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segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ajude o banco onde não tem conta a conhecê-lo melhor

Ante o aumento da competição, cresce a pesquisa de clientes por juros menores. Com a portabilidade de cadastro, é possível ganhar poder de barganha

Anna Carolina Rodrigues e Nathan Fernandes
Portabilidade de cadastro aumenta poder de barganha do cliente bancário Portabilidade de cadastro aumenta poder de barganha do cliente bancário (Marcelo Kura)
Muitas pessoas, ainda que insatisfeitas com o próprio banco, têm medo de mudar de instituição e perder ‘vantagens’ que levaram anos para conseguir
A estratégia do Palácio do Planalto de instigar os bancos públicos – a Caixa Econômica Federal (CEF) e o Banco do Brasil (BB) – a reduzir juros e, assim, forçar os concorrentes privados a fazer o mesmo tem surtido algum efeito. Ainda que timidamente, Itaú, Bradesco, Santander e HSBC vêm anunciando taxas menores em algumas linhas de financiamento. Este ambiente mais competitivo implica maior poder de barganha por parte dos clientes do sistema financeiro. Instrumentos já regulamentados pelo Banco Central podem, no entanto, incentivar ainda mais a concorrência e facilitar o acesso de indivíduos e empresas a linhas de financiamento mais palatáveis. Alguns são conhecidos da população, como a possibilidade de transferir dívida a outra instituição financeira e a migração de conta salário. Poucos conhecem, no entanto, a possibilidade de levar para a concorrência informações cruciais de seu banco de relacionamento.
Regulamentada pela Resolução nº 2.835 do Banco Central, de 30 de maio de 2001, essa transferência de informações cadastrais entre instituições financeiras, mediante autorização do correntista, é conhecida como portabilidade de cadastro. Os dados que compõem essa ‘ficha do cliente’ são o comportamento do cliente na instituição, a movimentação financeira mensal, o quanto usa do crédito rotativo, se tem cheques devolvidos por falta de fundos, o histórico de pagamentos de contas, entre outros.
Fim do comodismo – A portabilidade ajuda a desmontar algumas amarras do setor bancário. Muitas pessoas, ainda que insatisfeitas com o próprio banco, têm medo de mudar de instituição e perder ‘vantagens’ que levaram anos para conseguir. Afinal, graças a um histórico de bom pagador e o tempo de inclusão no sistema financeiro, correntistas conseguem negociar com seus gerentes certos diferenciais, como, por exemplo, o fim da cobrança de anuidade de um cartão de crédito ou uma taxa de juro um pouco menos salgada que a média de mercado. Além disso, mudar de banco é um procedimento que continua muito burocrático. Logo, a maioria, ao agir de forma acomodada ou temerosa, faculta aos os bancos o luxo de permanecerem em posição bastante confortável. Para eles, não há necessidade de ser muito generoso na hora de uma negociação, pois o risco de perder o cliente é baixo. Na outra ponta, encontra-se a instituição concorrente que tampouco se esforça em roubar correntistas porque tem dificuldade em avaliar o perfil de risco de outrem.
Ao ter acesso ao relacionamento bancário de um novo correntista, o banco de destino sente-se mais seguro para oferecer juros menores e também produtos mais adequados ao perfil do cliente. O risco de inadimplência é o principal argumento das instituições financeiras para cobrar juros altos – e, de fato, ela é responsável, sozinha, por 28,74% do spread bancário no país. A portabilidade de cadastro é uma forma de o correntista disseminar suas próprias informações, ajudando a reduzir essa percepção de risco. “Essa medida aumenta o poder de negociação do cliente ao permitir que a pessoa mude de banco sem ter de começar uma ‘nova vida’. Ao levar seu histórico, ela pode obter as condições de um cliente mais antigo”, afirma Anselmo Araújo, consultor do Departamento de Normas do BC. De acordo com ele, o objetivo da autoridade monetária com essa e outras ações que induzem a concorrência é a melhoria da eficiência do sistema bancário e a consequente redução de custos.
Como funciona – Para portar o cadastro, a pessoa interessada deve primeiramente escolher o banco para o qual quer enviar seus dados e abrir uma conta lá. O segundo passo é ir a uma agência da instituição financeira onde era cliente por mais tempo, informar os dados da conta nova e assinar uma autorização para transmissão das informações. A partir da data de solicitação, o banco de origem tem prazo máximo de 15 dias para enviar o cadastro ao de destino. O processo é totalmente digitalizado.
Dentro do prazo para envio das informações, recomenda-se que o cliente não encerre a conta antiga – por mais insatisfeito que esteja com a instituição bancária. Se ele fizer isso, corre o risco de impossibilitar a transferência do cadastro.
Se após este período a instituição financeira de destino não acusar o recebimento dos dados, o cliente pode fazer uma reclamação no Banco Central – entidade que tem a missão de supervisionar todo o setor. O BC disponibiliza o telefone 0800 979 2345 para atendimento, inclusive para reclamações contra bancos. A ligação é gratuita e o serviço funciona das 8:00 às 20:00 todo dia útil. Na internet, é possível também registrar a demanda na seção ‘Perfil do Cidadão’ e, em seguida, ‘Atendimento ao Público’. A instituição que foi denunciada será investigada pela autoridade monetária e pode ser multada.
A hora do bom pagador – A portabilidade de cadastro pode ser vista como uma espécie de atalho a melhores taxas de juros para os bons pagadores. O raciocínio é simples. Com informações compartilhadas em duas ou mais entidades bancárias, o cliente pode simplesmente barganhar. É uma boa saída para o correntista enquanto o Cadastro Positivo – banco de dados que vai registrar o histórico de pessoas que quitam suas dívidas em dia no país – permanece na dependência de regulamentação específica a ser realizada pelo BC e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). É importante ressaltar que, até o momento, as instituições financeiras compartilham apenas as chamadas informações negativas dos clientes – isto é, dados de dívidas que não foram quitadas. Há ainda a possibilidade de consultar se a pessoa ou empresa encontra-se muito endividada, pois os empréstimos com valor acima de mil reais são contabilizados no Sistema de Informações de Crédito do BC.
Em vigor desde 2001, a portabilidade de cadastro foi muito utilizada no passado pelos usuários de talões de cheque. Antes da regulamentação, era praxe em alguns estabelecimentos comerciais não aceitar cheques de clientes novos no sistema bancário nacional. Por isso, muita gente usou a transferência de dados cadastrais para poder mudar de banco sem perder o histórico. Com a atuação dos órgãos de proteção ao consumidor e a difusão de novas formas de pagamento mais seguras que o cheque, essa prática acabou sendo absorvida pelo mercado e foi parar no esquecimento nos últimos anos. Agora, com uma atuação agressiva dos bancos públicos para conquistar clientes e conceder empréstimos a juros baixos, o momento é propício para retomar a ideia da portabilidade de cadastro.
Bancos – Por ser uma medida que incentiva a concorrência e que pode facilitar a migração de clientes, entende-se que os bancos não tenham incentivo para divulgá-la aos quatro ventos. “Essa portabilidade não faz sentido a meu ver. O negócio do banco é desenvolver relacionamento ao longo de anos e conhecer melhor seu cliente que os outros. Ele faz um investimento para ter esse histórico, analisa balanços, faz scores, etc. Com a portabilidade, é como entregar a faca e o queijo na mão do concorrente”, afirma uma fonte do setor bancário que não quis ter o nome revelado.
O site de VEJA ligou para agências dos seis maiores bancos do país – BB, Bradesco, Caixa, HSBC, Itaú, e Santander – para testar o atendimento prestado aos clientes que demonstram interesse em transferir seus dados cadastrais. O que a reportagem encontrou foi um misto de confusão e desinformação. Muitos gerentes sequer conheciam a medida. Outros a confundiam com a portabilidade de crédito e de conta salário – ambas mais em destaque atualmente.
Em alguns casos, a informação foi conflitante entre agências de um mesmo banco. Em uma das agências do HSBC, um gerente chegou a dizer que seria cobrada uma taxa de 7 reais pelo serviço. “O consumidor deve ficar atento, pois esse é um serviço gratuito e não deve ser cobrado qualquer tipo de tarifa pelas instituições”, alerta Marta Aur, assessora técnica do Procon-SP.
A portabilidade, no entanto, não deve ser vista como uma panaceia. “O consumidor precisa saber usar, ter cautela, pesquisar bem as opções de cada instituição e avaliar se a migração, de fato, será positiva para ele”, aconselha a assessora.

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