Pela primeira vez na história do País, um
ex-ministro da Justiça acoberta o silêncio de um contraventor perante os
holofotes de uma CPI. Márcio Thomaz Bastos joga sua força no caso
Cachoeira e levanta polêmica sobre seu modo de atuar
Claudio Dantas Sequeira e Izabelle Torres
ALCANCE POLÍTICO
Nos últimos anos, Thomaz Bastos deu suporte jurídico ao
ex-presidente Lula, à presidenta Dilma Rousseff e a integrantes do PT
Na última semana, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos
protagonizou dois episódios capazes de gerar sérias controvérsias no
mundo político e jurídico do País. Em um, exerceu pressão pública sobre o
Supremo Tribunal Federal. Em outro, o mais visível e polêmico deles,
colocou-se como um obstáculo para o trabalho que o Congresso Nacional
pretendia realizar. Em ambos os casos, não praticou ilegalidades ao
contrapor-se a dois poderes da República. Mas suas ações também não
podiam ser vistas como meros atos rotineiros de um advogado
criminalista. As atitudes do ex-ministro da Justiça estavam imbuídas de
uma inegável e estrondosa conotação política. Márcio Thomaz Bastos e a
maioria de seus clientes sabe que ele ainda é um homem poderoso, com
influência sobre partidos, parlamentares e tribunais. Nos últimos anos,
ele foi conselheiro de dois presidentes da República e deu suporte
jurídico a vários integrantes da PT. Além disso, teve papel decisivo na
nomeação de sete dos 11 atuais ministros do STF.
No caso mais emblemático, Márcio Thomaz Bastos, por vezes, parecia
zombar do Congresso e dois contribuintes. Ele se postou ao lado do
bicheiro Carlinhos Cachoeira durante audiência na CPI que investiga o
esquema de corrupção e lavagem de dinheiro montado pelo contraventor.
Orientou seu cliente a ficar calado, para evitar produzir provas contra
si mesmo, e com isso provocou a ira de deputados e senadores, que viam
no depoimento uma esperança de avançar nas investigações. É indiscutível
o direito constitucional de qualquer réu à plena defesa,
independentemente da acusação ou malfeito que tenha cometido. Ninguém é
obrigado a produzir provas contra si mesmo. Também é dever do advogado
defender um acusado perante a Justiça, até mesmo quando este não dispõe
de recursos. No entanto, a CPI é norteada por um processo muito mais
político do que jurídico. E, como era sabido por todos os parlamentares
presentes, Thomaz Bastos não permaneceu durante toda a sessão acomodado
ao lado de um contraventor somente como um grande criminalista. Ele era o
retrato de um ineditismo: pela primeira vez na história do Congresso,
um ex-servidor público que ocupou a mais alta esfera do Judiciário
nacional, dava cobertura e amparo ante os holofotes a um bicheiro,
notório criminoso, que já se provou pernicioso ao erário. “Espero nunca
mais encontrar o ex-ministro numa situação como essa”, disse o deputado
Miro Teixeira (PDT-RJ).
O CONTRAVENTOR E O EX-MINISTRO
Impávido, Thomaz Bastos permaneceu ao lado de
Carlinhos Cachoeira durante toda a sessão da CPI
Na mesma semana, Thomaz Bastos apareceu junto a outros nove advogados
de réus do mensalão como signatário de um documento em que se dizem
preocupados com a onda de cobranças contra o Supremo Tribunal Federal no
caso. Temem que o julgamento seja inundado por seu caráter político e
se transforme num “juízo de exceção” e assim sugerem à corte um rito com
limite de sessões semanais. O fato de ter, em alguns casos, indicado,
em outros, ajudado a escolher a maioria dos atuais membros da Suprema
corte não parece constranger o ex-ministro. “Fui advogado por 45 anos
consecutivos, passei quatro anos no Ministério da Justiça, do qual saí
há seis anos”, disse Thomaz Bastos à ISTOÉ.
O ex-ministro também negou que tenha entrado no caso Cachoeira por
orientação política e não fala em honorários – embora circule a
informação de que teria cobrado R$ 15 milhões, em três prestações
mensais, para defender o contraventor. A Polícia Federal e membros da
CPI suspeitam da origem dos recursos de Carlinhos Cachoeira. O líder do
PPS, Rubens Bueno, chegou a questionar, durante sessão da CPI em que
estava Thomaz Bastos, de onde vinha o dinheiro para custear a defesa,
pois, segundo a Receita, os rendimentos oficiais do bicheiro não
chegariam a R$ 200 mil.
CASO FRANCENILDO
Thomaz Bastos foi quem montou toda a estratégia
de defesa do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci
Não é de hoje que Thomaz Bastos se vê envolvido em casos rumorosos.
Ficou famoso seu auxílio, ainda como ministro, na defesa do então
ministro da Fazenda, Antônio Palocci, no escândalo da violação do sigilo
do caseiro Francenildo. Bastos também assessorou a montagem da defesa
de Delúbio Soares e Zé Dirceu no caso do mensalão. Até hoje, Thomaz
Bastos é consultado por Lula, que, quando presidente, o chamava ao
Palácio do Planalto até cinco vezes por dia. O advogado também deu
suporte jurídico à campanha de Dilma Rousseff à Presidência. Pela
ligação com o PT e Lula, Tomaz Bastos consolidou na esfera política uma
ampla e complexa rede de influências. Todas as indicações para a cúpula
do Judiciário, desde 2003, são atribuídas ao ex-ministro, ainda que
indiretamente. Quando Joaquim Barbosa foi indicado para o Supremo,
Thomaz Bastos ligou para ele em Los Angeles, avisando-o. O mesmo ocorreu
com Dias Toffoli, advogado do PT, que foi para o STF com as bênçãos do
ex-ministro. Toda essa influência no Judiciário alimenta especulações de
que os nomeados não teriam plena autonomia. A mesma impressão ocorre
dentro da Polícia Federal, órgão turbinado na gestão de Bastos. A equipe
de advogados coordenada por ele agora procura falhas processuais e
erros que possam ter sido cometidos pela PF na Operação Monte Carlo, que
prendeu Cachoeira. Para o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ),
não dá para ignorar essa contradição. “É lamentável que isso esteja
sendo feito e orquestrado por quem chefiou a Polícia Federal e sabe como
poucos como ela funciona”, diz Alencar.
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