Carlo, e votou pela liberdade do bicheiro de Goiânia. “Se minhas provas estão sendo desqualificadas, se estou me sacrificando à toa, eu estou saindo do processo”, explicou Moreira Lima à corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon. “Ele me disse estar preocupado por não se sentir seguro sequer perante os seus colegas”, comentou a ministra. Na semana passada, Moreira Lima entregou definitivamente os pontos e foi transferido para a 12ª Vara Federal, bem longe da bandidagem.
VIDA EM RISCO
Em quatro meses, o juiz do Trabalho Rui Barbosa trocou o número de seu celular
12 vezes. Mesmo assim, ele e sua filha continuaram a receber ameaças de morte
A saída de cena do magistrado que conduziu
o caso Cachoeira não é um caso isolado no Judiciário e nem é exclusivo
de quem trabalha na área criminal. Levantamento do CNJ mostra que pelo
menos 100 juízes estão sob ameaça no País e o número não para de
aumentar. No entanto, menos da metade possui escolta. Há um mês, o juiz
do Trabalho Rui Barbosa Carvalho levou a mulher e duas filhas para bem
longe de Rondônia e escondeu-se no interior do País. Seu inferno começou
há um ano. Presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas da 14ª
Região, Rui Barbosa recebeu um ofício da juíza da 2ª Vara do Trabalho
de Porto Velho, Izabel Carla, pedindo que a entidade denunciasse ao CNJ a
movimentação irregular de um processo bilionário que saiu da 2ª Vara
para a 7ª Vara do Trabalho. Trata-se do processo 2039/1989, uma ação
coletiva de funcionários da área de educação do antigo território de
Rondônia, que poderia chegar a R$ 3 bilhões. Apesar de inúmeras
denúncias de fraudes, a Justiça de Rondônia já liberou cerca de R$ 1
bilhão. E mais R$ 750 milhões deveriam ser liberados neste ano. Na
tentativa de intimidar Rui Barbosa, bandidos passaram a ameaçar sua
filha mais velha.
Em quatro meses, Rui Barbosa trocou o número de seu celular 12 vezes e, mesmo assim, continuou a receber ameaças de morte. Numa ocasião, logo depois de sua filha sair para a escola, recebeu a seguinte mensagem: “Estou na esquina, observando sua casa.” Por duas vezes a ameaça foi mais direta: “Vamos matar sua filha.” Rui Barbosa, então, mandou-a estudar em outro Estado. Os criminosos seguiram seus passos: “Fala para o seu pai não se meter nesse assunto.” Mas Rui Barbosa não recuou e a corregedora Eliana Calmon suspendeu o pagamento dos precatórios. Hoje, ele vive sob proteção policial. Outros juízes também foram ameaçados nesse mesmo processo. Titular da 7ª Vara, o juiz Delano Serra Coelho recebeu ligações para que despachasse a favor da liberação dos R$ 750 milhões ou sua esposa e filha – que não moram mais em Rondônia – sofreriam as consequências. Delano resistiu.
Em quatro meses, Rui Barbosa trocou o número de seu celular 12 vezes e, mesmo assim, continuou a receber ameaças de morte. Numa ocasião, logo depois de sua filha sair para a escola, recebeu a seguinte mensagem: “Estou na esquina, observando sua casa.” Por duas vezes a ameaça foi mais direta: “Vamos matar sua filha.” Rui Barbosa, então, mandou-a estudar em outro Estado. Os criminosos seguiram seus passos: “Fala para o seu pai não se meter nesse assunto.” Mas Rui Barbosa não recuou e a corregedora Eliana Calmon suspendeu o pagamento dos precatórios. Hoje, ele vive sob proteção policial. Outros juízes também foram ameaçados nesse mesmo processo. Titular da 7ª Vara, o juiz Delano Serra Coelho recebeu ligações para que despachasse a favor da liberação dos R$ 750 milhões ou sua esposa e filha – que não moram mais em Rondônia – sofreriam as consequências. Delano resistiu.
BLINDAGEM
Alvo do crime organizado, Wilson Witzel
passou a usar colete à prova de balas
Mas não ficar acuado está cada vez mais difícil. A maior parte dos juízes ameaçados está no interior do Paraná, seguido do Rio de Janeiro. Um juiz criminal paranaense, que não quer se identificar por não ter segurança oficial, conta que a última ação dos criminosos foi colocar um bilhete debaixo da porta. Num episódio inspirado em filmes, a carta dizia “Cuidado” com recortes de revista. Há oito anos, o juiz Wilson Witzel bateu de frente com o crime organizado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e chegou a receber ameaças diretas de um presídio de segurança máxima. Sua rotina virou de cabeça para baixo. Wilson passou a usar colete à prova de balas e montou um sistema de segurança sofisticado em sua residência. Mas cansou de viver na linha de tiro do crime e pediu transferência para a 2ª Vara de Execução Fiscal de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. “O juiz vive numa situação vulnerável e o Congresso não aprova medidas de proteção e não dá para uma única pessoa combater o crime organizado. É uma loucura”, disse Witzel à ISTOÉ.
Quem não morre ou se esconde é obrigado a viver sob escolta. O juiz mais ameaçado do País, Odilon Oliveira, tem um posto da Polícia Federal dentro de sua casa em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Titular da 3ª Vara Federal, sua especialidade é combater a lavagem de dinheiro e confiscar bens, o que tem feito nos últimos 25 anos. Sob proteção policial desde 1998, há um ano recebeu um e-mail do tráfico: “O doutor fará 70 anos em 25 de fevereiro de 2019 e prejudicou muita gente.” A mensagem era clara: aos 70 anos, Odilon será obrigado a se aposentar e corre o risco de perder a escolta policial. Diante de casos que se multiplicam, a ministra Eliana Calmon faz uma grave advertência: “Nós não podemos ter juízes ameaçados, não podemos aceitar que ameaças veladas, físicas ou morais, possam impedir que a nossa magistratura desempenhe suas funções.” Em suma, a Justiça não pode curvar às pressões do Estado paralelo.
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