Investigação do MP revela o envolvimento do
prefeito de São Paulo com o esquema de aprovação de licenças para
edificações. Para os procuradores, Gilberto Kassab (PSD) sabia das
irregularidades há pelo menos quatro anos e pode ter se beneficiado
delas
Alan Rodrigues
Há pelo menos uma década, o Ministério Público de São Paulo vem
recebendo informações e documentos sobre a existência de uma máfia que
atua no setor imobiliário de São Paulo e a ligação dessa organização com
funcionários da própria prefeitura da capital. Agora, depois de anos de
denúncias, veio a público a suspeita de que um dos líderes dessa
possível quadrilha é Hussain Aref Saab, ex-diretor responsável pela
aprovação de edificações de médio e grande porte da cidade. Trata-se de
um funcionário público que ascendeu na administração municipal pelas
mãos do atual prefeito, Gilberto Kassab (PSD), e que chegou ao ponto
alto da carreira nomeado pelo ex-governador e ex-prefeito José Serra
(PSDB). Aref, como é conhecido nos gabinetes paulistanos, foi flagrado
depois que a Corregedoria-Geral do Município (CGP) identificou 106
imóveis (apartamentos, casas, terrenos, salas comerciais e vagas de
garagem) em seu nome. Um patrimônio de mais de R$ 50 milhões adquiridos
nos últimos sete anos.
106 é o número de imóveis que Hussain Aref comprou nos últimos
sete anos, depois que foi nomeado diretor por José Serra
Fortalece as suspeitas de corrupção o fato de toda essa riqueza ser
amealhada por um funcionário público que vivia com R$ 20 mil mensais –
salário e aposentadoria que somam R$ 9.400 e os outros R$ 10.600
creditados das retiradas financeiras de um estacionamento da família,
conforme revela sua declaração de renda. Segundo a Controladoria, as
fraudes causaram um rombo de mais de R$ 70 milhões aos cofres
municipais. De acordo com o MP, a máfia chegou a ponto de criar uma
tabela de propina. “A quadrilha cobrava de R$ 40 mil a R$ 400 mil para
que fosse autorizada a liberação de áreas para construção na cidade”,
diz um dos promotores. O funcionário pediu demissão no dia 15 de abril. O
problema para Kassab é que documentos em poder do MP e da Câmara dos
Vereadores, aos quais ISTOÉ teve acesso, comprovam que o prefeito sabia
de tudo há pelo menos quatro anos. Mais do que isso. Kassab pode ter
sido um dos beneficiários do esquema criminoso, assim como familiares do
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, uma rede de empresários e
dezenas de servidores públicos. “Estamos diante do maior escândalo já
visto dentro da máquina pública paulista”, avalia o vereador Aurélio
Miguel (PR), autor de um pedido de CPI para apurar o caso, que até a
tarde da quinta-feira 15 já colecionava 18 das 28 assinaturas
necessárias.
As suspeitas sobre as ações irregulares de Aref durante a aprovação
de licenças de edificações começaram em 2006, depois que o teto de uma
igreja evangélica desabou sobre os fiéis no centro de São Paulo. Na
época, uma Comissão da Câmara de Vereadores identificou várias
irregularidades na concessão dos alvarás de funcionamento de prédios na
cidade. Diante disso, tanto o Ministério Público quanto a Corregedoria
da prefeitura foram alertados sobre a possível existência de uma máfia
no setor imobiliário paulista. O envolvimento de Aref ficou mais
evidente durante as investigações da CPI do IPTU, em 2008, que apurou
falsificação de carnês do imposto e desvios de verbas. Segundo a CPI,
mais de três milhões de metros quadrados tiveram sua licença aprovada
irregularmente. Nesse período, o responsável pelas liberações das
construções era Aref. De acordo com integrantes da Comissão de
Inquérito, a Prefeitura de São Paulo foi reiteradamente comunicada.
“Pedimos apurações e nada aconteceu”, alerta Aurélio Miguel. Uma das
mais contundentes provas de que Kassab sabia do esquema está na
correspondência encaminhada em novembro do ano passado à prefeitura pelo
presidente da Câmara, José Pólice Neto (PSD). No ofício, Neto comunica o
prefeito sobre a convocação de Aref e outros quatros funcionários. Só
que Aref e os demais subordinados do prefeito ignoraram os convites para
o depoimento. Na mesma carta, Kassab foi informado de que a ausência
dos funcionários atentava contra o regimento do servidor público e que o
não comparecimento deles implicava na suspensão de seus vencimentos.
O comportamento do prefeito pode ser explicado por outra denúncia do
MP. Em 2008, o próprio Kassab, segundo o Ministério Público, foi
beneficiado pelo esquema. As irregularidades constam do processo
0163622/10 encaminhado aos promotores em 2010. A peça jurídica detalha
que, em 2003, Kassab, em sociedade com o deputado estadual Rodrigo
Garcia (DEM), pleiteava a aplicação da Lei da Anistia para regularizar a
reforma de um prédio de propriedade da empresa R&K Engenharia,
pertencente na época à dupla. No entanto, em 8 de março de 2006 o pedido
de regularização do imóvel foi indeferido. Chama a atenção nesse
processo que, mesmo passado o prazo de apresentação de recursos – 60
dias –, a Secretaria de Habitação, onde estava lotado Aref, tenha
decidido reconsiderar o caso. Um ano depois, o processo foi revisto e
Kassab conseguiu aprovar a anistia. Outro detalhe surpreendente dessa
história é que a revisão só foi possível porque várias páginas do
processo desapareceram. Em agosto de 2008, a prefeitura reconstituiu a
documentação e deu o sinal verde para a regularização do imóvel do
prefeito. Kassab nega que tenha sido favorecido, mas o processo está
sendo analisado pelo MP. O prefeito também diz que irregularidades são
comuns na administração pública e que sua gestão está pronta para
puni-las. “Nós descobrimos e estamos punindo.” Nas declarações, Kassab
se mostra cioso no trato com a coisa pública e na investigação de
eventuais malfeitos. Mas só em 2012 é que a prefeitura pediu que a
Corregedoria apurasse o caso, depois de seis anos de recorrentes alertas
tanto por parte do MP quanto pela Câmara de Vereadores.
Funcionário de carreira, Aref é tido como parceiro de Kassab desde a
administração Celso Pitta, quando o atual prefeito comandava a
Secretaria de Planejamento e ele ocupava um cargo de diretoria na mesma
pasta. Mas foi José Serra quem guindou o servidor ao principal cargo na
área de aprovação de edificações. Em janeiro de 2005, Serra o
transformou no responsável pela liberação de qualquer área construída
acima de 500 m² na cidade. Desde então, o MP e a Corregedoria passaram a
colecionar denúncias de cobrança de propina por funcionários da pasta
comandada por Aref. Os procuradores também começaram a identificar uma
meteórica evolução patrimonial. De 2005 até julho de 2008, Aref
registrou 58 imóveis em seu nome, boa parte deles de alto luxo, como
seis apartamentos em um prédio com vista para o Parque do Ibirapuera, o
maior de São Paulo, imóveis orçados em R$ 4 milhões cada. Os
investimentos de Aref não pararam. Três anos depois de assumir o posto,
ele constituiu a SB4 Patrimonial, uma empresa de capital social de R$ 10
mil, que conta como sócios a mulher e dois filhos, na qual registrou
outros 46 imóveis. O advogado de Aref contesta as acusações. Segundo
ele, o aumento do patrimônio é fruto de investimentos imobiliários
iniciados na década de 1960.
“Estamos diante do maior escândalo já visto
dentro da máquina pública paulista”
Segundo apurações do MP, Aref não está sozinho nessa grande teia de
corrupção. Os promotores do caso querem ouvir nos próximos dias o
secretário especial de Controle Urbano da prefeitura, Orlando de Almeida
Filho, antigo chefe de Aref, que aparece nas denúncias como possível
beneficiário do esquema. Orlando é corretor de imóveis, ex-presidente do
Creci (Conselho dos Corretores de Imóveis) e ex-conselheiro do Secovi,
sindicato do setor imobiliário em São Paulo. Em 2005, José Serra o
nomeou secretário de Habitação e ele passou a chefiar Aref. Para os
procuradores, Orlando de Almeida tinha conhecimento das irregularidades
nos processos de anistias. No período em que Orlando comandou a
secretaria (2005-2008), surgiram denúncias que envolviam a família do
governador Geraldo Alckmin (PSDB). A querela tratava da regularização do
prédio da Wall Street Empreendimentos, empresa do cunhado de Alckmin,
Adhemar Ribeiro. O prédio foi construído em 1975, mas passou por uma
ampliação na metade da década de 1990. Para efetuar a ampliação da área,
a empresa deveria ter pago títulos de outorga onerosa, um recurso que
possibilita ao proprietário do imóvel o pagamento para erguer
edificações acima do permitido pela lei de zoneamento. As denúncias
acusavam a empresa do cunhado de Alckmin de forjar o pagamento de taxas,
já que a Wall Stret alterou o tamanho do prédio no carnê do IPTU, com o
objetivo de diminuir o cálculo das tarifas. A firma foi acusada de
deixar de pagar R$ 4 milhões em taxas relativas ao edifício. O Sistema
de Processos da Prefeitura mostra que o documento no qual consta a
“irregularidade grave” no pedido de regularização do prédio da Wall
Street feito em 1994 foi enviado para o gabinete do secretário de
Habitação no dia 29 de setembro de 2005. À época, o titular da pasta era
Orlando de Almeida, que nada fez.
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