Roldão Arruda e Wilson Tosta, de O Estado de S. Paulo
A Comissão Nacional da Verdade, que será instalada
oficialmente nesta terça-feira, 15, irá se dedicar à investigação de
violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado nos anos
do regime militar. Embora seus integrantes ainda não tenham se reunido
oficialmente, suas declarações indicam que a avaliação de atos de
terrorismo praticados por militantes de esquerda que se opunham à
ditadura não fará parte de seu trabalho.
Em entrevista ao Estadão, o diplomata Paulo Sérgio
Pinheiro, uma das sete personalidades escolhidas pela presidente Dilma
Rousseff para compor a comissão, foi enfático: “O único lado é o das
vítimas, o lado das pessoas que sofreram violações de direitos humanos.
Onde houver registro de vítimas de violações praticadas por agentes do
Estado a comissão irá atuar”.
Na avaliação do diplomata, nenhuma das quase 40 comissões da verdade
instaladas no mundo tiveram como objetivo ouvir dois lados, como desejam
setores militares brasileiros: “Nenhuma comissão da verdade teve ou tem
essa bobagem de dois lados, de representantes dos perpetradores dos
crimes e das vítimas. Isso não existe”.
Nesta segunda-feira, 14, no Rio, ao ser homenageada por alunos e
colegas da Escola de pós-graduação em Políticas Públicas e Governo, a
professora e advogada Rosa Cardoso, também convidada para a comissão,
praticamente descartou a possibilidade de investigar crimes cometidos
pelas organizações armadas. “Vocês sabem que o Brasil não está
inventando, não está inovando institucionalmente quando cria uma
comissão da verdade. Hoje existem 40 comissões criadas no mundo”,
afirmou. “Essas comissões, quando são criadas oficialmente, pretendem
rever condutas de agentes públicos. E é isso o que fundamentalmente nós
vamos rever: condutas de agentes públicos.”
Rosa foi advogada de dezenas de presos políticos. O mais famoso foi
Dilma Rousseff, que esteve presa nos anos 70 por fazer parte da
organização guerrilheira Vanguarda Armada Revolucionária Palmares
(VAR-Palmares). Sobre as manifestações de militares da reserva que
insistem que a comissão deve investigar a resistência armada, procurou
ser diplomática: “Acho legítimo que expressem. Eles gostariam que esse
passado tivesse já passado, fosse uma página virada. Não é. E eles
preferiam que não houvesse a criação dessa justiça de transição”.
O advogado José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça no governo de
Fernando Henrique Cardoso e ex-diretor da Comissão de Justiça e Paz da
Arquidiocese de São Paulo, também disse ao Estadão, por
telefone, que o objetivo principal da comissão será a investigação de
violações de direitos humanos cometidos por agentes de Estado. “Esse
deve ser o objetivo, quando começarmos a trabalhar. “Todos os fatos que
chegarem ao nosso conhecimento serão analisados.”
Recado. Na sexta-feira, o ministro Gilson Dipp, do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), também já havia mandado um recado
aos descontentes com a criação da comissão. Depois de enfatizar que ela
não terá nenhum caráter revanchista, insistiu que os seus trabalhos
serão levados adiante “doa a quem doer”.
A presidente Dilma Rousseff deve instalar oficialmente a comissão na
quarta-feira, numa solenidade que contará com a presença dos
ex-presidentes Fernando José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Na semana passada, ao se encontrar
com as sete personalidades que convidou para integrar o grupo ela deixou
claro que eles terão todo o apoio estatal que for preciso para levar
adiante seus trabalhos.
No Rio, o presidente do Clube Naval, almirante da reserva Ricardo
Cabral, disse nesta segunda que a comissão interclubes (que forma com os
clubes Militar e de Aeronáutica) vai acompanhar as reuniões da Comissão
da Verdade, embora ainda não soubesse dizer de que forma. O primeiro
encontro do grupo, na quinta-feira, vai definir como o grupo deve
trabalhar.
Ele defende que os dois lados envolvidos em disputas nos anos da
ditadura sejam investigados. “Não pode haver revanche”, afirmou,
invocando a Lei da Anistia de 1979. “Não podem fazer como na Argentina.
Se houver retaliação, vamos regredir. Estamos em um estágio de
civilização muito avançado. Não é esquecer o passado. Já que querem
retomar a história, que seja imparcial, observado o contexto da época.”
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