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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Diplomacia de luxo

O momento é de austeridade e contenção de gastos públicos nos cinco continentes. Mas a regra não vale para o Itamaraty, que parece viver em outro mundo. Não bastasse a abertura de mais de 30 representações diplomáticas nos últimos anos, a diplomacia nacional concluiu que chegou a hora de investir em imóveis. Convencida de que crise é oportunidade, a embaixada do Brasil na Inglaterra está pedindo um crédito especial ao governo para comprar uma nova sede em Londres, na luxuosa região central de Mayfair.
Alheio às limitações do Orçamento federal, que sofreu corte de R$ 12 bilhões neste ano, o embaixador Carlos Augusto Santos-Neves quer investir R$ 77 milhões, cerca de 23 milhões de libras esterlinas, num prédio de 1,8 mil metros quadrados. De férias no Brasil, Santos-Neves disse a amigos que o negócio era bom porque o Brasil iria economizar com o aluguel no longo prazo. Além disso, estaria aproveitando a baixa nos preços dos imóveis em Londres. "Podemos negociar mais", justificou. O negócio depende da aprovação no Congresso, mas não encontrou resistência entre os parlamentares governistas.
Santos-Neves argumenta também que o negócio é necessário porque o proprietário do imóvel, o duque de Westminster, Gerald Cavendish Grosvenor, decidiu não renovar o contrato de aluguel de um dos dois prédios da embaixada. Como o contrato expira em 2011, os brasileiros ficariam desalojados em 2012. Para evitar o despejo, Santos-Neves contratou a consultoria Be&J para tentar negociar o aluguel ou procurar um novo endereço para os 13 diplomatas brasileiros que trabalham hoje no número 32 da Green Street. Não houve conversas com o duque, que não arreda o pé de retomar o imóvel. A Be&J, então, apresentou um leque de 16 edifícios que poderiam ser alugados por 100 anos - o que é bem comum em Londres - e dois no formato freehold, como os londrinos chamam a venda do imóvel, opção bem mais rara. O Itamaraty encheu os olhos para a oportunidade de comprar um edifício empresarial inteiro próximo da atual chancelaria, numa região de Londres ocupada por embaixadas e conhecida pelo perfil restrito e elitista.O prédio, segundo o Itamaraty, possui instalações novas, ao contrário do que a embaixada ocupa atualmente. Além disso, o espaço seria otimizado. Na situação atual, os 1.250 metros quadrados são recortados por escadas em níveis diferentes, o que deixaria de ocorrer. Santos-Neves animou-se com a possibilidade e encomendou outro estudo. A ideia é devolver os dois prédios e receber pelo primeiro, cujo contrato só vence em 2046, luvas entre R$ 16,7 milhões e R$ 23,4 milhões pelo direito que o Brasil tem de usar o imóvel pelos próximos 37 anos. "Essa quantia voltará para o Tesouro", afirma uma fonte do Itamaraty. O duque de Westminster, porém, resiste. "O problema é que o duque tem uma goela de todo tamanho", critica o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, que serviu em Londres nos anos 1990. "Para o Brasil é muito importante ter uma sede suntuosa", defende a embaixatriz Lucia Flecha de Lima. "Se o duque não quer renovar o aluguel, o que fazer? O Brasil pode comprar outro prédio."
"Ainda que essa compra compense, não me parece oportuno"Gil Castelo Branco, economista da ONG Contas Abertas
Em nota à ISTOÉ, a assessoria de imprensa do Itamaraty explica que a nova aquisição é necessária diante da "impossibilidade física de instalar a chancelaria apenas no imóvel restante". Alega também que o novo imóvel será avaliado "por três imobiliárias independentes, a fim de possibilitar a verificação do valor de mercado". Não está em discussão a lisura do negócio, mas sim a prioridade do gasto. "Ainda que um estudo mostre que a longínquo prazo essa compra compensa, não me parece oportuno", diz o economista Gil Castelo Branco, da ONG Contas Abertas. "Qualquer cartilha de economista reza que agora é hora de investir no País, gerar emprego e movimentar a economia interna."
No Brasil real, a Secretaria de Educação de São Paulo gastou R$ 77 milhões para reformar 140 escolas estaduais. O mesmo valor que Santa Catarina recebeu para ações de vigilância sanitária depois das enchentes do ano passado. Representante do governo na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Maurício Rands (PT-PE) defende a nova sede. Ele diz que as relações bilaterais entre o Brasil e o Reino Unido ainda não estão suficientemente desenvolvidas. "Os R$ 77 milhões são migalhas diante do que está em jogo. O Brasil não é uma republiqueta. É um player." Se o Itamaraty está disposto a investir, melhor seria melhorar a qualidade dos serviços prestados aos brasileiros no Exterior. Ou, por exemplo, socorrer embaixadas em países com peso no comércio mundial, como a da China. Segundo queixas do embaixador em Pequim, Clodoaldo Hugueney, lá a representação vive à mingua.O DUQUE LOCATÁRIO-A riqueza dos nobres ingleses e também da família real está concentrada em terras e imóveis. Proprietário do prédio da embaixada em Londres, o duque de Westminster, Gerald Grosvenor, segue a tradição. Um dos homens mais ricos da Inglaterra, Grosvenor, 57 anos, é dono de um patrimônio equivalente a R$ 9,3 bilhões, empilhado em prédios londrinos. Mas a crise imobiliária dilapidou quase a metade do valor de seus bens e, pela primeira vez em 16 anos, ele fechou as contas no vermelho.
Para recuperar seus lucros, o duque resolveu retomar o prédio de quatro andares e um subsolo onde funciona a embaixada do Brasil. Grosvenor pretende manter a fachada, reformar o interior e criar apartamentos residenciais. Assim, poderá arrendá-los por 100 anos, faturar mais e garantir a seus descendentes um lugar no topo dos milionários ingleses. "Alugando as unidades separadamente, ele vai lucrar mais", especula um diplomata da embaixada.

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