Livros surfam na onda dos best-sellers ao tentar explicar, interpretar e até continuar a obra original.Um autor trabalha um conceito. Após anos de pesquisa, mobiliza toda a sua energia e coloca as ideias num livro. Em seguida, batalha pela publicação nas editoras. Por causa de seu talento - e de sorte -, a obra se torna um best-seller. Aí entram em cena os parasitas literários. Na carona do sucesso alheio, autores publicam livros para explicar o original, superinterpretar e até mesmo dar continuidade à história. É o fenômeno pós-bestseller que atinge obras como "Harry Potter", "O Senhor dos Anéis", "O Código Da Vinci" e, mais recentemente, "A Cabana", que está na lista dos mais vendidos. Com capa, título e elementos visuais semelhantes, não é raro que as obras-clones confundam o leitor. A riqueza dos detalhes copia dos confere à publicação a impressão de ter o aval do original.Com frequência, esses casos vão parar na Justiça. No início do mês, a corte americana proibiu a publicação do livro "60 Years Later: Coming Through the Rye" (60 anos depois: desbravando o centeio) nos Estados Unidos. Tratava-se de uma continuação não autorizada de "O Apanhador no Campo de Centeio", de J.D. Salinger. O autor Fredrik Colting ainda utilizava o pseudônimo J.D. California, em referência ao mestre. Outra decisão judicial semelhante beneficiou a escritora J.K. Rowlings, autora da saga de Harry Potter. Em setembro do ano passado, a Justiça proibiu o ex-bibliotecário Steven Vander Ark, um dos seus fãs mais obcecados, de publicar "The Harry Potter Lexicon", uma enciclopédia das poções mágicas, localização de cidades e feitiços da saga do bruxinho. Ark e a editora RDR ainda tiveram que pagar indenização de US$ 6,7 mil.A diferença entre artistas e copistas está no nível da apropriação da obra original e na inexistência dos direitos autorais - uma obra se torna de domínio público 200 anos após a morte do seu criador. Também pesa o fato de o parasita literário claramente tentar surfar no sucesso de um best-seller. "A diferença está na questão comercial", diz Leda Tenório Motta, crítica literária e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Segundo ela, o limite entre a ação criativa e a criminalidade é a relação que o autor estabelece com a obra original e o apelo comercial do produto.No "Guia para a Chave de Salomão de Dan Brown", lançado em 2006, o autor Greg Taylor se antecipou ao original - até então intitulado "A Chave de Salomão" - e publicou um manual especulativo sobre a obra mais esperada dos últimos tempos. Dan Brown pode ter calculado o risco ao anunciar que estariam disponíveis na sobrecapa de "O Código Da Vinci" as indicações sobre o seu próximo romance e ao lançar o concurso "Descubra o código: o segredo está bem diante dos seus olhos". Mas as especulações foram além dos fóruns da internet. Para presumir o futuro enredo, Greg se baseou na repetição das fórmulas dos livros anteriores de Brown - o assassinato, a criptografia e as sociedades secretas - e seguiu minuciosamente cada pista das declarações do autor nas entrevistas sobre o livro e a sua simbologia pessoal.
Apesar da expectativa em torno do novo livro de Brown, intitulado "O Símbolo Perdido", com previsão de lançamento em setembro, alguns segredos já foram revelados pelo fã, que imita o ídolo até mesmo no oportunismo de mercado. "Este livro foi escrito com o mesmo espírito idealizado por Dan Brown na concepção e comercialização de suas obras", admite Taylor. "O principal desafio de 'O Símbolo Perdido' será soar mais como Dan Brown do que soam os seus imitadores", afirmou a crítica literária Janet Maslin ao jornal The New York Times.
No quesito superinterpretação da obra original, Deus é o alvo preferencial dos imitadores. Transbordam nas livrarias publicações como "Looking for God in Harry Potter"(Procurando Deus em Harry Potter), "Finding God in The Lord of the Rings" (Encontrando Deus no Senhor dos Anéis) ou "The Gospel According to Harry Potter" (O evangelho de acordo com Harry Potter), de Connie Neal, mestre na arte de encontrar Deus em todo lugar. A autora Nancy Brown decidiu aproximar Harry das famílias religiosas em "The Mystery of Harry Potter: A Catholic Family Guide" (O mistério de Harry Potter: um guia para as famílias católicas).
Em "Deus e a Cabana", lançado em maio, o professor de teologia Roger E. Olson aborda a presença divina no best-seller "A Cabana", de William P. Young - com a foto de capa quase idêntica à original. Em seu livro, ele garante que Jesus é o grande herói, fazendo críticas contra os desvios bíblicos e militando a favor da "doutrina correta" que o livro esqueceu. Este é um exemplo de que a ilegalidade não está apenas na reprodução ou repetição da história. "Indiretamente, esses autores tentam entrar na cabeça do autor original", afirma o advogado Pedro Bhering, especialista em propriedade intelectual. "E isso é ilegal."
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